Acórdão nº 129/21.1YRCBR de Supremo Tribunal de Justiça, 24-11-2021
Data de Julgamento | 24 Novembro 2021 |
Case Outcome | NEGADO PROVIMENTO |
Classe processual | EXTRADIÇÃO/ M.D.E. |
Número Acordão | 129/21.1YRCBR |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Proc. n.º 129/21.1YRCBR
Extradição
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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça.
I - Pedido de extradição e termos subsequentes
1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ... veio, ao abrigo do disposto no art.50.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, requerer a extradição para a Federação Russa de AA, devidamente identificado nos autos, atualmente detido preventivamente em Estabelecimento Prisional, apresentando, em síntese, os seguintes fundamentos:
- As autoridades Judiciárias Russas emitiram, em 3 de outubro de 2019, uma ordem de captura do requerido AA, enviada via Interpol para a sua detenção provisória, porquanto corre termos contra ele o processo-crime n.º ..., no Departamento de Investigação da Direção do Ministério da Administração Interna da Rússia, na Região de ...;
- O extraditando encontra-se ali acusado de um crime de ocupação da posição mais alta na hierarquia criminal (associação criminosa), previsto e punido pelo artigo 210.1 do Código Penal da Federação Russa, com uma pena máxima abstratamente aplicável de 15 anos de prisão, pelos factos, que descreve, praticados entre 1994 e 27 de agosto de 2019.
- Os factos imputados ao extraditando integram, segundo a lei portuguesa, o crime de associação criminosa, previsto pelo artigo 299.º n.ºs 1 e 3 do Código Penal Português e puníveis com pena de 2 a 8 anos de prisão.
- O procedimento criminal não se encontra extinto, por prescrição ou amnistia, quer nos termos da legislação portuguesa, quer nos termos da legislação da Federação Russa e portuguesa, quer nos termos da legislação da Federação Russa.
não há conhecimento de que se encontra atualmente pendente perante os tribunais Portugueses qualquer processo criminal contra o extraditando, por outros ou pelos mesmos factos que fundamentam o presente pedido de extradição.
- O pedido formal de extradição foi atempadamente apresentado às Autoridades Portuguesas, tendo sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto da Justiça, por delegação da Senhora Ministra da Justiça, por despacho de 6 de agosto de 2021, considerado admissível o pedido de extradição para a Federação Russa, nos termos do artigo 2.º da Convenção Europeia de Extradição e dos artigos 4.º, 31.º e 48.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99;
f) O pedido formal de extradição, apresentado às Autoridades Portuguesas pelas Autoridades da Federação Russa, satisfaz os requisitos dos artigos 4.º, 31.º e 48.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99, estando assegurado o princípio da reciprocidade;
g) Contra o extraditando iniciou-se no Tribunal da Relação de ... o processo n.º 93/21...., da ... Secção, por o mesmo, em execução do referido mandado de captura pendente na altura no GNI e emitido pelas Autoridades da Rússia, pelos factos sucintamente atrás referidos, ter sido oportunamente detido, em 20 de Junho de 2021, na ..., tendo-lhe sido mantida a detenção, enquanto se aguardaria que as Autoridades da Federação Russa apresentassem o pedido formal de extradição, o que vieram a fazer.
Juntou os documentos tidos por pertinentes.
2. Procedeu-se à audição do extraditando, nos termos e para os efeitos previstos no art.54.º da Lei n.º 144/99, tendo o mesmo se oposto ao pedido de extradição formulado pela Federação Russa e declarado não renunciar ao benefício da regra da especialidade.
3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55.º da Lei n.º 144/99, veio o requerido AA deduzir oposição ao pedido de extradição, porquanto e em síntese:
- o pedido não passa de um ato de perseguição pessoal contra ele, o qual é tido como persona non grata ao atual regime político, estando a ser alvo de liquidação de carácter, ao arrepio dos mais elementares direitos humanos e princípios gerais de direito nacional e internacional, nomeadamente a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950.
- não se verificam no pedido de extradição os requisitos formais que devem obrigatoriamente acompanhar o pedido, nos termos conjugados dos artigos 24.º, 23.º n.º 1, alínea e), e 4.º, todos da Lei n.º 144/99, e do artigo 12.º, n.º 2, alínea b), da Convenção Europeia de Extradição;
- não verificam os requisitos de fundo que devem obrigatoriamente acompanhar o pedido, nomeadamente o Princípio da Legalidade constante do art.7.º, n.º 1 da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, aplicável ex vi artigo 6.º, n.º 1 da Lei de Cooperação Judiciária (nullum crimen, nulla poene sine lege);
- não há garantias jurídicas de um procedimento criminal e de cumprimento da pena de prisão em condições que respeitem os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, pelo que se verifica o fundamento da recusa da extradição, por força da ressalva consagrada no art.1.º da Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, de 21 de agosto, que aprovou a Convenção Europeia de Extradição e por força disposto no artigo 2.º, n.º 1 da Lei de Cooperação Judiciária; e
- verificando-se a existência de grave prejuízo para o extraditando, há também fundamento de recusa da extradição, sob pena de violação da ressalva à Convenção prevista no artigo 2.º, n.º 1 da Lei de Cooperação Judiciária, e sob pena de violação da cláusula humanitária consagrada no artigo 18.º, n.º 2 da Lei de Cooperação Judiciária (violação de direitos humanos nas prisões).
Para prova do alegado, juntou o extraditando cinco documentos e arrolou uma testemunha.
4. Na vista a que se refere o artigo 55.º, n.º 3 da Lei n.º 144/99, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação pugnou no sentido de que seja decertada a extradição solicitada pela Federação Russa do seu cidadão nacional AA, alegando, em breve síntese, que não cabe à Relação sindicar as decisões das autoridades de um Estado requerente de extradição, mas tão só garantir e verificar que estão reunidas no processo as condições e as garantias de respeito pela dignidade da pessoa humana próprias de um Estado de Direito, por forma a que tenha um processo e um julgamento justo no Estado que o reclama e, no caso concreto, o pedido de extradição pela prática dos factos em apreço respeita as normas dos artigos 23.º e 44.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99, bem como todos os necessários requisitos formais, não violando as normas e princípios invocados pelo extraditando e que no entender deste levariam à recusa do pedido.
Apresentou, para junção aos autos, nos termos do artigo 55.º, n.º 3 da Lei n.º 144/99, informações recebidas do Estado requerente, com indicação de factos concretos que alegadamente terão sido praticados por elementos da organização criminosa chefiada pelo requerido.
5. O requerido foi notificado da resposta e dos documentos apresentados pelo Ministério Público.
6. A relatora, por despacho proferido em 10 de Setembro de 2021, indeferiu a inquirição da testemunha que o extraditando requereu, bem como o pretendido envio, pelas autoridades Russas, de segunda via do seu passaporte, com indicação expressa das deslocações efetuadas, considerando para o efeito, no essencial, que a produção de prova se deve restringir ao objeto do processo de extradição, estando vedada a prova sobre os factos imputados ao extraditando (artigo 46.º, n.º 3 da Lei n.º 144/99), revelando-se, por conseguinte, as referidas diligências desnecessárias e configurando um ato inútil, estando também, por esse motivo, vedada a sua prática (artigo 130.º do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP). Mais determinou, que os autos fossem à conferência, nos termos do art.57.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 144/99.
II – Acórdão do Tribunal da Relação de ...
7. Por acórdão proferido em 30 de setembro de 2021, o Tribunal da Relação de ..., decidiu autorizar a extradição do requerido AA para a Federação Russa para efeitos de procedimento penal pelo crime de “ocupação da posição mais alta na hierarquia criminal”, previsto e punido pelo artigo 210.1 do Código Penal da Federação Russa, considerando para o efeito a seguinte matéria de facto provada, não provada e motivação (transcrição):
«2.1. É a seguinte a matéria de facto apurada, com interesse para a decisão da causa:
2.1.1. No processo criminal n.º ..., que corre termos no Departamento de Investigação da Direcção do Ministério da Administração Interna da Rússia, na Região de ..., o extraditando AA encontra-se acusado de um crime de “ocupação da posição mais alta na hierarquia criminal”, previsto no artigo 210.1 do Código Penal da Federação Russa, e punível com uma pena máxima abstractamente aplicável de 15 anos de prisão.
2.1.2. Crime esse consubstanciado no que ali é imputado ao requerido AA, nos seguintes termos:
a) Depois de ser libertado de instituição correccional da Região de ..., em 6 de Outubro de 1994, onde cumpriu pena, o requerido AA veio a ocupar a posição mais alta na hierarquia criminosa na Região de ..., assumindo o estatuto criminal do denominado “vor v zakone” (ou “ladrão na lei”), passando a possuir funções administrativas organizacionais, aderindo, distribuindo e preservando as tradições e costumes criminosos, passando a exercer autoridade incondicional entre as pessoas aderentes à ideologia criminosa, tendo experiência na actividade criminosa, agindo por ânimos de lucro e tendo na sua esfera de influência o território da Região de ....
b) Assim, o requerido AA, que residia e efectivamente permanecia no território da Região de ..., no período de 1994 a 27 de Agosto de 2019, utilizando a sua autoridade do chamado “ladrão na lei”, deliberada e ilegalmente distribuiu esferas de influência para realizar os seus planos criminosos na Região de ..., definiu e nomeou por sua decisão obstinada para os “cargos mais altos da hierarquia criminosa” pessoas da sua confiança, autorizando-as a desempenhar funções organizacionais, administrativas, regulatórias e...
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