Acórdão nº 12889/20.2T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 19-11-2020

Data de Julgamento19 Novembro 2020
Número Acordão12889/20.2T8LSB.L1-2
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório

1. A Requerente Administração do Condomínio AAA interpôs recurso de apelação da decisão que julgou procedente a exceção de caducidade da providência de ratificação judicial de embargo de obra nova e, em consequência, absolveu a Requerida BBB – Companhia Imobiliária de Investimento, Lda. do pedido.
A Administração do Condomínio requereu a providência cautelar de embargo de obra, com a ratificação do embargo extrajudicial, e em consequência, o seguinte:
- Ser ordenada a total e absoluta interrupção das obras que têm vindo a ser levadas a cabo pela Requerida;
- Ser o terraço, e toda a situação envolvente, reposto no estado em que se encontrava antes do início da obra;
- Ser decretada a inversão do contencioso, proferindo-se assim a decisão final do litígio, por se considerar o direito da Requerente devidamente acautelado.
Alegou, para tanto, que:
- O Condomínio AAA é composto por um edifício de 17 pisos de habitação, Centro Comercial, cinema e garagem;
- O terraço de cobertura do Centro Comercial é utilizado como zona de lazer para todos os condóminos, sendo, por isso, um espaço amplo, aberto e desimpedido;
- A Requerida é proprietária do Centro Comercial e, em 1982, foi acordado ser da sua responsabilidade a manutenção das impermeabilizações da sobreloja em contrapartida pela não participação nos custos de manutenção das torres habitacionais;
- O Centro Comercial foi autorizado a instalar, nas limitações do terraço, as máquinas de ar condicionado, os exaustores e os depósitos de água de incêndio no terraço de cobertura, que é parte comum;
- A 3 de janeiro de 2020, a Requerente informou a administração do Centro Comercial que se verificaram infiltrações no teto da entrada da torre A, solicitando a sua reparação;
- A Administração do Centro respondeu a 13 de janeiro de 2020, com a informação de que iriam proceder ao início dos trabalhos de impermeabilização e que iriam proceder à substituição dos equipamentos de ar condicionado;
- Em finais de março de 2020, a Requerente, percebendo que as obras decorriam de forma não coincidente com o que foi transmitido, solicitou uma reunião com o responsável da obra;
- A reunião realizou-se a 7 de abril de 2020 e as informações transmitidas atenuaram as preocupações da Requerente;
- Porém, o desenvolvimento das obras levadas a cabo pela Requerida repôs, de forma agravada, as preocupações da Administração do Condómino AAA e de todos os Condóminos;
- Para além de nunca ter sido entregue o projeto das intervenções, nem a licença camarária das obras que se encontravam a realizar, conforme havia sido pedido, encontravam-se a executar aberturas na laje da cobertura;
- A referida laje corresponde ao pavimento do terraço e ao telhado do Centro Comercial, construída para aquele efeito e não para sofrer alterações sem qualquer estudo prévio;
- A Requerente «reclamou» junto da Polícia Municipal de Lisboa, por e-mail de 23 de abril de 2020, reiterado em 4 de maio de 2020, a qual visitou o local da obra;
- A 4 de maio de 2020, o terraço estava pejado de aparelhos de ar condicionado «monstruosos», mais ruidosos e que ocupavam uma área bem superior à inicialmente permitida, sem qualquer reforço estrutural da laje;
- Nos dias 10 e 11 de junho de 2020, foram construídas estruturas em alvenaria de tijolo para colocação de tubagens;
- No dia 16 de junho de 2020, a Requerente procedeu ao embargo extrajudicial da obra;
- Trata-se de uma obra de inovação, em clara violação dos artigos 1422.º e 1425.º do Código Civil, porque a obra nova carecia sempre da prévia aprovação em Assembleia de Condóminos, por maioria de dois terços do valor total do prédio;
- Para além das construções novas em alvenaria de tijolo que nunca existiram, os novos equipamentos de climatização e condutas no terraço do Condomínio AAA não são uma mera substituição de equipamentos, visto que a sua ocupação do espaço é muito maior;
- O terraço onde a Requerida se encontrava a realizar obra nova é a cobertura do piso térreo do Condomínio, sendo uma zona de recreio para todos os Condomínios das torres habitacionais, com acesso único pelos pisos da sobreloja de cada torre, composto por baloiços e um campo de ténis;
- A obra prejudica a segurança da laje do terraço, atendendo a que implementaram, numa estrutura não preparada para o efeito, equipamentos de climatização de grande volume e peso, bem como condutas, também, volumosas - artigo 1422.º, n.º 2, alínea a) do Código Civil;
- A implementação de equipamentos de grande volume, no que é um espaço de recreio, prejudica quer a linha arquitectónica, quer o arranjo estético do edifício, atendendo a que aquele espaço é para ser amplo e aberto, não polvilhado de equipamentos de climatização e condutas;
- A obra apresenta‑se como uma ofensa aos bons costumes e representa um uso diverso do que é a finalidade do espaço - artigo 1422.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código Civil.
3. Citada a Requerida, foi apresentada oposição, na qual, para além de se defender por impugnação, deduziu as exceções da ilegitimidade ativa e da caducidade do direito da Requerente perante o decurso do prazo de mais de 30 dias após o conhecimento da alegada lesão, nos termos do artigo 397.º do CPC.
4. Notificada para o efeito, a Requerente apresentou resposta às exceções, defendendo que só com o desenrolar da obra, e ao se depararem com as aberturas na laje, alertaram a Polícia Municipal de Lisboa para indagar da legalidade da obra e da «lesão efetiva», sendo inequívoco que o prazo para a Requerente embargar a obra no terraço de cobertura teve início com a construção das estruturas de alvenaria em tijolo, ou seja, nos dias 10 e 11 de junho.
5. Em sede de despacho saneador, o Tribunal a quo fixou o valor da causa em 300 000,00 €, julgou improcedente a exceção da ilegitimidade e julgou procedente a exceção da caducidade, absolvendo do pedido a Requerida.
6. Inconformada com o assim decidido, a Requerente interpôs recurso, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1 - A Recorrente, administrando as partes comuns do prédio urbano supra referido nada mais pôde fazer para além de embargar extrajudicialmente as obras invasoras do terraço, porque a Recorrida nunca correspondeu às suas obrigações e ordenou o término da obra independentemente do que surgisse.
2 - Mais, o mesmo aconteceu com a citação da presente providência cautelar, que teve de ser realizada através de Agente de execução.
3 - Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, a Recorrente não considera que o seu direito foi ofendido entre março e maio de 2020, pois durante esse período encontravam-se a decorrer duas obras, a de impermeabilização e colocação de equipamentos de ar condicionado.
4 - A aberturas nas lajes preocupavam a Recorrente por não ter conhecimento da legalidade camarária das mesmas (falta de licenciamento), e não tendo sido aprovadas por uma entidade competente, poderia estar a colocar em causa a estrutura da cobertura, mas nada indiciava que seriam aberturas para a criação de estruturas definitivas.
5 - Relativamente à parafernália de equipamentos, não se nega que os mesmo preocupavam a Recorrente, pois sem qualquer elemento escrito ou gráfico que explicassem o que aquilo representava não conseguia ter um discernimento correto do que ali se encontrava a brotar.
6 - PORÉM, só teve efetivo conhecimento de que estava na presença de uma obra quando, no dia 10 e 11 de junho de 2020, a Recorrida procedeu à construção de estruturas de ALVENARIA DE TIJOLO, pois até ai, não obstantes as preocupações referidas mais atrás, não sabia que se tratava de uma obra nova.
7 - O Condomínio, aqui Recorrente não tem (e também não está obrigado a ter) na sua composição, nomeadamente na sua administração, pessoas com capacidade profissional ao nível da fiscalização de obras, sobretudo quando estas envolvem, como in casu, especiais conhecimentos técnicos, e por isso, não lhe é exigível que aferisse em concreto quando é que se tratava, definitivamente, de uma obra nova e quando é que a lesão do seu direito estava iminente. Bastaria para tanto o tribunal a quo ter atentado nas regras da experiência para extrair essa conclusão.
Na verdade,
8 - O prazo de 30 dias para requerer o embargo de obra nova conta-se a partir do momento em que o titular do direito tenha efectivo conhecimento da verificação do dano e não apenas do conhecimento do início da obra (Ac. TRP de 30-10-2007, Proc. 0725015).
9 - Ou seja, na interpretação do segmento normativo constante do n.º 1 do art. 397.º do Código de Processo Civil, que se refere ao prazo de 30 dias para requerer o embargo de obra nova, deve-se atender ao momento a partir do qual se inicia a contagem desse prazo, isto é, ao momento em que essa obra ou trabalho se torna lesiva dos direitos do embargante e não necessariamente ao momento do conhecimento da existência da obra ou trabalho.
10 - E não pode deixar de ser assim, na interpretação contextualizada da norma, na medida em que se exige que a obra ou trabalho a embargar cause ofensa no direito do embargante.
11 - Para que melhor se compreenda o que representa esse "conhecimento do facto", basta pensar numa obra de construção/levantamento de um muro, onde só se torna perceptível o perigo e o dano que este pode causar a partir do momento em que colocam 8 fileiras de tijolos, pois só a partir daí se torna absolutamente evidente que o mesmo vai conflituar com a servidão de vistas do embargante ou até mesmo ruir sobre a propriedade deste.
12 - Ora, é neste exacto ponto que se coloca a questão nos presentes autos: O momento em que o embargante tem a plena consciência de que a obra é lesiva do seu direito.
13 - Além do mais, o auto de embargo da obra, para além das preocupações indicadas pelos condóminos à Recorrentes, também se faz acompanhar de fotografias. Fotografias essas que judicialmente são aceites como prova válida, logo, e por
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT