Acórdão nº 1323/17.5YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 22-11-2017
Data de Julgamento | 22 Novembro 2017 |
Case Outcome | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO |
Classe processual | EXTRADIÇÃO |
Número Acordão | 1323/17.5YRLSB.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I. RELATÓRIO
1. Por acórdão de 9/10/2017, do Tribunal da Relação de Lisboa, foi decidido o seguinte:
«Pelo exposto, após Conferência, acordam os Juízes da 3ª Secção deste Tribunal da Relação, em autorizar a extradição para a República de ... de AA, para procedimento criminal pelos indicados factos constitutivos do crime de peculato previsto e punido pelos artigos 25°, 34°, 362°, n° 1, al. a) e 366°, todos do Código Penal de ....»
Conforme resumo constante do referido aresto:
«1. No dia 9 de Agosto de 2017, Agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), procederam à detenção, com vista à extradição, nos termos do art° 39° da Lei nº 144/99 de 31/08 (designada por Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal), de AA, nascida a 5/04/1990, filha de .... e de ..., natural do ..., Ilha de ..., ..., de nacionalidade ..., em cumprimento de mandado de detenção emitido pela República de ..., inserido no sistema da INTERPOL, com vista à extradição da requerida para efeitos de procedimento criminal pela prática de factos integrantes de crime de "abuso de confiança" .
2. Foi apresentada ao Ministério Público junto deste Tribunal da Relação e procedeu-se à sua audição judicial, aos 11.08.2017, nos termos dos artigos 62°, nº 2 e 64°, nº 2, da mesma Lei, tendo sido confirmada a situação de detenção da requerida para extradição, ficando a aguardar na situação de detenção provisória os ulteriores termos do processo.
3. As autoridades de ... enviaram à Procuradoria Geral da República o pedido formal de extradição, cuja documentação foi remetida a este Tribunal em 8/09/2017, em que, nos temos do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República de ... e a República de Portugal, de 2 de Dezembro de 2003, solicita às Autoridades da República Portuguesa a entrega, com vista ao julgamento e a execução do pedido de extradição da cidadã ... AA, acima identificada, invocando o seguinte: (transcrição)
"O pedido de cooperação com vista à extradição activa assenta na existência de um auto de instrução registado sob o nº 46/2010 que imputa à arguida AA o cometimento, em autoria material, de um crime de peculato na sua forma continuada, previsto nos artigos 11°, 25°, 34°, 362°, nº 1 al. a) e 366° do Código Penal de ..., e punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
Indiciam aqueles autos que AA exercia o cargo de ... do ....
Em 2007, tendo sido detetado que pretendia viajar para Portugal, foi ordenada uma auditoria à sua gestão relativa à arrecadação de receitas e realização de despesas, tendo sido apurado um desfalque de 1.197.866$00 (um milhão, cento e noventa e sete mil oitocentos e sessenta e seus escudos).
A arguida apropriou-se, ilegitimamente, desse montante em falta, que se encontrava na sua posse em razão do exercício das suas funções, utilizando-as em proveito próprio, e em prejuízo do ....
Valor esse que a arguida recebeu e integrou no seu património, não apresentando o destino legal no cato do balanço.
A arguida, enquanto tesoureira do ..., não ignorava que as receitas recebidas se destinavam ao respectivo município.
Ao arrecadar as receitas e não lhes ter dado o total destino devido, a arguida apropriou-se do montante em falta em seu benefício próprio, facto ilustrado pelo próprio contrato de assunção de dívida em que outorgou ela e a sua mãe.
A arguida agiu livre, conscienciosa e deliberadamente e quis fazer sua parte das receitas arrecadadas pelo serviço onde exercia as funções de tesoureira."
4. O pedido de extradição está instruído com todos os documentos exigidos pelo art° 59° do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República de ... e a República de Portugal, de 2 de Dezembro de 2003, aprovada em ... pela Resolução nº 98VI/2004, de 7 de Junho e pelos artigos 23° e 44° da Lei nº 5VIII/2011, de 29 de Agosto.
5. Aquando da audição da extraditanda foi-lhe dado conhecimento dos fundamentos de facto e de direito do pedido de extradição formulado pelas autoridades de ..., tendo ela declarado opor-se à sua extradição e não renunciar à regra do benefício da especialidade.
6. Em 11/09/2015, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal promoveu o cumprimento do pedido de extradição remetido pelas autoridades de ... relativo à cidadã AA, melhor identificada nos autos, actualmente residente na Rua ..., pela prática do crime de peculato na sua forma continuada previsto nos artigos 11°, 25°, 34°, 362°, nº 1 al. a) e 366º do Código Penal de ....
7. Foi junto aos autos o despacho de Sua Excelência a Ministra da Justiça de Portugal em que considera admissível o pedido de extradição do requerido pela República de ....
8. Em 13/09/2017 foi proferido despacho a notificar o Ilustre mandatário da requerida, facultando-lhe o processo para, em oito dias, deduzir por escrito oposição ao pedido nos termos previstos no art° 55° da citada Lei 144/99.
9. Em 26/09/2017, veio a requerida, nos termos previstos no aludido art° 55° da mesma Lei, apresentar oposição ao pedido de extradição, alegando, em síntese, o seguinte:
-Que se encontra no nosso país há cerca de 10 anos, em situação de união de facto com o seu companheiro BB, com quem tem dois filhos, um com 1 ano e 8 meses de idade e com nacionalidade Portuguesa. Encontra-se a trabalhar e com autorização de residência e está inscrita na Embaixada de ....
-O crime de que é suspeita, de peculato, supõe a qualidade de funcionário, que, por sua vez, supõe a maioridade do agente, pelo que faltando-lhe estes pressupostos, falta um elemento essencial ao crime que lhe vem imputado.
-Entende ser indevida e injustificada a sua extradição, pelo que, em 21.08.2017, apresentou no Tribunal Judicial da comarca do ... um requerimento, advogando não se verificarem os pressupostos do crime de peculato, por a arguida não ter a qualidade de funcionária pública e não ter idade inferior à mínima fixada na lei que, nas relações de emprego público, é de 18 anos.
-Diz que nos documentos juntos aos autos se verifica a omissão da data de nascimento da arguida (idade que consta do respectivo Passaporte apreendido nos autos de instrução Criminal n° 46/2010), vindo juntar aos autos certidão de nascimento que demonstra que a arguida em Novembro de 2007 só tinha 17 anos de idade, pelo que não tinha a capacidade para ser provida ou investida no cargo ou emprego público, faltando-lhe a qualidade de funcionária.
-Que está em crer que a sua acusação por crime de peculato do dito artº 366° do CP-cv envolve erro, pelo que o crime invocado de peculato não existe, devendo o erro ser reconhecido, no sentido de que por falta de crime e pelos artigos 1° e 2° nº 1 da invocada Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de língua Portuguesa e artigo 31°, nºs. 1 e 2 da Lei nº 144/99, de 31 de Janeiro, o pedido da sua extradição carece de fundamento: os factos imputados não são, pois, típicos; não pode haver pedido de extradição nos casos em que nem sequer há crime.
-Pugna, assim, pelo indeferimento da sua extradição, por não se verificarem os pressupostos do crime de peculato que lhe foi imputado, pois só dão lugar à extradição os factos tipificados como crime segundo as leis do Estado requerente e do Estado requerido, sendo claro que a falta de crime perante a lei de qualquer um dos estados envolvidos inviabiliza a extradição: nunca foi nomeada ou investida funcionária, e muito menos, investida ou nomeada para o cargo de tesoureira naquele serviço, descrevendo a sua versão dos factos que lhe são imputados, afirmando ser falso que tivesse fugido de ....
-Refere ainda a eventual prescrição do procedimento criminal perante a versão do CP de 2007, que não a resultante da nova versão do Decreto Legislativo 4/2015, de 11/11, pretendido pelo pedido de extradição, sendo causa de denegação da extradição pedida.
-A não se entender assim, alega a requerida que a acusação sempre seria nula por falta de indicação, na identificação da arguida, da sua data de nascimento, e por falta da concretização temporal dos factos, vindo assim suscitar em sede de oposição a nulidade da acusação, concluindo ainda que da insuficiência ou imprecisão dos factos resulta a violação do disposto no artº 10º, nº 3, al. a) da Convenção.
-Alega, ainda, que apesar das ligações que continua a manter ao local, desde logo com familiares, o tribunal não tentou notificar a arguida para os termos do processo, sendo a decisão perniciosa para a sua defesa de a deter/prender para depois lhe dar conhecimento do processo, concretizando que em 2014 esteve em ..., no ..., e nem lá nem cá, durante estes anos, foi notificada para o processo de inquérito a que refere a extradição.
-Por fim, alega que no requerimento que apresentou no Tribunal Judicial da Comarca do ... em 21.08.2017 comunicou que não se opõe ao seu julgamento na ausência, que, antes requer invocando a sua situação estável em Portugal.
A requerida protestou juntar prova documental.
10. Após, o processo foi com vista ao Ex mº Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação, tendo considerado que o conteúdo da oposição versa razões não atendíveis no sentido de poderem obstar ao não decretamento da extradição, não sendo as razões invocadas susceptíveis de se poderem enquadrar na previsão normativa dos artigos 3° e 4° da Convenção de Extradição Entre os Estados Membros da CPLP, pronunciando-se pelo deferimento da extradição da cidadã ... AA, conforme foi requerido.»
******
2. Inconformado com a decisão, interpôs a arguida o presente recurso para o STJ com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
1. Se os autos de extradição em presença fazem alusão a fraude/abuso de confiança; abuso de confiança e peculato, entretanto, é de ver que a acusação e, finalmente, o acórdão recorrido referem, única e especificamente, o crime de peculato, p.p. pelo artº 366º Código Penal de ..., a que,...
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