Acórdão nº 1286/21.8TELSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 03-05-2023

Data de Julgamento03 Maio 2023
Case OutcomeREVISTA IMPROCEDENTE.
Classe processualREVISTA
Número Acordão1286/21.8TELSB.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



Processo n.1286/21.2T8LSB.L1.S1

Recorrente: “Laboratório de Ideias, Unipessoal, Ldª”

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA (locador) propôs ação declarativa de condenação com processo comum contra “Laboratório de Ideias, Unipessoal, Ldª” (arrendatária) e BB (fiador). Alegou ter celebrado um contrato de arrendamento com a 1ª ré, tendo o 2º outorgado esse contrato na qualidade de fiador.

Alegou ainda que os réus não procederam ao pagamento das rendas respeitantes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2019, janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2020 e janeiro de 2021; e ainda que desconhece o estado em que o imóvel se encontra, uma vez que não tem acesso ao mesmo, o qual se encontra encerrado pela 1ª ré.

Pediu que fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento comercial por falta de pagamento das rendas e decretado o despejo, condenando-se a 1ª ré a entregar o imóvel livre de pessoas e bens, e condenando-se os réus, solidariamente, a pagarem ao autor a quantia global de € 19.200,00, acrescida dos juros que se vencerem até efetivo e integral pagamento, contados da data da entrada em juízo da presente ação, bem como todas as rendas que se vencerem até à efetiva restituição do locado e as quantias que aquele venha a despender na reparação do locado, a liquidar em execução de sentença.

2. A ré – “Laboratório de Ideias” – não contestou, mas apresentou posteriormente um requerimento, juntando procuração forense e arguindo a omissão do ato da sua citação.

Porém, o tribunal proferiu despacho julgando improcedente o incidente de falta de citação da ré. De seguida, foi proferido despacho considerando confessados os factos alegados pelo autor.


3. A primeira instância veio a proferir a seguinte decisão:
«Na presente acção declarativa com processo comum proposta por AA contra LABORATÓRIO DE IDEIAS, UNIPESSOAL, LDA. e BB, decido:

1 - Julgar parcialmente procedente a acção e consequentemente:

a) resolver o contrato de arrendamento urbano celebrado entre a Autora e a Ré relativo à fracção autónoma designada pela letra ... do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...5, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...80 da freguesia ... (antigo artigo ... da freguesia ...) e condena-se a 1 ª Ré a entregar de imediato ao Autor o locado livre e desocupado de pessoas e bens;

b) condenar os Réus a pagar ao Autor a quantia de € 19.200,00 de rendas vencidas relativas aos meses de Outubro de 2019 a Janeiro de 2021, bem como as rendas entretanto vencidas e não pagas até ao trânsito em julgado da presente decisão que declara a resolução do contrato de arrendamento;

2 - Julgar parcialmente improcedente a acção e consequentemente:

a) absolver os Réus dos juros de mora peticionados;

b) absolver os Réus do pedido de condenação solidária de pagamento de todas as quantias que aquele venha a despender na reparação do locado, a liquidar em sede de execução de sentença.

3 - Improcedente o pedido de condenação no pagamento de todas as custas e despesas processuais, honorários do mandatário do Autor e mais que for de lei, de acordo com liquidação que se relega para momento posterior em sede de execução de sentença.»

4. Inconformada com essa decisão, a 1ª ré interpôs recurso de apelação, alegando, além das razões a si diretamente respeitantes, que o 2º réu não tinha intervindo no contrato de arrendamento como fiador.

5. Por acórdão de 11.10.2022, o TRL julgou a apelação parcialmente procedente, revogando a decisão apelada na parte em que havia condenado o 2º réu (o fiador), mantendo-se a mesma quanto ao resto.

6. Inconformada com o Acórdão do TRL, a apelante interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

«a. A comunicação ao senhorio da denuncia do contrato é formalidade ad substanciam e a mesma foi cumprida através do envio de carta registada com aviso de recepção enviada para o domicilio profissional das reconhecidas advogadas, mandatárias e representantes do autor de onde emanou toda a correspondência relativa àquele contrato de arrendamento;

b. A exigência de carta com aviso de recepção enviada pelo arrendatário ao senhorio para o domicilio deste é uma mera formalidade ad probationem que pode ser substituída pela confissão do autor, aceite pela ré, de que a carta foi enviada às suas advogadas, mandatárias e em sua representação, como na realidade aconteceu e foi dado como provado nos autos;

c. Ao decidir-se, como se decidiu, no acórdão recorrido, que a comunicação prevista no artigo 1098º do Código Civil teria de ser feita ao senhorio ou a quem este tenha conferido poderes para tanto, cometeu;

i. Um erro de facto, porquanto, na realidade, as cartas foram enviadas para o domicilio profissional das advogadas e mandatárias do autor, e por este reconhecido que agiam em sua representação;

ii. Violação do disposto no artº 1098º, que exige apenas a formalidade da comunicação ao senhorio, que foi cumprida;

iii. Erro de interpretação e aplicação do artº 9º, nº 1 da NLAU, porquanto as formalidades de comunicação aí referidas são meras formalidades ad probationem.

d. Tendo a denúncia do contrato produzido os seus efeitos de fazer cessar o contrato em 31 de Dezembro de 2019, o mesmo não pode ser resolvido posteriormente.

Nestes termos e nos demais que V. Exas se dignarão suprir, deve ser concedida a revista, com a consequente revogação da resolução do contrato decretada pela Primeira Instância e confirmada pela Relação de Lisboa, por o mesmo ter sido denunciado antes daquela resolução – com todas as consequências legais e assim se fazendo Justiça.»

7. O recorrido – AA – apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

«a) Está, pois, assente que a carta comunicando a intenção de não renovação do contrato foi enviada para lá do prazo previsto no artigo 1098º do CC, facto que as então apelantes, como é também sabido, então nem sequer refutaram;

b) No caso vertente, as cartas não foram dirigidas ao senhorio nos termos prescritos na lei, e nada está provado quanto ao acordo das partes no sentido de estipularem qualquer outra morada ou forma de comunicação, nomeadamente face ao teor da cláusula 11ª do contrato de arrendamento onde as partes acordam, para efeitos do disposto no artigo 9º do NLAU, como morada do senhorio a que consta do contrato e para a arrendatária a do locado, pelo que;

c) Não tendo a então R. denunciado o contrato antes de ele se renovar, o mesmo renovou-se no dia 1 de janeiro de 2020 por mais três anos, existindo, pois, fundamento para a sua resolução.

Nestes termos e nos demais que V. Exas se dignarão suprir, deve ser negada a peticionada revista, com a consequente manutenção da decisão de Primeira Instância, confirmada pela Relação de Lisboa, assim se fazendo Justiça»

8. No tribunal recorrido, foi proferido Acórdão em Conferência, em 10.01.2023, que deferiu a pretensão do recorrente em matéria de custas, tendo retificado o acórdão recorrido nos seguintes termos:

«Em face do exposto, defere-se a rectificação requerida, passando a parte final do acórdão a ter a seguinte redacção:

“As custas devidas ficam a cargo da apelante Laboratório de Ideias e do apelado na proporção de 50% para a apelante Laboratório de Ideias e 50% para o apelado, cfr. art. 527º do CPC.”»

Cabe apreciar.

II. APRECIAÇÃO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS

1. Admissibilidade e objeto do recurso

1.1. À presente ação de despejo foi atribuído o valor de 55.200 Euros (art.289º, n.1 do CPC), e tendo a decisão recorrida sido desfavorável à ré- recorrente, esta tem legitimidade para interpor o presente recurso (por se preencherem os pressupostos de recorribilidade previstos no art.629º, n.1 do CPC).

Apesar de o acórdão recorrido ter confirmado a decisão da primeira instância no que respeita à condenação da 1ª ré, agora recorrente, a fundamentação não foi essencialmente a mesma, pois na segunda instância apreciou-se a questão prévia de saber se o contrato de arrendamento já teria sido extinto por iniciativa do arrendatário, antes de 31.12.2019, o que implicaria a não renovação do contrato e a ausência do dever de pagar rendas correspondentes ao período de renovação, enquanto que na primeira instância se apreciou apenas a questão da resolução do contrato por falta de pagamento de rendas (devidas no período da renovação do contrato). Concluiu-se, assim, que apesar de ambas as instâncias terem entendido que o contrato de arrendamento fora extinto por resolução, as respetivas fundamentações não são essencialmente coincidentes. Deste modo, não existe o limite da dupla conforme, sendo a revista admissível nos termos do art.671º, n.1 e n.3 do CPC.

1.2. Sendo o objeto do recurso traçado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do art.635º, n.4 do CPC, o objeto da presente revista é o de saber se o contrato de arrendamento foi atempadamente denunciado pela arrendatária (como ela defende), ou se esse contrato se renovou, por ela não ter adotado o comportamento adequado à produção do efeito extintivo do contrato. Caso se conclua que o contrato se renovou, cabe apurar se a decisão recorrida decidiu corretamente quando confirmou a sentença que havia declarado a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas.

2. A factualidade relevante

A sentença não transcreveu os factos que considerou provados. Em matéria de fundamentação de facto (dado que a ré não contestou a ação), limitou-se a afirmar: «Atento o disposto no artigo 567.º, n. 1 e n. 3 do Código de Processo Civil e face à manifesta simplicidade da questão, dou por integralmente reproduzidos os factos articulados pelo Autor

Formulação esta que foi reproduzida no acórdão recorrido, o qual também não...

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