Acórdão nº 1338/17.3T8STS-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-07-2020

Data de Julgamento14 Julho 2020
Número Acordão1338/17.3T8STS-A.P1
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 1338/17.3.T8STS-A.P1
Origem: Juízo de Comércio de Santo Tirso – J1.
Relator: Jorge Seabra
1º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
2º Adjunto Desª. Maria de Fátima Andrade
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
1. Por apenso aos autos de insolvência em que foi declarada insolvente “B… – Unipessoal, Lda.”, veio o credor “C…, Unipessoal, Lda.” requerer a abertura de incidente de qualificação da insolvência, a qualificação da insolvência como culposa e a afectação de D…, alegando factos susceptíveis de demonstrar a dissipação de património da insolvente, a prática de negócios que agravaram a situação da insolvente e a utilização de bens da mesma em proveito próprio do administrador e de terceiro.

Veio, ainda, o credor E… requerer a mesma qualificação e a afectação de D… e F…, alegando factos susceptíveis de demonstrar a gerência de facto por parte desta última, dissipação de património, prática de negócios que agravaram a situação da insolvente, utilização de bens da insolvente em proveito próprio do administrador e de terceiro, prática de factos a favor de terceiro e falta de contabilidade organizada.
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2. Declarado aberto o incidente, veio a Srª Administradora de Insolvência apresentar parecer de qualificação da insolvência como culposa, alegando factos susceptíveis de demonstrar a alegada dissipação de património, realização de negócios que agravaram a situação da insolvente, utilização de bens da insolvente em proveito do administrador, falta de colaboração e violação do dever de apresentação à insolvência.
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3. Cumprido o preceituado no artigo 188º, n.º 4, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (adiante designado por CIRE), o Ministério Público propôs também a qualificação da insolvência como culposa, propondo a afectação de D… e F….
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4. Observado o disposto no artigo 188º, n.º 6, do CIRE, ambos os requeridos deduziram oposição, afastando os fundamentos invocados pelos credores, os fundamentos constantes do parecer oferecido pela Administradora da Insolvência e pelo Ministério Público.
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5. Foi proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e fixação dos factos assentes e temas de prova.
Foi, ainda, requerida e realizada audiência prévia nos termos do preceituado no artigo 593º, n.º 3, do Código de Processo Civil (adiante designado por CPC), tendo sido apreciada a reclamação apresentada.
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6. Procedeu-se a julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela qualificação como culposa da insolvência de “B…, Unipessoal, Lda.”, declarando afectados os requeridos D… e F…, decretando a inibição de ambos para o exercício do comércio e administração de patrimónios pelo período de 5 anos e condenando os mesmos a indemnizar os credores pelos créditos não satisfeitos, até à força dos respectivos patrimónios e até ao valor dos créditos reconhecidos no processo de insolvência.
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7. Inconformada, veio a requerida F… interpor recurso de apelação, oferecendo alegações e aduzindo as seguintes
CONCLUSÕES
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8. Foram oferecidas contra-alegações em que se pugnou pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.
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Observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não sendo lícito a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas se mostrem de conhecimento oficioso – artigos 635º, n.º 4, 637º, n.º 2, 1ª parte e 639º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Por outro lado, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não suscitadas pelas partes em 1ª instância e ali apreciadas, sendo que a instância recursiva não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação das decisões proferidas pelas instâncias, em função das questões convocadas pelas partes. [1]
Neste enquadramento jurídico e no seguimento de tais princípios, as questões a dirimir são as seguintes:
I. Impugnação da decisão de facto;
II. Do mérito da sentença recorrida quanto à afectação da apelante pela qualificação culposa da insolvência de “B…, Unipessoal, Lda.” e quanto à medida dessa sua afectação.
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Em face do antes decidido, a factualidade provada e a considerar será a seguinte:
1. A insolvência da devedora foi requerida a 26 de Abril de 2017 por terceiro.
2. Foi declarada a sua insolvência por sentença proferida a 13 de Novembro de 2017.
3. Foram reclamados e reconhecidos pela Administradora de Insolvência créditos no valor global € 209.112,28.
4. Não foram apreendidos bens.
5. A requerida F… foi fornecedora da insolvente.
6. Em 26 de Janeiro de 2017 foi constituída a sociedade “G…, Lda.”, com sede no mesmo local da sede da insolvente, tendo como gerente F….
7. Por documento intitulado de “Contrato de Trespasse”, datado de 17 de Julho de 2017, a insolvente declarou trespassar o estabelecimento na Rua …, .., em Santo Tirso a “G… – Unipessoal, Lda.”, pelo preço de € 20.000,00.
8. A insolvente teve sede na Rua …, .., em Santo Tirso até 17 de Julho de 2017, data em que alterou a mesma para a Rua …, …, em Vila Nova de Gaia.
9. D… é, de acordo com o contrato de constituição da sociedade “B… – Unipessoal, Lda.” e à luz do respectivo registo comercial, o único gerente da insolvente. [2]
10. F… era, no final do ano de 2016, credora da sociedade insolvente, em montante não apurado.
11. Em 18.11.2016, F…, tendo como titulo executivo uma letra de câmbio, no valor de € 9.300,00, com vencimento em 31.10.2016, intentou contra a insolvente processo executivo que correu termos com o nº 4945/16.8T8LOU, Instância Central da Lousada, secção de Execução.
12. Em 12.12.2016, o Agente de Execução nomeado fez a penhora de todo o recheio do estabelecimento da sede da insolvente, tendo atribuído o valor de € 12.200,00 aos bens penhorados e a exequente prescindiu da remoção dos bens.
13. Em documento escrito datado de 09.02.2017, intitulado de “Dação em pagamento” celebrado entre a insolvente e F…, consta que a insolvente “na indicada qualidade confessa-se devedor à primeira da importância global de sessenta mil oitocentos quarenta e seis euros e noventa e dois cêntimos, quantia essa resultante de vários mútuos entregues pela primeira outorgante ao segundo na indicada qualidade, tendo inclusive dado origem ao processo de execução comum que com o nº 4945/16.8T8LOU que corre termos na comarca de Porto Este, Lousada, Instância Central – Secção de Execuções – J2, bem como ainda uma letra de câmbio no montante de € 40.000,00 na posse da primeira outorgante.”
14. Mais é declarado que para pagamento dessa dívida a insolvente dá a F… os bens que haviam sido penhorados.
15. Em 23.06.2017, por documento intitulado de alteração a contrato de arrendamento, a proprietária do imóvel onde se encontrava instalado o estabelecimento da insolvente declara acordar em renunciar à preferência no trespasse do estabelecimento.
16. O veículo de matrícula ..-JS-.., registado a favor da insolvente desde 19.05.2015 foi registado a favor de H… em 21.07.2017.
17. A insolvente deixou de pagar aos seus fornecedores em 2016.
18. D… engendrou um plano para fugir com o património e não pagar as dívidas, com a colaboração de F….
19. Para o efeito a insolvente deu os seus bens a F….
20. Após a entrada do pedido de insolvência foi constituída a sociedade “G…, Unipessoal, Lda.” com intuito de transmitir o contrato de arrendamento do prédio onde está instalado o restaurante. [3]
21. A sociedade insolvente não recebeu qualquer contrapartida financeira pelo trespasse do estabelecimento e pela transferência de propriedade do veículo.
22. Todos os actos foram praticados com o intuito de impedir penhoras e outros actos de apreensão.
23. A insolvente, até Novembro de 2017, pagou vencimentos de alguns dos trabalhadores.
24. O requerido D… não remeteu à Administradora as informações nem os elementos contabilísticos que pela mesma foram solicitados.
25. Não apresentou IES relativa aos exercícios de 2016 e 2017.
26. O gerente da devedora não prestou colaboração à Administradora de Insolvência, não entregando contabilidade, nem esclarecendo o destino dos alegados montantes referentes aos negócios celebrados.
27. A Administradora de Insolvência teve apenas acesso aos “IES – Informação Empresarial Simplificada” de 2014 e 2015.
28. [A insolvente] Apresenta dívidas vencidas a fornecedores desde 2015 e à Segurança Social desde Junho de 2016.
29. Desde meados de 2016 os fornecedores começaram a exigir o pagamento dos seus créditos.
30. Desde esse momento os requeridos sabem que a insolvente está impossibilitada de cumprir as suas obrigações.
31. À data da celebração de negócios com F… a insolvente tinha execuções pendentes.
32. O cheque pessoal emitido por F… foi levantado ao balcão pelo requerido.
33. O estabelecimento mantém-se idêntico, com a maioria dos trabalhadores que eram da insolvente.
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IV.II. Da afectação da apelante pela qualificação da insolvência como culposa.
Dirimidas as questões de facto, cumpre conhecer das subsequentes questões de direito suscitadas pela apelante e que justificam a sua discordância em face da sentença proferida.
Como é consabido, o incidente de qualificação da insolvência consiste num incidente do processo de insolvência que tem por fim a qualificação da natureza fortuita ou culposa da insolvência do devedor, bem como, tratando-se de insolvência culposa, da indicação da (s) pessoa (s) afectada (s) por tal qualificação e das consequências aplicáveis.

A figura do incidente de qualificação da insolvência encontra-se prevista e regulada no Título VIII do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (artigos 185º a 191º),
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