Acórdão nº 129/10.7TBVNC.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça, 23-03-2021

Judgment Date23 March 2021
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Procedure TypeREVISTA
Acordao Number129/10.7TBVNC.G1.S2
CourtSupremo Tribunal de Justiça


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.


1 - Junta de Freguesia de ..., intentou a presente ação declarativa, com processo ordinário, contra AA e BB, sendo que tendo ocorrido o falecimento do Réu AA, foram habilitados, para prosseguir a ação no seu lugar, a mulher – já inicialmente demandada – e os filhos CC, DD e EE.

A autora formulou os seguintes pedidos:

1. Que se declare que os réus não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno baldio com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta como documentos n.ºs 39-A, 39-B e 39-C, no sítio de ..., localizado na encosta ... do ... da Freguesia de ....

2. Que se declare que tal parcela de terreno constitui terreno baldio que é possuído, utilizado e gerido pelos moradores da ..., segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição.

3. Que se condenem os réus a reconhecer o direito de uso e fruição dos moradores da ... sobre tal parcela de terreno baldio.

4. Que se condenem os réus no pagamento à autora da quantia de € 41.872,80 a título de indemnização pelo prejuízo resultante dos abates de árvores supra descritos, efetuados pelos réus e/ou a mando destes, nessa mesma parcela de terreno baldio.

5. Que se condenem os réus a entregar imediatamente à autora, completamente livre e devoluta, a parcela de terreno baldio em causa nestes autos.

6. Que se condenem os réus a pagar à autora a indemnização a liquidar ulteriormente quanto aos prejuízos e danos materiais sofridos com a sua descrita conduta e até efetiva desocupação e entrega, danos que, por se encontrarem em curso, são neste momento indetermináveis.

7. Que se condenem os réus a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, uma quantia a fixar por este Tribunal por cada dia de atraso na entrega da referida parcela de terreno baldio, após o trânsito em julgado da decisão final.

- Alegam, em síntese, que o sítio denominado ..., localizado na encosta .../... do ..., integra baldio da ... e que a ... delegou na Junta de Freguesia de ... os poderes para administrar os baldios existentes na respetiva Freguesia, mais alegando que o Réu procedeu, por duas vezes, ao abate de uma mata de eucaliptos naquele sítio de ..., em pleno baldio, para vender as árvores a um madeireiro.

2 - Devidamente citados, vieram os Réus contestar, por exceção, invocando a ineptidão da petição inicial, ilegitimidade da Autora para estar em juízo e falta de personalidade jurídica e capacidade judiciária da mesma.

- Alegam ainda os Réus que o baldio referido na petição inicial não existe porque não foi objeto de inventário da Câmara Municipal de ... ao abrigo dos artigos 391.º e 392.º do Código Administrativo de 1940, porque nenhum baldio da ... foi integrado no perímetro florestal parcial das ... e ..., não obstante o Decreto do Governo n.º 12, de Maio de 1944 referir que foram submetidos a tal regime os terrenos baldios, porque não se procedeu à demarcação do alegado baldio, não obstante a base III da Lei n.º 1.971 de 15 de Junho de 1938 estabelecer que cabia aos corpos administrativos proceder a essa demarcação, porque o terreno em causa, desde o final do século XIX, nunca foi usado pela comunidade local para satisfação de necessidades coletivas, encontrando-se desde tempos imemoriais na propriedade privada, porque inexistiu expropriação da parte do alegado baldio utilizada pelo Município para construir uma estrada, tendo o Réu adquirido o direito de propriedade sobre o terreno por contrato de compra e venda, celebrado em 6.4.1987 por escritura pública, aquisição que inscreveu no registo predial, o que faz presumir a existência do direito, porque o vendedor, por seu turno havia comprado o mesmo terreno, tendo o prédio em causa sido dado de hipoteca à ... na década de 50/60, em 1971 à ... e em 2000 ao ..., porque a ... considerou viável a construção de moradias no terreno em causa, desconhecendo o Réu ao adquirir o prédio que lesava direitos alheios ou que a transmissão pudesse estar viciada, sendo-lhe inoponível quaisquer vícios que afetem as transmissões anteriores (artigo 291.º do Código Civil), tendo ainda o Réu adquirido o terreno por usucapião.

No que respeita à aquisição por usucapião, defende o Réu que, uma vez que a aquisição por usucapião ocorreu antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 39/76, é a mesma legalmente admissível. Quanto à indemnização, impugnam o alegado e afirmam que os ganhos obtidos não foram em proveito comum do casal, já que o falecido AA e a Ré BB estavam casados no regime da separação de bens, sendo que, efetivamente, não houve reversão em benefício do casal. Invocam ainda a prescrição do direito à indemnização, sendo que os atrasos verificados na citação dos Réus para a presente ação são imputáveis á Autora. Acrescentam que as árvores cortadas não foram identificadas.

3 - Replicando, a Autora pugnou pelo indeferimento das exceções invocadas pelos Réus.

4 - Foi proferido despacho saneador que julgou não verificadas as exceções de ineptidão da petição inicial, de ilegitimidade ativa e de falta de personalidade e capacidade judiciária, e, despacho de seleção da matéria de facto assente e Base Instrutória, ao abrigo dos artº 510º e 511º do CPC, na versão anterior á introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.

5 - Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a ação, nos seguintes termos:

Em face do exposto, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

A. Declarar que:

a. Os réus não são donos nem legítimos possuidores da parcela de terreno baldio com a configuração e delimitação assinalada na cartografia junta como documentos n.ºs 39-A, 39-B e 39-C, no sítio de ..., localizado na encosta ... do ... da Freguesia de ....

b. Tal parcela de terreno constitui terreno baldio que é possuído, utilizado e gerido pelos moradores da ..., segundo os usos e costumes, com direito ao seu uso e fruição.

B. Condenar os réus:

c. A reconhecer o direito de uso e fruição dos moradores da ... sobre tal parcela de terreno baldio.

d. No pagamento à autora da quantia de € 13.572,30.

e. A entregar imediatamente à autora, completamente livre e devoluta, a parcela de terreno baldio em causa nestes autos.

C. Absolver os réus dos restantes pedidos formulados pela autora”.

6 - Inconformados vieram os Réus recorrer, interpondo recurso de apelação que foi julgado e, persistindo inconformados os réus recorreram para este STJ sendo concedida a revista e anulado o acórdão da Relação determinando-se que o Tribunal da Relação de Guimarães apreciasse ”nos moldes sobreditos, o recurso de apelação na parte referente à impugnação do despacho saneador”.

7 - Repetindo o julgamento, o Tribunal da Relação produziu o acórdão ora recorrido, no qual decidiu: “Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto confirmando-se a sentença recorrida”.

8 - Inconformados, uma vez mais, com o decidido pela Relação, interpõem os réus recurso de Revista para este STJ, formulando as seguintes conclusões:

1º. Nas alegações de recurso submetidas à apreciação do Tribunal a quo no âmbito o recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, os Recorrentes suscitaram, entre o mais:

- Que a ação dos autos deveria ter sido, com todas as legais consequências, qualificada como ação de reivindicação – Conclusões 16ª a 25ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que os Recorrentes podem obstar à entrega do terreno dos autos demonstrada que está que têm sobre ele um título que justifica a sua posse – o que está assente através do reconhecimento da sua aquisição e registo (Cfr. pontos 17 e 18 dos factos provados) e, consequentemente, a legitimidade de ter o prédio em seu poder e gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição – Conclusão 27ª das Alegações de recurso de fls. …;

- E que, como tal, a reivindicação da Recorrida, para ter êxito, carecia da alegação e demonstração da invalidade do título aquisitivo do terreno a favor do Sr. AA e dos seus anteriores possuidores e proprietários, pois apenas do confronto entre os dois direitos invocados em juízo o juiz pode determinar a sorte da ação de reivindicação, sendo que a Recorrida não pediu a declaração de nulidade da compra e venda efetuada a favor do Sr. AA, pelo que sem esta declaração judicial o ato aquisitivo continua a produzir os seus efeitos, nomeadamente a posse titulada exercida ao seu abrigo (cfr., Ac. Rel. Coimbra de 12.12.2006, CJ, ano 31, t.5, pg. 35) – Conclusão 28ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que, a Recorrida, apresentando-se nas vestes de (suposta) administradora do baldio com base numa delegação de poderes de administração, pratica atos de gestão de bens alheios (a propriedade do baldio é comunal, pertencendo aos ...) e que, como tal, ao propor a presente ação na invocada qualidade de administradora do baldio, a Recorrida apenas poderia peticionar a entrega do prédio em discussão nos autos aos compartes da freguesia já que o património comunitário é distinto do património autárquico, pelo que a restituição do baldio teria que ser requerida “a favor da respetiva comunidade” (Art.º 4, n.º 3, da Lei n.º 68/93) – Conclusões 38ª e 39ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que ao peticionar expressis et apertis verbis que “se condenem os RR a entregar imediatamente à autora, completamente livre e devoluta, a parcela de terreno baldio em causa nestes autos”, a Recorrida formulou um pedido manifestamente ilegal, por requerer a entrega para si de coisa que não lhe pertence – pelo que a ação, tal como foi articulada e tem de ser apreciada, não poderia proceder – Conclusão 40ª das Alegações de recurso de fls. …;

- Que é a própria Lei dos Baldios (art. 4º, nº 1, da Lei nº 68/93) ao cominar com a sanção de nulidade os atos de apossamento e...

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