Acórdão nº 1302/19.8JABRG.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 25-11-2020

Data de Julgamento25 Novembro 2020
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão1302/19.8JABRG.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

§1. RELATÓRIO.

No processo supra epigrafado, o “Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, contra:

AA, com os sinais de identificação ali inscritos, (…) imputando-lhe factos susceptíveis de o constituírem como autor da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, als. b), e) e h), do CP.

Em aceitação dos factos ineridos na acusação, os demandantes, BB, CC e DD, por si e na qualidade de herdeiros de EE” formularam “pedido de indemnização civil contra o arguido AA, pedindo a condenação deste, com fundamento no homicídio doloso praticado, pagar-lhes as seguintes quantias:

i. 50.000,00 €, a título de indemnização pelos danos de morte da vítima EE;

ii. 20.000,00 €, a título de indemnização pelo dano intercalar que sofreu a vítima EE;

iii. 2.350,00 €, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, resultantes das despesas com as cerimónias fúnebres da vítima;

iv. 15.000,00 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados à demandante CC;

v. 15.000,00 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados ao demandante DD;

vi. 15.000,00 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados ao demandante BB;

vii. Acrescidas de juros legais, desde a notificação até ao efectivo e integral pagamento.

Em desinência do sucesso antijurídico e ilícito, os demandantes, BB, CC e DD “peticionam que seja declarada a indignidade sucessória do arguido/demandando relativamente a EE.”

Com a realização do julgamento, o tribunal recorrido, proferiu veredicto no sentido de, relativamente à (sic): “3.1. Parte Criminal.

Julgamos a acusação procedente e, consequentemente, decide-se:

a) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelos arts. 131º e 132.º, n.º 1 e 2, al. b), do CP, e 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 20 (vinte) anos de prisão;

b) Manter a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido AA” (…) e relativamente à:

3.2. Parte Cível.

Julgamos o pedido de indemnização civil deduzido por BB, CC, DD, por si e na qualidade de herdeiros de EE, parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:

i. Condenar o demandado/arguido AA a pagar-lhes:

a. em partes iguais, a quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros) (dano morte), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento;

b. a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros), pelo dano intercalar sofrido por EE, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a presente decisão até integral pagamento;

c. a quantia relativa às despesas do funeral de EE, cuja exacta quantificação relegamos para o incidente de liquidação; e

d. a quantia de 15.000,00 € (quinze mil euros), por danos não patrimoniais, a cada um dos demandantes, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a presente decisão até integral pagamento;

ii. Absolver o demandado/arguido do demais peticionado”, pronunciando-se relativamente ao pedido de declaração de indignidade sucessória foi a mesma julgada procedente (“Julgamos a indignidade sucessória do arguido AA em relação à de cujus, sua mulher, EE.”) – cfr. acórdão constante de fls. 602 a 643.

Desquiciado com o julgado, impulsou o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães – cfr. fls. 657 a 666 vº - que foi recebido – cfr. fls. 671 – como devendo ser conhecido para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido a fundamentação no epítome conclusivo que a seguir queda extractado.


§1.(a). – QUADRO CONCLUSIVO.

1º Foi o recorrente, por acórdão preferido pelo douto Tribunal a quo, condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelos arts. 131º e 132.º, n.º 1 e 2, al. b), do CP, e 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 20 (vinte) anos de prisão.

2º Foi ainda condenado a pagar a cada um dos herdeiros da vítima a quantia global de 105.000,00€, a título de indemnização, montante, que considera manifestamente excessivo.

3º O arguido não se conforma com o quantum da pena aplicada, por a considerar excessiva.

4º Considera, ainda, o arguido que o Tribunal a quo violou o princípio da proibição da dupla valoração, ao agravar a pena em um terço, nos termos disposto o artigo 86º nº 3 da Lei das Armas.

5º O Douto Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no artigo 40º e 71º nº 2 e 3 do Código Penal, ao não considerar “circunstâncias” que não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do arguido.

6º Assim, deveria do Douto Tribunal ter considerado para efeitos de determinação concreta pena:

a) O estado de saúde do arguido e as limitações motoras ao nível dos membros superiores e inferiores, na sequência de um acidente e que levou ao internamento hospital até ao dia 9 de agosto de 2019;

b) O facto de o arguido ter sido empurrado, aquando da discussão, pela vítima, ficando prostrado no chão, com dificuldade em se levantar, não recebendo ajuda desta;

c) O arguido encontrava-se a receber acompanhamento psiquiátrico no Hospital de ……, por Síndrome Depressivo-Ansioso, com ataque de pânico e com medicação prescrita que tomava.

d) No estabelecimento prisional o arguido continua a receber acompanhamento psiquiátrico e passou a ser acompanhado por psicólogo;

e) No dia 25-06-2020, o arguido foi submetido a uma cirurgia vascular de carácter prioritário;

f) O arguido tem 60 anos de idade.

g) A vítima tinha 54 anos de idade aquando dos factos.

h) O arguido encontrava-se plenamente inserido na sociedade, era sociável e participava nas atividades locais;

i) O arguido entregou-se voluntariamente às autoridades;

j) O arguido após o cometimento dos factos, tentou por termo sua vida, não conseguindo por circunstâncias alheias àquela vontade.

7º Caso o Douto Tribunal tivesse considerado estas circunstâncias (positivas) para efeitos de determinação da medida concreta da pena, esta seria mais reduzida que aquela a que chegou – mais justa.

8º As exigências de prevenção geral são elevadas, mão não elevadíssimas, contrariamente ao entendimento do Tribunal.

9º A crescente necessidade de proteção do bem jurídico em causa não legitima que a pena aplicada assuma (apenas) carater retributivo.

10º Ao arguido não poderá ser aplicada uma pena substancialmente maior - ou, sequer, maior - em face daquela crescente necessidade, mas apenas na medida do seu contributo tendo o Douto Tribunal a quo excedido largamente aquele contributo.

11º As exigências de prevenção especial são diminutas- o arguido estava plenamente integrado na sociedade.

12º O Tribunal deveria ter dado relevo à tentativa de suicídio, pois que indicador de uma certa interiorização da culpa pelo sucedido, como manifestação de um juízo crítico e negativo, de demonstração de consciência crítica relativamente ao desvalor da sua conduta.

13º A pena aplicada ao arguido é superior à aplicada pelos Tribunais Superiores em idênticas ou circunstâncias até mais graves, como são exemplo, os acórdãos do STJ datado de 27-11-2019, de 05-07-2012, de 26-06-2015, de 13-04-2016 e de 15-01-2019.

14º O artigo 132º nº 1 do Código Penal, estabelece como moldura penal, a pena máxima constitucionalmente permitida de 25 anos de prisão.

15º Ao estabelecer a pena máxima, o legislador, considerando os exemplos padrão ao nível da ilicitude (e que não se esgota no tipo de artigo 131º) e ao nível da culpa (admitindo que se estabelece um grau diferente quanto ao ultimo) (e)levou ambos ao LIMITE MÁXIMO – não sendo possível uma outra agravação, quer ao nível da ilicitude, quer ao nível da culpa, com recurso a outros elementos externos à norma - outras normas, mormente, o artigo 86º nº 3 da lei das Armas.

16º O artigo 132º do Código Penal, é uma norma especial e esgota-se em si mesma – com todos os elementos integradores que compõe a infração criminal – a ação, típica, ilícita, culposa e punível (conjugada, naturalmente, com a norma geral – artigo 131º).

17º Uma vez integrada a conduta delituosa no tipo de crime “homicídio qualificado” – pelo nº 1 do art. 132º ou também por qualquer das alíneas do nº 2 – não pode ocorrer o acionamento da agravante da Lei das Armas.

18º Exigências de compatibilização lógico-valorativa dos preceitos legais impõem que o art. 86º, nº 3 funcione apenas por referência ao tipo do art. 131º (ou a outros tipos de homicídio não qualificado).

19º Da aplicação do artigo 132º resulta desde logo uma agravação, quer em sede de ilicitude, quer em sede de culpa, ainda que em graus diferentes.

20º Nos casos em que o agente deva ser punido pelo crime do art. 132.º do Código Penal não há lugar à agravação prevista no artigo 86.º, nºs 3 na Lei das Armas, sob pena de violação do princípio de proibição de dupla valoração.

21º É, quanto a nós, inquestionável que o Douto Tribunal violou o referido princípio.

22º A medida da pena tem como limite inultrapassável, a medida da culpa.

23º A medida concreta da pena aplicada extravasa largamente a medida da culpa do ora recorrente, bem como as particulares exigências de prevenção geral e especial - violando, por isso, o disposto nos arts. 40º, nº 1 e 2 e 70º, nº 1 e 2, do Código Penal.

24º Assim, deveria o arguido ter sido condenado pelo crime de homicídio qualificado nos termos do disposto no artigo 131º e 132º, nº 1 e alínea b) do Código Penal,

25º e na pena de 14 anos de prisão, por justa, adequada e proporcional à gravidade dos factos e à culpa do arguido.

26º Os valores atribuídos a título de indemnização pelo Douto Tribunal são manifestamente exagerados, essencialmente, no que reporta aos danos não patrimoniais atribuídos a cada herdeiro, sendo que o valor a atribuir deverá ser de 7.500,00€.

(…) deverá o presente recurso ser julgado procedente (...)”.


§1.(a).i). – RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

1 – O arguido praticou um crime de homicídio qualificado nos...

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