Acórdão nº 1325/21.7T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07-03-2024

Data de Julgamento07 Março 2024
Ano2024
Número Acordão1325/21.7T8BJA.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
P. 1325/21.7T8BJA.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora.

AA intentou a presente acção declarativa comum contra, (…) – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar à A. uma indemnização por responsabilidade civil por acidente automóvel, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais de valor nunca inferior a € 222.360,00, bem como seja ainda a R. condenada ao pagamento de indemnização por responsabilidade civil por facto ilícito a título de danos patrimoniais e não patrimoniais de valor nunca inferior a € 5.000,00.
Alegou para o efeito, em resumo, que sofreu lesões e sequelas físicas, carecidas de tratamento para as mesmas, com sofrimento físico e emocional, acrescido da perda de bens materiais, tudo em consequência de um acidente de viação ocorrido na A..., no dia ../../2018, o qual foi provocado por um veículo automóvel segurado na R.
Devidamente citada para a acção veio a R. contestar, impugnando a extensão dos danos invocados pela A. e, ainda, negando a quantificação económica em que a A. valoriza tais danos.
De seguida, foi proferido despacho saneador e fixou-se o objecto do litígio e os temas de prova.
Oportunamente veio a ser realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida a respectiva sentença pelo M.mo Juiz a quo, na qual julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 1.100,00, a título de danos patrimoniais e também a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, absolvendo a R. do demais peticionado.

Inconformada com tal decisão dela apelou a A., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
I. A Recorrente deslocou-se às urgências hospitalares a ../../2018, 3 (três) dias após a ocorrência do acidente de que foi vítima e, ainda, a 7 de janeiro de 2019, por não sentir melhorias.
II. O relatório de urgência junto com a Petição Inicial como Doc. n.º 4 descreve todos os acontecimentos vividos pela Recorrente nas duas idas ao hospital.
III. Do mesmo é possível constatar ter ocorrido um “traumatismo de desaceleração por choque de carro e por trás”.
IV. As imagens do estado em que ficou o veículo da Recorrente, em resultado do acidente de viação, demonstram a violência do mesmo.
V. Forçoso é concluir que o choque violento sofrido pela Recorrente se revela mais do que suficiente para danificar a sua dentição e, consequentemente, para lhe provocar um dano estético.
VI. Ao considerar o douto Tribunal que a Recorrente, em decorrência do acidente, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica num grau de 2 pontos, o que equivale a dizer que a Recorrente ficou com reduzida capacidade de trabalho para a sua atividade profissional, em consequência do sinistro.
VII. Ao assumir o primeiro facto como provado e o segundo como não provado, a douta sentença incorreu numa clara contradição.
VIII. Sendo ainda facto provado que a Recorrente sofreu inúmeras lesões em decorrência do acidente, e que as mesmas assentam essencialmente na região cervical e lombar, tendo até sido diagnosticada uma lombalgia pós-traumática, forçoso é concluir que tais condições fisiológicas só encontrariam melhorias através do recurso a determinados tratamentos, como é o caso da fisioterapia.
IX. Dada a proximidade temporal existente entre a data do sinistro e os dias em que a Recorrente se dirigiu ao hospital, não restam dúvidas de que a Recorrente só realizou sessões fisioterapêuticas pelos danos que sofreu em decorrência do acidente.
X. Em virtude das lesões dentárias e bocais sofridas pela Recorrente na sequência do sinistro, a mesma foi sujeita a uma limpeza e exodontia de algumas peças dentárias, as quais tiveram o custo total de € 255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros).
XI. Ademais, a Recorrente suportou o custo médio de € 25,00 (vinte e cinco euros) por cada sessão de fisioterapia. Considerando os dois recibos juntos com a Petição Inicial como Doc. n.º 19, computa-se o valor de € 50,00 (cinquenta euros).
XII. Considerando os € 1.100,00 (mil e cem euros) no qual a Ré foi condenada, deverá ainda suportar as referidas despesas tidas pela Recorrente, condenando-se a Ré a pagar à Recorrente o valor de € 1.405,00 (mil e quatrocentos e cinco euros), a título de danos patrimoniais.
XIII. No que diz respeito a danos não patrimoniais, o douto Tribunal teve em consideração a idade da Recorrente, o respetivo grau de incapacidade e um valor de remuneração, de acordo com os critérios previstos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, com as alterações da Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, mais concretamente com o Anexo IV.
XIV. O dano biológico em si considerado abrange uma série de prejuízos resultantes do sinistro, entre os quais: a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da atividade profissional habitual, a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de outras atividades ou tarefas de cariz económico, o esforçou ou incremento nessas mesmas atividades ou tarefas, entre outros.
XV. A Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, com as alterações da Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, encontra-se completamente desatualizada e desajustada aos dias de hoje.
XVI. Apesar de ser ponto de referência junto dos nossos tribunais em casos semelhantes, não se encontram os mesmos vinculados aos critérios previstos na referida Portaria, devendo existir uma maior reflexão quanto à sua aplicação, visto que decorreram mais de 14 anos desde a última vez em que foi alvo de alterações!
XVII. O dano biológico não pode ser indemnizado tendo em conta tabelas financeiras rígidas, desajustadas à realidade, conduzindo assim a soluções injustas, colocando em causa o próprio princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
XVIII. Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deverá seguir- se sim um critério de equidade, procurando obter uma solução equilibrada e justa, de acordo com as exigências do caso concreto, nos termos dos n.ºs e 1 e 4 do artigo 496.º do Código Civil.
XIX. Existe um conjunto de fatores que deve sim ser valorado para aferir um quantum justo, desde logo: à esperança média de vida da Recorrente, à data do acidente – 83,6 anos; ao grau de incapacidade permanente com que ficou – 2 pontos; à sua atividade profissional – tosquiadora de cães e de gatos.
XX. A Recorrente ainda hoje não recuperou totalmente do acidente que sofreu, estando condicionada na execução das mais simples tarefas no seu dia-a-dia.
XXI. É com enorme esforço que a Recorrente desempenha a sua atividade profissional, não conseguindo efetuar as tosquias com o ritmo que detinha anteriormente ao acidente.
XXII. A reduzida capacidade da Recorrente compromete a sua progressão de carreira.
XXIII. Ponderadas todas as circunstâncias, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) revela-se completamente inadequada.
XXIV. Termos em que se requer a V. Ex.ªs:
a) Seja considerado procedente o recurso por legal e tempestivo;
b) Seja, a final, considerado provado e procedente o recurso, revogando-se parcialmente a douta sentença, condenando a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 1.405,00 (mil e quatrocentos e cinco euros) a título de danos patrimoniais e no valor de € 222.360,00 (duzentos e vinte e dois mil trezentos e sessenta euros) a título de danos não patrimoniais.
XXV. Assim farão, Ex.mos Juízes Desembargadores, a costumada Justiça.
Pela R. foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos junto dos Ex.mos Juízes Adjuntos – cfr. artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela A., aqui apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se as indemnizações que lhe foram fixadas – a título de danos patrimoniais e não patrimoniais (incluindo-se nestes o dano biológico) – deverão ser aumentadas para o montante de € 1.405,00 e de € 222.360,00, respectivamente.

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente a factualidade que foi dada como provada no tribunal a quo, a qual, de imediato, passamos a transcrever:
1. No dia ../../2018, quando a Autora conduzia o veículo de matrícula ..-..-ME, na A..., na direção sul, sofreu uma pancada traseira pelo veículo com a matrícula ..-PZ-.., ao Km ....
2. A responsabilidade civil emergente de acidentes causados pelo veículo automóvel com a matrícula ..-PZ-.. encontrava-se, à data do acidente, transferida para a Ré a coberto da apólice n º ...51.
3. A Ré assumiu a responsabilidade pela ocorrência do sinistro supra descrito.
4. A Autora perdeu os sentidos no embate e foi acordada mais tarde pelo INEM após ter
...

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