Acórdão nº 1337/22.3T8BRR.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-04-2024

Data de Julgamento23 Abril 2024
Número Acordão1337/22.3T8BRR.L1-1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA



I-/ Relatório:


(…) Lda., B…, e C…, intentaram a presente ação de processo comum contra D… e E…, todos com demais sinais nos autos, pedindo que fosse declarada nula a cessão de quotas operada em 30/03/2022 entre os réus, D… e E… e determinando o cancelamento do registo que foi efetuado com base nela, nomeadamente a menção dep. 1923/2022 de 01 de maio de 2022 (Transmissão de quotas).

Para tanto, alegaram, em síntese, que as 2ª e 3ª autoras e os réus, estes casados entre si no regime da comunhão de adquiridos, são sócios da 1ª autora, sendo o capital social da empresa dividido em quotas entre os quatro participantes da sociedade. Por contrato de doação, celebrado entre os réus, a 2º ré doou a sua quota na sociedade ao 1º réu, o que não poderia fazer, em face do regime de bens do casamento, pois que, tendo as quotas sido adquiridas na constância do matrimónio, trata-se de um bem comum, ao que acresce que a cedência foi efetuada sem prévia notificação e autorização da 1ª autora que, entretanto, lhes comunicou a sua oposição.
Mais alegaram que a doação foi efetuada sem respeitar o direito de preferência da 1ª autora, contrariamente ao consignado no artigo sexto do Pacto de Sociedade autora, de onde resulta que a cessão de quotas depende de prévio consentimento da sociedade e que esta tem direito de preferência na aquisição e, sucessivamente, os seus sócios.
Finalmente, alegaram que a saída de 2ª ré da sociedade autora a prejudica e viola a boa-fé, na medida que aquela é avalista de crédito bancário contraído por esta junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A. assim se esquivando do débito da empresa e prejudicando a sua imagem comercial.
Com tais fundamentos, requereram a declaração de nulidade da cessão de quota e cancelamento do correspondente registo.

Os réus apresentaram contestação, invocando a exceção de falta de deliberação da sociedade no sentido de ser intentada a presente ação, impugnando parte dos factos alegados e argumentando que a aludida quota era bem próprio da 2ª ré por ter sido comprada com proveitos próprios, sendo cedida por conta da quota disponível.
Mais alegaram que o artigo 6º do Pacto Social dispõe que a cessão de quotas a estranhos depende do prévio consentimento da sociedade, ora o cessionário era já titular de uma quota, não sendo, portanto, estranho à mesma, resultando também do disposto no art.º 228.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a desnecessidade desse consentimento.
Finalmente, alegaram que, tal como resulta da natureza da obrigação assumida, a 2ª ré continuou a ser devedora e cumpridora perante a Caixa Geral de Depósitos, S.A., não havendo qualquer ato abusivo ou de má-fé.
Com tais fundamentos, requereram a improcedência da presente ação.

Os autores responderam, juntando a ata da deliberação da interposição da presente ação.
Os réus impugnaram a ata, por não a conhecerem até então, e por não corresponder ao que se passou na assembleia, alegando ainda que, tendo a aprovação apenas das 2ª e 3ª autoras, não se se obteve maioria para que se considere aprovada a aludida deliberação.

Foi realizada audiência prévia e foi proferido despacho saneador, no qual foi o conhecimento da exceção invocada em contestação relegado para final, sendo fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a exceção invocada e julgou a ação procedente, declarando, em consequência, e como requerido, a nulidade da cessão de quota entre os réus D… e E… determinando-se o cancelamento do correspondente registo.

Inconformados, os réus interpuseram recurso, que finalizaram com as conclusões que aqui se enumeram:
«1. Os Recorrentes requerem que fosse fixado efeito suspensivo ao recurso, na medida em que a execução da decisão recorrida é suscetível de lhes causar prejuízo considerável, bem como à sociedade, sendo inócua para a recorrida;
2.Os financiamentos contraídos pela sociedade encontram-se a ser suportados, única e exclusivamente pelos Recorrentes, na sua qualidade de garantes e avalistas, tendo sido obtida autorização bancária para a cessão de quotas, passando a estrutura societária a 3 sócios, mas com a manutenção das garantias pessoais prestadas, nomeadamente os avais.
3. Os Recorrentes confrontam-se com elevadíssima dificuldade financeira para suportar o pagamento das prestações devidas à Caixa Geral de Depósitos, através de recursos próprios, uma vez que sociedade está inadimplente e as demais sócias recusam realizar qualquer pagamento.
4. Tendo a CGD autorizado a alteração da estrutura societária, mantêm-se em vigor os termos acordados no contrato de financiamento e na eventualidade de voltar a ocorrer a alteração da estrutura da societária, o contrato de financiamento prevê que a CGD poderá declarar o respetivo incumprimento e exigibilidade antecipada do montante mutuado, vendo-se assim os recorrentes a fazer face ao vencimento imediato da dívida, a qual, com dados de Outubro de 2023, se encontrava fixada em €158.753,94, não tendo meios para o fazer, sendo consequência directa de tal impossibilidade a ocorrência de penhoras de bens, nomeadamente da casa de morada de família, ordenados e outros bens pessoais dos Recorrentes.
5. A fixação de caução tem por objetivo assegurar o cumprimento da obrigação, por parte do condenado, pelo que o respetivo montante deve equivaler ao "quantitativo provável do crédito", atendendo-se, pois, às quantias líquidas e ilíquidas em que o devedor foi condenado, o que não é o caso dos autos, aceitando, todavia, os recorrentes que, não se entendendo pela dispensa de prestação de caução, se oferecem para a prestar, através da entrega de valor pecuniário correspondente ao pedido formulado nos presentes autos.
6. Os Recorrentes entendem que o tribunal a quo cometeu vários erros de apreciação da prova produzida, nomeadamente ao dar como provados factos sem qualquer sustentação fáctica e sem apoio na prova trazida à lide, sendo mais grave, ainda, a interpretação insuscetível de fundamentar tais factos provados.
7.No que respeita à impugnação da matéria de facto, entende-se que a prova produzida não permite dar por provados factos I), L) e O);
8. Para a al. I), o tribunal não faz qualquer referência aos específicos meios probatórios que valorou e utilizou para concluir pela prova do facto aqui em crise, não permitindo concluir a razão pela qual tal facto foi julgado provado, não permitindo aos recorrentes rebater tal entendimento, por referência aos concretos elementos probatórios utilizados;
9. A sociedade foi atempadamente informada da intenção da ré Inês em ceder as suas quotas, tendo esta dirigido a todos os sócios uma missiva nesse sentido, cujo teor teve o cuidado de partilhar também via correio eletrónico (ver Doc. 5 junto com o requerimento apresentado pelas recorridas em 14/04/2023, com a ref° Cilhas 35693101, de onde tal resulta);
10. Com efeito, a data desta comunicação aos sócios antecede em quase 6 meses a realização da Assembleia Geral, resultando ainda do Doc. 4 junto com o mesmo requerimento que os sócios se encontravam todos ao corrente da intenção da ré Inês e dos termos em que tal negócio teria lugar;
11. Desta forma, são falsas as declarações contidas em ata relativas à discussão do ponto 1 da ordem de trabalhos, como será falso o alegado no artigo 7.° da Petição Inicial, onde se lê que a "tal cessão foi realizada sem prévia notificação sociedade".
12. A demonstração evidente de que todos os sócios se encontravam ao corrente das diligências de cessão de cessão de quotas entre os Recorrentes, resulta também plasmada nas trocas de comunicações, juntas em audiência de julgamento com a ref. Citius 427316658.
13. Acresce que, independentemente da discussão relativa à validade substantiva da cessão, sempre será de concluir que, nos termos do art.º 228°, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, a cessão de quotas entre cônjuges não depende do consentimento da sociedade; sem esquecer que os próprios estatutos da sociedade apenas fazem depender o consentimento da sociedade para a cessão de quotas a não-sócios, ou, utilizando a terminologia do contrato de sociedade, a "estranhos", o que não é aqui o caso, pois os recorrentes, cedente e cessionário, para além de cônjuges, eram ambos sócios da sociedade, não sendo, portanto, estranhos a esta;
14. Desta forma, o facto provado I) deverá ser substituído por outro com o seguinte teor «Tal cessão foi realizada com prévia notificação da sociedade, não estando a mesma dependente do consentimento da sociedade».
15. No que respeita à al. L), é evidente o manifesto lapso do Tribunal a quo, que desconsiderou o documento juntos pelos recorrentes em 09/06/2023, via requerimento com a ref." Citius 36214012 - declaração emitida pela Caixa Geral de Depósitos a declarar não existir qualquer dívida.
16. As recorridas não impugnaram o referido documento, nem se pronunciaram de qualquer forma, tendo aceite o seu teor sem reservas, desta forma o facto provado L) deverá ser substituído por outro, com o seguinte teor «A sociedade …. tem a sua situação regularizada perante a Caixa Geral de Depósitos»;
17. No que respeita à prova do facto da al. O), o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão com a referência genérica à prova produzida, sem qualquer especificação e ainda por referência às declarações de parte do Réu D….
18. O entendimento do tribunal a quo não é, de todo, fiel ao teor da Ata, cujo teor se mostra impugnado, por não corresponder ao teor da ata da Assembleia que teve lugar no dia 4 de maio de 2022.
19. Não só a deliberação relativa da interposição de ação não resulta da ordem de trabalhos, como não resulta do texto da ata que tal ponto n.º 1 da ordem de trabalhos foi aprovado, resultando apenas que as autoras votaram a favor da
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