Acórdão nº 1313/21.3T8VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 17-06-2024

Judgment Date17 June 2024
Acordao Number1313/21.3T8VFR.P1
Year2024
CourtCourt of Appeal of Porto (Portugal)
Processo nº 1313/21.3T8VFR.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível de Aveiro - Juiz 2


Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Manuel Fernandes
2º Adjunto: Des. Fernanda Almeida

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorrida: A... – COMPANHIA DE SEGUROS E RESSEGUROS, S.A

AA propôs ação declarativa, com processo comum, contra “A... – COMPANHIA DE SEGUROS E RESSEGUROS, S.A.”, peticionando que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 88.717,13 (oitenta e oito mil setecentos e dezassete euros e treze cêntimos) - assim discriminada: i) - € 58.000,00 a título de dano biológico; ii) - € 18.000,00 a título de danos não patrimoniais; iii)- € 1.384,00 a título de danos com a perda de objetos pessoais; iv)- € 3.665,13 relativos ao custo de reparação do motociclo; v) - € 392,00 de despesas com a realização de tratamentos e exames; vi) € 7.400,00 a título de dano da privação do uso do motociclo - acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, bem como da sanção pecuniária repressiva prevista no art. 829.º-A, n.º 4, do Código Civil, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente causado por culpa da condutora do veículo segurado na Ré que efetuou manobra de mudança de direção à esquerda sem atentar no Autor que seguia no seu motociclo a efetuar ultrapassagem.

A Ré contestou impugnando a responsabilidade pela ocorrência do sinistro, a dinâmica do acidente e os alegados danos patrimoniais e não patrimoniais.


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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.

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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente a ação, e, em consequência, condeno a Ré “A... – COMPANHIA DE SEGUROS E RESSEGUROS, S.A.”, com NIPC ..., a pagar ao Autor AA a indemnização global de € 33.927,42 (trinta e três mil novecentos e vinte e sete euros e quarenta e dois cêntimos).

Mais condeno a Ré a pagar ao Autor juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente sentença até integral pagamento (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, de 09/05/2002, publicado no DR n.º 146, IS-A, de 27/06/2002, pág. 5057).

Absolvo a Ré do demais peticionado.

Condeno, ainda, o Autor e a Ré nas custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 62% para o Autor e 38% para a Ré (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC), na vertente de custas de parte”.


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Apresentou o Autor recurso de apelação pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que admita a renovação de prova quanto ao grau de incapacidade do Recorrente e se assim não for, seja dado provimento ao recurso e por essa via, e face à limitação do principio do dispositivo, seja dado integral provimento ao recurso e por essa via seja a Recorrida condenada a indemnizar o Recorrente no valor constante do petitório inicial, sem prejuízo da compensação cumulativa decorrente da privação do veículo, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

1ª - Não se desconhece do carácter excepcional do Artº 425º do Código de Processo Civil, mas tendo o Recorrente apresentado requerimento em 29 de Setembro de 2022 e protestando juntar relatório actualizado, face à pericial preliminar efectuada pelo INML, foi o mesmo enviado ao subscritor, tendo ido para o spam do mesmo, o que levou à omissão da junção:

2ª - Pelo que, salvo melhor opinião, se verifica uma situação de superveniência objectiva, pois nem o Recorrente, nem o subscritor tiveram acesso àquele.

3ª - E tal documento, até pela justa composição do litígio e obtenção duma decisão justa, deve ser ordenado juntar, nos termos do Artº 662º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil;

4ª – Face à admissão da junção daquele relatório, impor-se-á, nos termos dos Artº 662º, nº2, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil, a renovação de prova, nos termos ai estipulados;

5ª – É inúmera e concisa a prova de que a condutora do veículo seguro na Recorrida seguia de modo alheado, temerário e com incúria, sem atender às concretas condições do transito;

6ª- E por assim ser, se mostrar relevante para o direito, deve ser aditado à matéria dada como provada, o seguinte facto: A condutora do “VU”, realizou a manobra de mudança de direcção à esquerda sem atender à circulação do transito, sem olhar pelo retrovisor externo ou sequer atendendo ao ruido produzido pelo motociclo, fazendo-o de modo imprevisto, temerário e com imprevidência.

7ª - Inexiste prova, senão as declarações de parte do Recorrente, que se revelaram credíveis, isentas e sérias, de que o mesmo circulava com as luzes de presença ligadas, tanto mais a obrigatoriedade, a recente alteração do veículo e que tudo foi realizado com peças homologadas, pelo que o Recorrente não circularia, face às regras de experiência, a “fugir da policia”, sempre que circulava com motociclo.

8ª - Pelo que deve ser revogada a resposta dada à matéria de facto como alínea c) dos factos dados como não provados, e alterada por outra que julgue provado que o Recorrente circulava com as luzes de presença ligadas;

9ª – Para todos os legais efeitos, e se dúvidas persistissem quanto à concreta forma da ocorrência do sinistro, foi alegada e provada a presunção de culpa decorrente da relação comsstário/comitente, pelo que sempre prevaleceria a responsabilidade objectiva dai decorrente;

10ª - Estando demonstrada a relação de Comissário/comitente e que o facto foi cometido, pelo comissário, no exercício da função que lhe foi confiada, é suficiente que o acto se integre no quadro geral da competência ou dos poderes conferidos ao comissário;

11ª - Pelo que existe responsabilidade objectiva ou pelo risco da Recorrida;

12ª – Ainda se pudesse considerar a verificação de várias proibições perpetradas, sempre se revela preponderante, para as regras da responsabilidade civil, mais que violação de proibições, se as mesmas são causais do sinistro;

13ª - Ora, é manifesto que o Recorrente transitava em via de transito, com linha longitudinal descontinua, prosseguia a velocidade inferior a 90Km/hora e havia iniciado a ultrapassagem de vários veículos e no sítio da eclosão do sinistro não era proibido ultrapassar;

14ª – A sinaléctica vertical existente refere apenas existir um entroncamento à direita, sem prioridade dessa via de transito, o que não faz presumir, salvo melhor opinião, qualquer proibição de ultrapassagem;

15ª - Pelas boas regras da interpretação dos pressupostos da responsabilidade civil, deve atender-se ao nexo de causalidade entre o facto e o dano e atender à teoria da causalidade adequada;

16ª – E face a essa teoria, o acidente ficou a dever-se, em exclusivo ao comportamento alheado, negligente, temerário e de incúria da condutora do veículo seguro na Recorrida;

17ª – É hoje aceite, e defendido pela Doutrina e Jurisprudência mais avalizadas, que, “Deve ainda ter-se presente o princípio da confiança nos termos do qual “os condutores de veículos automóveis não têm que prever a imprevidência alheia” (Ac. do STJ de 06.11.2008, Proc. 08B3313), e que “não pode um condutor ser responsabilizado por não se ter apercebido da infração cometida por outro condutor” (Ac. TRG de 10.11.2011, Proc. 8597/07.8TBBRG.G1).”

18ª - Mais resulta da decisão Jurisprudêncial plasmada, Acordão do TRP de 7 de Julho de 2021, Proc 29/15.4GTPNF.P1, que “E este princípio reveste particular importância na operação de repartição e graduação da culpa concorrente pelo que, ainda que de forma subsidiaria e para o caso de se entender que ambos os condutores agiram culposamente, a culpa deve ser repartida na proporção de 90% para o condutor do LO-..-.. e de 10% para o condutor do ..-..-CF alterando-se, nesses precisos termos, o que foi decidido pela 1ª instância, com a consequente redução nos valores indemnizatórios fixados e das custas.”

19ª – Das condições da via, com centenas de metros de visibilidade para trás, pelo tempo seco e dia seco, com boas condições de luminosidade e numa recta, com bom piso betuminoso, é manifesto que, face às concretas condições do transito, só ao veículo seguro na Recorrida se exigia agir doutro modo, como era a única que podia, a final, evitar o acidente;

20ª – É que a Doutrina e Jurisprudência dão prevalência a quem inicia a primeira das manobras e sanciona quem, sempre poderia, a final, evitar o sinistro, como decorre do que se transcreve, Nesta ordem de ideias, segundo aquele critério, o conflito entre a ultrapassagem e a manobra de mudança de direcção deverá ser resolvido a favor do primeiro que iniciou uma dessas manobras. A este propósito escreveu-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 13-11-2007 (texto acessível na Internet, através de http://www.dgsi.pt).

21ª - Atento o “nexo naturalístico” e o “nexo de adequação”, que levou à ocorrência do sinistro, só a condutora do veículo seguro na Recorrida o poderia evitar, tanto que foi a sua exclusiva responsável:

22ª - A condutora do “VU”, iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda, sem sinalizar a manobra, sem a atenção e cuidados devidos, designadamente não se certificando de que poderia realizar essa manobra em segurança, sem perigo de colidir com o veículo que seguia à sua rectaguarda, e sendo a única a poder evitar aquele, ou como consta da Doutrina, a quem teve the last clear chance de o evitar”,

23ª - Em caso algum deve iniciar tal manobra sem previamente assegurar que da sua realização não resulta perigo ou embaraço para o trânsito (artº 20°; 35° e 44° do CE)". (cfr. também o Ac Rel. Évora de 18-09-2008, igualmente acessível através de http://www.dgsi.pt)”

24ª - Pelo que há responsabilidade exclusiva do veículo seguro...

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