Acórdão nº 12912/19.3T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 25-10-2022

Data de Julgamento25 Outubro 2022
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão12912/19.3T8PRT.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - Relatório


1. A autora, Jopeti Imobiliária Lda., intentou (em 12/06/2019) ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra os réus, AA e mulher BB, pedindo que sejam condenados a:

a) Reconhecer a A. como legítima proprietária e possuidora do prédio urbano composto de casa de dois pavimentos e quintal, sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...06 e inscrito na matriz da União das freguesias ... e ... sob o artigo ...94.º;

b) Desocupar o dito prédio e restituí-lo à A., inteiramente livre e devoluto de pessoas e coisas;

c) Pagar à A., a título de indemnização por ocupação ilegítima, a quantia de € 4.500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e de € 300,00 por cada mês ou fração até à desocupação e entrega efetiva do prédio.

Para tanto, e em síntese, alegou:

Ser legítima proprietária daquele imóvel (cuja propriedade adquiriu, quer por via derivada – compra -, quer, de qualquer modo, por via originária – usucapião), que os RR. vêm ocupando sem qualquer título que os legitime a tal, e recusando-se a fazer-lhe a sua entrega, o que a tem impedido de o usufruir, e dele retirar todos os seus frutos e utilidade, sendo certo que se estivesse na posse do imóvel, face aos preços do mercado de arrendamento, facilmente o poderia arrendar para habitação por uma renda mensal não inferior a € 300,00.

E daí a razão de ser daquele seu pedido.


2. Contestaram os RR., defendendo-se por exceção e por impugnação.

Para tanto, e em síntese, alegaram que o referido imóvel foi arrendado, pelos anteriores proprietários, aos pais do R. marido (com quem este sempre, desde o seu nascimento, ali viveu).

Pela morte do pai do R. marido tal arrendamento transmitiu-se à sua mãe e com a morte desta ao próprio R. .

Qualidade essa de arrendatários que sempre foi reconhecida pelos anteriores senhorios, tendo sendo pago atempadamente as respetivas rendas, e daí a sua legitimidade para ocuparem o dito imóvel.

Nunca lhes foi comunicada a venda do imóvel à A. .

Pelo que terminaram pendido que a ação seja julgada improcedente, com a sua absolvição dos pedidos, e com a condenação da A. a reconhecer que são arrendatários do imóvel.


3. A convite do tribunal, a A. respondeu, contraditando, no essencial, a versão dos RR., tendo ainda ampliado o pedido no sentido de estes serem condenados pagarem-lhes as rendas em dívida (no período que aí discriminam) e nessa medida, com tal fundamento, e para o caso se reconhecer disporem aqueles da qualidade de arrendatários, que se declarasse então resolvido o respetivo contrato, condenando-se os mesmos entregarem-lhe o imóvel.

Ampliação de pedido essa que, todavia, (considerando-se não estarem in casu verificados os pressupostos legais exigido para o efeito) não foi admitida.


4. Teve lugar a audiência prévia, seguida do despacho saneador onde, de forma tabelar, se considerou a instância válida e regular, a que se seguiu a identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.


5. Realizou-se a audiência de julgamento, que decorreu entre duas sessões.

5.1 Após a 1ª. sessão (e antes da 2ª.), e com data de 26/01/2021, os RR. juntaram aos autos requerimento (refª. ...16), no qual, e em síntese, alegaram que nessa data tomaram conhecimento que, em 07/05/2020, o imóvel foi vendido pela A. à sociedade P... (descrito sob o nº. ...11, tendo o registo da aquisição aquela mesma data, conforme respetivo documento da conservatória que juntaram).

Por via de tal, e não sendo a A. já proprietária do dito imóvel em discussão nesta ação, defendem não lhe poder ser reconhecida essa qualidade e como tal não podem também os RR. ser condenados a restituir-lhe o dito imóvel, conforme aquela pede, ocorrendo, assim, uma impossibilidade superveniente da subsistência da lide.

E daí que, no final, tenham pedido a procedência dessa “exceção dilatória de ilegitimidade ativa superveniente da autora nos presentes autos”, absolvendo-se, em consequência, “os RR. do pedido”.

5.2 Por requerimento de 27/01/2021 (refª. ...15), a A. respondeu, defendendo que, apesar da transmissão do imóvel invocada pelos RR. (que aceita ter ocorrido), continua, à luz do artº. 263º, nº. 1, do CPC, a ter legitimidade para a causa (enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo).

5.3 Na ata da 2ª. sessão da audiência de julgamento foi proferido despacho a relegar para a sentença o conhecimento desses requerimentos (o que não veio a suceder).


6. Seguiu-se a prolação da sentença no final da qual, julgando-se a ação parcialmente procedente, se declarou ser a A. legítima proprietária do imóvel acima descrito, absolvendo-se os RR. dos demais pedidos formulados.


8. Inconformada como tal decisão, dela apelou a A. (sem que os RR. tivessem apresentado contra-alegações a esse recurso).


9. Na apreciação desse recurso, a Relação do Porto (TRP), por acórdão de 22/02/2022, decidiu, no final, julgar a apelação procedente, e revogar o segmento da sentença que absolveu os RR. apelados do pedido, condenando-os a:

« a) desocupar o prédio urbano composto de casa de dois pavimentos e quintal, sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...06 e inscrito na matriz da União das freguesias ... e ... sob o artigo ...94.º, e restituí-lo à apelante, inteiramente livre e devoluto de pessoas e coisas; e

b) pagar–lhe, a título de indemnização por ocupação ilegítima, a quantia que vier a ser liquidada, com o limite máximo de € 300,00 mensais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, até à desocupação e entrega efectiva do prédio. »


10. Desta vez, foram os RR. que, inconformados com aquela decisão, interpuseram recurso de revista desse acórdão,tendo concluído as respetivas alegações desse recurso nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia):

« 1. No que diz respeito à ilegitimidade e falta de interesse em agir por parte de A. temos que:

à data da sentença de primeira instância, isto é, a 24 de agosto de 2021, o prédio em causa já não era propriedade da JOPETI, LDA., ao contrário do que a mesma vinha a alegar, verificando-se uma alteração superveniente das circunstâncias. Alteração esta que não foi comunicada ao Tribunal.

2. Pelo exposto, encontra-se a JOPETI, LDA., ferida de ilegitimidade ativa e substantiva ou material por não ser a Autora a legítima proprietária do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, já que o vendeu a terceiros na pendência da presente ação.

3. Ora, esta situação repercute-se, de igual forma no interesse em agir, que Manuel de Andrade apelida de “interesse processual” e que consiste, basicamente, e como resulta de todas estas designações, no interesse de utilizar a máquina judiciária, ou na necessidade de recorrer ao processo. Por isso, diz Manuel de Andrade, que o mesmo consiste em estar «o direito do demandante carecido de tutela judicial; é o interesse de utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo.»

4. Pelo que vem de se expor, configura o interesse em agir condição da acção, coincidindo, então com a falta de razão do demandante para solicitar e conseguir a tutela judicial pretendida.

5. Ora, no caso sub judice, a venda na pendência da ação, por parte de A, do prédio urbano sito na Rua ... é suscetível de acarretar a violação do art 30º CPC com a consequente absolvição do pedido do demandado.

6. No que concerne à inconstitucionalidade do art. 57º do NRAU:

não nos podemos conformar com a douta sentença por a mesma não fazer a correta aplicação do direito aos factos.

7. Ora, sucede que a decisão supra foi proferida tendo na sua base, a aplicação do artigo 57º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, doravante, NRAU.

8. No que concerne a este segmento entendemos ocorrer inconstitucionalidade no preceito em causa – artº - 57 do NRAU, por ofensa aos princípios de confiança e da igualdade dimanados pelos artigos 2º, 13 e 18 da CRP.

9. Sucede que, o artº 57, nº 1 alínea d) e e) do NRAU ao introduzir limitações à transmissão do arrendamento a favor dos descendentes, situação não prevista aquando da celebração dos respetivos contratos, suscita questões de inconstitucionalidade.

10. Pois que, tal como refere Dr. José Diogo Falcão “(…) para que os filhos ou enteados do primitivo arrendatário gozem do direito à transmissão ao arrendamento em segundo grau, torna-se necessário que, à data da morte do cônjuge do arrendatário primitivo ou do membro da união de facto, ou do ascendente do primitivo arrendatário, aqueles convivessem com estes no local arrendado há, pelo menos, um ano e reúnam os requisitos definidos na alínea d) e/ou e) do n.° 1 do art. 57°”.

11. Note-se que, a norma que operou a modificação, veio frustrar de modo intolerável as expectativas da transmissão do arrendamento a favor das pessoas que face ao artigo 85 do RAU, legitimamente esperavam a materialização desse direito, designadamente os descendentes, fora das situações previstas no artigo 57 do NRAU.

12. Ora, do princípio do Estado de Direito emana uma prerrogativa de confiança, de modo a que todos possam organizar e programar as suas vidas tendo em atenção o quadro legal por onde regem as suas recíprocas relações. Daí que os direitos adquiridos em razão dessas expectativas (juridicamente tuteladas), não devem ser modificadas, sem que seja garantida a estabilidade (imodificabilidade) dos interesses que licitamente eram tidos como certos.

13. Embora as leis retractivas não sejam constitucionalmente proibidas, (salvo em matéria penal), sempre será necessário atender-se à amplitude dos efeitos que a Lei Nova veio produzir, de modo a não ser posto em causa o princípio da confiança ínsito em qualquer Estado de Direito Democrático...

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