Acórdão nº 1341/08.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 08-04-2021

Data de Julgamento08 Abril 2021
Número Acordão1341/08.4BELSB
Ano2021
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

A C.........., S.A, (F..........) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa comum, sob a forma ordinária, intentada pelo Turismo de Portugal, I.P. (TP), na qual se pedia:
- para ser declarado válido, enquanto se mantiver em vigor o contrato de concessão da sala de jogo do bingo de Faro entre o Governo Português e a F.......... SAD ((Farense) ou o TP não autorizar o seu cancelamento, o seguro-caução titulado pela apólice n.º 96/72.920 (ora designada pelo R. pelo n.º 18/72.920), nos termos da declaração constante do documento junto sob o n.º 11, emitida pelo R. em 24/08/2004, em nome e a pedido do Farense, na qualidade de concessionário da exploração daquela sala, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 10.º do REJB e no n.º 1 da cláusula 3ª do contrato de concessão celebrado em 20/04/1983 e prorrogado por mais dez anos pelo Despacho n.º 59/SET/03, proferido pelo Secretário de Estado do Turismo em 22/01/2003;
- a condenação do R. no pagamento da quantia de €46.139,14 correspondente ao valor de €44.143,61, titulado pela apólice n.º 18/72.920 emitida pelo R. e emergente das obrigações assumidas no contrato de concessão celebrado entre o segurado do R. e o A., acrescida de juros vencidos e juros vincendos contados à taxa REFI do BCE, acrescida de 2% e, ainda, em custas.
A decisão recorrida determinou ainda que os juros vincendos, não liquidados, seriam a liquidar em execução de sentença.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”1ª. - A matéria de facto deve ser ampliada de modo a contemplar as seguintes circunstâncias de facto, comprovadas e aceites nos autos:
- à Ré, não foi dado conhecimento da cessão de exploração, outorgada entre a “F.......... SAD” e a “B.........., Ldª”; e
- esta cessão foi autorizada pelo Secretário de Estado do Turismo, por proposta do Autor, então Inspecção Geral de Jogos;
- à Ré só foi dado conhecimento da cessão, através do ofício enviado pelo Autor, datado de 09-09-2007.
2ª – Porque igualmente demonstrado e aceite nos autos, deve ser considerado como matéria de facto: as comunicações e respectivo teor, enviadas pela Ré ao Autor, datadas de 25/09/2007 e de 30/11/2007 – documentos nºs 6 e 7 juntos com a contestação;
3ª – A douta sentença ora recorrida mostra-se ferida de nulidade, atenta a previsão final da alínea d) do nº 1 do artº 615º do Cód. do Procº Civil, aplicável por força do artº 1º do CPTA, porquanto considerou como facto adquirido o valor da obrigação incumprida e objecto do seguro-caução contratado à Ré e, em consequência, condenou na totalidade do montante pedido (44.143,61€);
4ª – Todavia, esse valor foi impugnado e, até, nem correspondia ao somatório das parcelas descritas pelo próprio Autor (31.203,41€);
5ª - Mostra-se, ainda, ferida de nulidade, atenta a previsão da mesma alínea d) do nº 1 do artº 615º do Cód. do Procº Civil, (via nº 2 do artº 608º CPC), porquanto o julgador omitiu pronúncia sobre questões de facto e de direito que foram suscitadas pela Ré;
6ª – Estando neste caso, a matéria de excepção fundada na ausência da obrigação de indemnizar, motivada pela extinção da garantia caucionada;
7ª – Extinção da garantia que foi, precisamente, gerada no facto de não lhe ter sido dado conhecimento da cessão da posição contratual realizada entre o Tomador do seguro e um estranho, autorizada pelo Beneficiário, Autor; negócio tal a que a Ré não deu consentimento.
8ª – Nulidades que, por cautela, se invocam, ainda que se admita que a apreciação de mérito, à luz do direito substantivo, lhes poderá dar imediata solução, dispensando a cominação da nulidade.
9ª - Para alcançar a conclusão condenatória, o douto tribunal “a quo”, orientou-se por duas linhas de pensamento, respeitando uma a alegada omissão de denúncia do contrato de seguro, a que a Seguradora Ré estaria obrigada;
10ª – O que não se aceita, porque inaplicável, uma vez que a apólice se encontrava anulada face à extinção do risco que garantia, desde 16/01/2006, por causa da ignorada cessão da posição contratual pelo Tomador do Seguro, como foi explicitado ao Autor através das cartas datadas de 25/09 e de 30/11/2007, remetidas pela Ré;
11ª – Não é possível denunciar ou resolver um contrato que já se encontra extinto.
12ª – A outra linha de pensamento (aquela que, primordialmente, constitui a essência do fundamento da decisão), diz respeito à interpretação do clausulado da apólice de seguro-caução contratado à Ré e que, segundo a douta sentença, garantida “à primeira solicitação” (ou “on first demand”) a indemnização ao beneficiário.
13ª – Porém, o contrato de seguro cujas condições se mostram documentadas nos autos (e cuja existência é, tal e qual, reconhecida pelas partes), não contém qualquer cláusula expressa, geral ou particular, com o sentido de que o capital caucionado deve ser entregue ao Segurado/beneficiário à primeira solicitação, ou outra cláusula de teor semelhante;
14ª - O inverso resulta, aliás, da leitura do clausulado, como decorre logo, na parte introdutória do corpo das Condições Gerais da Apólice (em que se define como sinistro: o incumprimento pelo Tomador do Seguro, devidamente comprovado…); ou no texto dos artºs 2º e 10º das mesmas Condições Gerais, em que são estipuladas regras para pagamento da indemnização, designadamente dando à seguradora a faculdade de exigir diversa documentação comprovativa do sinistro e da liquidação da obrigação e, até, a exigência da prática de certos actos, judiciais ou não, por parte do Beneficiário;
15ª – Características tais que, por si mesmas, tornam inaplicável o conceito de “on first demand”, ou de obrigação de indemnizar à primeira interpelação.
16ª – Erra, ainda, a douta sentença, na medida em que – apesar de pretender tornar a apólice do seguro em causa equivalente a uma garantia bancária – não distingue que, mesmo quanto a estas, existem categorias (por ex. de garantias autónomas simples), que excluem a aplicação da referida cláusula “on first demand”.
Apesar do que antecede,
17ª - Mesmo que pudesse considerar-se o contrato de seguro-caução, aqui ajuizado, sujeito a tal cláusula potestativa (pelo que vimos referindo, não se considera), ainda assim, o tribunal não podia tê-la aplicado;
18ª – Com efeito e repetindo, na situação concreta dos presentes autos, não foi dado conhecimento à Ré da cessão da posição contratual, operada em 16/01/2006, entre o Tomador do Seguro e outra entidade (estranha ao contrato de seguro) e com autorização do Segurado/Beneficiário, o aqui Autor.
19ª – A ré não conhecia (logo nem deu consentimento) a cessão da posição contratual, como não conhecia a entidade cessionária, sendo inequívoco que um seguro-caução se reveste de natureza eminentemente pessoal;
20º - A identificação dos outorgantes é, até, um dos requisitos indispensáveis na contratação da apólice de seguro (v. artº 426º do Cód. Comercial ou, actualmente, o artº 37º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Dec. Lei nº 72/2008).
21ª – A ocultação do negócio à Ré, por parte dos intervenientes no acordo de cessão – neles se incluiu o próprio Autor – foi, manifestamente, violadora dos princípios apontados nos artºs 424º /1 e 599º / 2, do Cód. Civil; e dos artº 426º e 429º do Cód. Comercial; bem ainda, de princípios gerais basilares da nossa ordem jurídica, como sejam, os da boa-fé, da confiança e da lealdade nos negócios jurídicos;
22ª - Esta actuação daqueles conduzia (e conduz), por si só, à extinção de qualquer garantia; inclusive, neste caso concreto, a garantia prestada pela ora Recorrente, que (e se) se considerasse com o cariz de garantia de primeira interpelação (como se pretende na douta sentença).
23ª – O próprio A. não ignorava essa situação, pois que a omitiu na interpelação dirigida à Ré e, só mais tarde, veio a admitir e a documentar que tinha dirigido à entidade cessionária, e unicamente a esta, as notificações e os procedimentos que instaurou.
24ª – De tudo o exposto, decorre que deve ser julgada procedente a excepção deduzida pela Ré e, em consequência, deve esta ser absolvida dos pedidos.
Admitindo – ainda e sempre por mera hipótese e sem conceder – que assim não venha a ser doutamente entendido,
25ª – A douta decisão condensada numa simples condenação “nos pedidos”, sem expressão qualitativa ou quantitativa mostra-se excessiva.
26ª – Com essa expressão e relativamente ao pedido formulado na al. a) da conclusão da petição, pretende-se que a apólice de seguro perdure (enquanto o A. não autorizar o seu cancelamento) mesmo depois de esgotado o capital;
27ª – Ora, se a Ré entregar o capital caucionado, a apólice caduca nesse momento; pelo que a condenação representaria um objectivo contrário à lei e ao convencionado no contrato de seguro.
28ª – Depois, quanto ao pedido formulado na al. b), a haver condenação, teria que confinar-se ao montante apurado de €:31.203,41 euro (equivalente ao somatório das parcelas pedidas pelo A. e descritas no ofício de interpelação);
29ª – Acresce que tendo faltado a liquidez do capital, não são devidos juros, em respeito pelo estabelecido no artº 805º - 3 do Cod. Civil.
Por fim,
30ª – A douta decisão final não tinha que pronunciar a absolvição, ou condenação, dos Chamados, intervenientes acessórios;
31ª – Antes e apenas, nos termos das disposições constantes dos artºs 323º - 4 e 332º do Cód. Procº Civil, lhe era permitido declarar que a decisão tem o valor de caso julgado em relação aos Chamados.
32ª - Ressalvando o muito respeito devido, o Tribunal "a quo" errou na análise e integração da matéria de facto;“.

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1 Deve este Venerando Tribunal deve julgar improcedente o recurso quanto à matéria de facto apresentado pela Recorrente, por se afigurar inadmissível o...

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