Acórdão nº 13452/15.5T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 08-10-2019

Data de Julgamento08 Outubro 2019
Case OutcomeJULGADO O RECURSO PROCEDENTE, REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO E REPRISTINADA IN TOTUM A SENTENÇA DO TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA
Classe processualREVISTA
Número Acordão13452/15.5T8PRT.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,

I - Relatório
1. AA, a 26 de maio de 2015, propôs ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Inst. Central, contra BB, pedindo (1) a condenação da Ré a reconhecer que os certificados de aforro identificados integram o acervo hereditário de CC, (2) a condenação da Ré na sua restituição à herança e na sua relacionação em processo de inventário, (3) a declaração da sonegação dos mesmos pela Ré com as devidas consequências legais, e (4) a declaração da perda do direito a tais bens por parte da Ré – I Vol., fls. 5 a 15.
2. Em síntese, a Autora alega ter sido intentado processo de inventário para partilha dos bens deixados pelo seu pai, CC, falecido no estado de casado com a Ré, no regime imperativo da separação de bens, processo a que foi atribuído o nº 403/12.8TJPRT. A Autora e a Ré são os únicos herdeiros do de cujus, competindo à Ré o exercício do cabeçalato. Contudo, a Ré, dolosamente, ocultou bens da herança, concretamente 21 643 unidades de certificados de aforro, série B, que, ao tempo da morte de CC – 31 de agosto de 2007 - ascendiam ao montante € 167 226,51. Na verdade, escondeu da Autora a existência desses certificados, procedeu à sua movimentação, não informando os funcionários do “IGCP, IP”, do falecimento de CC, e não deu conhecimento da existência dos mesmos à administração fiscal ou ao Tribunal, no âmbito do processo de inventário.
3. A Ré contestou e deduziu reconvenção, pedindo 1) o reconhecimento da reconvinte como dona e legítima possuidora das 21643 unidades de certificados de aforro indicadas na petição inicial, e respetivos frutos; 2) se assim se não entender, pede o reconhecimento da reconvinte como comproprietária dos mesmos certificados de aforro, na proporção de ½, e respetivos frutos. Alega que os fundos utilizados na subscrição dos certificados de aforro eram sua pertença.
4. Na réplica, a Autora manteve a posição assumida na petição inicial.
5. No decurso da audiência prévia, admitiu-se a reconvenção; foram julgadas improcedentes as nulidades arguidas; e foi formulado convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, no sentido de se esclarecer se os certificados de aforro pertenciam exclusivamente ao de cujus ou a este e à Ré em regime de compropriedade.
6. A Autora apresentou nova petição inicial em que, inter alia, alegou que os certificados de aforro eram pertença exclusiva do de cujus, tendo sido sonegados à herança pela Ré. Conclui pedindo: 1) a condenação da Ré a reconhecer que referidos certificados de aforro pertenciam exclusivamente a CC, integrando o acervo da herança aberta por morte do mesmo; 2) a condenação da Ré na sua restituição à herança e na sua inclusão na relação de bens do processo de inventário nº 403/12.8TJPRT, com juros moratórios desde a sua apropriação até à efetiva partilha; 3) no reconhecimento judicial da sonegação de bens pela Ré, cabeça-de-casal da herança aberta morte de CC; 4) o reconhecimento judicial da perda, por parte da Ré, do direito aos certificados de aforro; 5) o reconhecimento judicial da Autora como herdeira do falecido CC.
7. A Ré pronunciou-se sobre o novo articulado apresentado pela Autora, mantendo o que havia alegado e concluído na contestação/reconvenção.
8. O Tribunal de 1.ª Instância decidiu:

“I – a. declarar a A. herdeira do falecido CC, por ser filha deste;

b. condenar a R. a reconhecer que os certificados de aforro referidos a fls 49 integravam a herança aberta por óbito do falecido CC;

c. condenar a R. a relacionar como bem da herança deixada por óbito do falecido CC a quantia de € 167.226,51, obtida com o resgate dos certificados de aforro referidos a fls 49, levado a cabo após 31 de Agosto de 2007 pela mesma R.;

II - Julgar a acção improcedente na parte restante;

III - Julgar a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a reconvinda do pedido reconvencional formulado”.

9. Assim, na 1.ª Instância, o primeiro e o segundo pedidos (este com a retificação de a restituição recair sobre o valor do resgate) foram julgados procedentes e os restantes improcedentes – III Vol., fls. 718 a 743.

10. A Autora, inconformada, interpôs recurso de apelação.

11. Na 2.ª Instância, foi julgada procedente a apelação e declarada “a existência de sonegação de bens por parte da R., com a consequente perda, em benefício da A. do direito aos bens sonegados, referidos em C) da decisão proferida, revogando-se a sentença nesta parte” – IV Vol. fls. 817 a 830.

12. Irresignada, a Ré interpôs recurso de revista em que apresenta as seguintes Conclusões:
1. “a Douta Decisão do Tribunal a quo, concluiu pela existência de sonegação, sem, contudo, colocar em crise e/ou alterar a matéria de facto assente;
2. Não se vislumbra, data vénia, no Douto Acórdão recorrido, a explanação de um fundamentado juízo critico sobre os factos apurados, sobre o conjunto de provas carreadas para o processo, nem a avaliação das concretas circunstâncias do caso;
3. Entende-se, que a Douta Decisão ora recorrida descurando elementos essenciais como seja a boa ou má fé das partes, é demasiado abreviada, linear e sucinta, de lógica quase ininteligível, no que concerne, nomeadamente, ao preenchimento dos requisitos da sonegação, aliás inexistente;
4. Reitera-se e subscreve-se, o que ficou doutamente vertido na sentença da primeira instância, que se reproduz:
a) não integra a figura da sonegação o simples desentendimento quanto à titularidade dos bens à data do óbito;
b) é igualmente insuficiente a demonstração da simples ocultação dos bens;
c) o artigo 2096 do código civil exige a ocultação dolosa, referencia que, se por um lado remete para a atuação intencional e a atuação com intenção de o ocultar, por outro exige a prática de actos susceptíveis de integrar o conceito jurídico civilístico do dolo (art. 253º do Código Civil);
d) trata-se de uma figura para cuja aplicação concorrem elementos de facto e de direito, muitas vezes de difícil demonstração, devendo o fiel a balança passar por saber se o visado procedeu de boa ou má fé...;
e) a simples omissão de relacionação não justifica a aplicação de sanção,
f) a existência de divergências quando aos bens a relacionar para este efeito sequer permite afirmar ter existido omissão;
5. embora a recorrente não tenha logrado provar proveniência do dinheiro que originou a subscrição dos certificados e, consequentemente, que os mesmos a si exclusivamente cabiam, tal não significa que o contrário seja verdade, pois não é;
6. A Recorrente não indicou ou relacionou os certificados de aforro no inventário, pois se o fizesse estaria, sem mais, a reconhecer que eram pertença da herança, o que manifestamente a mesma entendia não ser o caso!
7. A recorrente não deu conhecimento à recorrida da existência de certificados de aforro, mas tal não foi com qualquer intuito fraudulento;
8. a circunstância de a recorrente ter procedido ao resgate dos títulos afigura-se de todo irrelevante, pois o resgate dos título não apaga aos registos relativos à sua constituição, e vicissitudes pelo que, a todo o tempo, a recorrida poderia ter procurado junto do IGCP , o que fez logo em, 2010;
9. A recorrente não recusou prestar informações;

10. A recorrente alegou que lhe assistia o direito demonstrar que os certificados eram seus e o dinheiro usado para sua constituição era seu, logo nada havia a relacionar ou partilhar.
11. Uma vez remetidas para os meios comuns, as partes tiveram a oportunidade de discutir de forma ampla, a questão proveniente de um desentendimento acerca da titularidade do bem, e as demais conexas, o que nada tem a ver com qualquer intuito fraudulento, aliás inexistente, por parte da ora Recorrente.
12. por força da não relacionação dos certificados, ou do produto do seu resgate, a recorrente não obteve vantagem patrimonial;
13. Pela estrita aplicação das regras legais relativas à sucessão legitimária e testamentária (artigo 2159º do Código Civil), da quantia global de €167.226,51, correspondente ao resgate dos títulos, à Recorrente sempre caberia mais de €100.000,00;
14. A recorrente, uma vez proferida sentença que ordenou a relacionação dos bens, ou seja, a Sentença da primeira Instância aceitou os seus termos, pretendendo dar-lhe cumprimento;
15. Ainda no que concerne à sonegação, mister seria, para a procedência do pedido de condenação da recorrente, que a recorrida demonstrasse a atuação dolosa, a intencionalidade da recorrida R. , o que não fez, apesar de lhe competir.
16. No caso Sub Iudice,
A circunstância da Recorrente não ter provado que “...ao efetuar a movimentação dos certificados sem informar a recorrida estivesse convencida que estes eram coisa sua...” (alínea n) dos factos provados, não permite a afirmação da prova do facto contrário, ou seja.
17. que ao efetuar a movimentação dos certificados sem informar a recorrida estivesse convencida que estes não eram coisa sua,
18. A prova deste facto competia à recorrida, o que a mesma não logrou fazer!
19. incumbia à A. recorrida, “in totum” o ónus probandi do presente pleito e a demonstração dos factos alegados na P.I. era essencial para a procedência do pedido de condenação da ora recorrente como sonegadora ;
20. Porquanto, os factos alegados pela recorrida eram constitutivos do direito de que a mesma se arrogava (art. 342 do Código Civil e 516 do Código de Processo Civil), não cabendo à ora Recorrente a demonstração de qualquer facto ou circunstância em sentido diverso - “Bona fides praesumitur nisi mala adesse probetur”
21. Assim, constituindo sonegação o pressuposto do reconhecimento do direito reclamado pela A., a dúvida quanto à verificação dos factos integrantes (ocultação de bens actuação dolosa) deve ser resolvida contra a parte que invoca o direito.
22. Ao não decidir em conformidade com a douta Sentença do Tribunal de 1ª Instância, o Douto Acórdão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT