Acórdão nº 126/13.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça, 20-03-2014

Data de Julgamento20 Março 2014
Case OutcomeJULGADO IMPROCEDENTE
Classe processualRECURSO CONTENCIOSO
Número Acordão126/13.0YFLSB
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, juiz... identificado nos autos, veio interpor recurso contencioso da deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 05/11/2013 que, na sequência da inspecção extraordinária ao serviço por ele prestado no ...º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ..., no período de 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Agosto de 2012 e como auxiliar na Vara Mista de ..., de 4 de Setembro de 2012 a 7 de Janeiro de 2013, lhe atribuiu a classificação de Medíocre.

2. O recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. Quer o relatório da acção inspectiva, quer a deliberação sob recurso, revelam-se assertivos na análise ao elemento objectivo do desempenho do recorrente no período de 2009 a 2012, quer no ...º Juízo de ..., quer na Vara Mista de ....

2. O recorrente, pelas razões expostas na sua motivação, não tem qualquer orgulho em tal circunstancialismo, considerando, à semelhança da Senhora Inspectora, ter ficado aquém das suas capacidades.

Aliás:

3. Só uma “hecatombe”, ou uma circunstância anómala e incontrolável, explica a alteração do seu desempenho, quando, na avaliação anterior foi notado com a classificação de “Bom com Distinção”.

4. Tal explicação reside no facto de, no período da inspecção, se ter iniciado a ruptura da sua vida conjugal, vindo a culminar com o seu divórcio e regulação das responsabilidades parentais do seu filho menor.

5. A forte tensão emocional e psicológica que sentiu em todo este período, obliterou-lhe a razão, a capacidade de discernimento, fazendo-o entrar em espiral depressiva e comprometendo o seu desempenho profissional.

6. Verificou-se, assim, uma “incapacidade acidental” ou um “impedimento temporário” que, muito embora não justifiquem toda a actuação do recorrente, a explicam e lhe retiram grande parte da sua carga negativa. Tanto mais que:

7. São reconhecidas ao impetrante as qualidades necessárias para o exercício da judicatura, designadamente conhecimentos técnico-jurídicos: probidade, isenção, independência, bom relacionamento com todos os operadores judiciários (cf. fls 76 da douta deliberação). Na verdade:

8. Se anteriormente o recorrente conseguiu desempenhar as suas funções ao ponto de lhe ser atribuída classificação de mérito, o que não pode passar despercebido, também agora, que ultrapassou a pior fase da sua vida pessoal e profissional, o pode vir a conseguir.

9. Assim lhe seja dada a oportunidade e esperança para tal, em vez de uma condenação para o resto da sua vida.

10. A notação mais adequada a esta composição de elementos objectivos e subjectivos seria a de “sofrível”, que se situa entre o “suficiente” e o “medíocre”. Todavia:

11. Esta não consta do “catálogo” legal, nem é possível, como em direito penal, a suspensão da pena ou o regime de prova, para dar outra oportunidade ao recorrente. Consequentemente:

12. E considerando as capacidades técnicas e humanas do DR. AA, relatadas na deliberação, deve ser-lhe atribuída a notação de “suficiente”.

13. Sendo esta a que, com o devido respeito, melhor caracteriza e avalia toda a situação vivida por este Magistrado, constituindo, assim, um acto de justiça.

14. A decisão em recurso violou, por erro, o disposto nos artigos 34.º, n.º 1 e 37.º, n.º 1, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ).

Termina nestes termos:

Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, alterar-se a notação do recorrente para suficiente.

3. O Ministério Público junto deste Tribunal, no visto referido no art. 173.º do EMJ, exarou não se lhe afigurar a existência de alguma questão prévia que obstasse ao conhecimento do recurso, alvitrando que o mesmo deveria prosseguir.

4. O CSM veio responder, nos termos do art. 174.º, n.º 1 do EMJ, aduzindo, em síntese:

«(…) O recurso das deliberações do CSM é um recurso de mera legalidade, o que implica que o pedido tenha sempre de ser o de anulação, de declaração de nulidade ou de inexistência do acto recorrido, não cabendo ao STJ sindicar o juízo valorativo efectuado pelo CSM, a menos que a mesma enferme de erro manifesto ou grosseiro, ou se os critérios utilizados na avaliação forem extensivamente desajustados.» (art. 4.º)

Na óptica do CSM, «a decisão recorrida fez uma correcta interpretação do quadro legal vigente, aplicou de forma sustentada o regime legal aos factos e utilizou um critério justo na definição da classificação aplicada.» (art. 6.º)

«O recorrente não coloca em causa os dados objectivos constantes do relatório de inspecção relativos à sua prestação no período inspectivo, nem as consequências que esta acarretou, nomeadamente para a imagem da justiça e dos tribunais.» (art. 10.º)

(…) A deliberação recorrida ponderou efectiva e devidamente a situação pessoal do recorrente, mas contrariamente ao pugnado por este, não concluiu ser a mesma susceptível de justificar toda a sua prestação no ...º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ... no período da inspecção». (art. 12.º)

«(…) Foram ponderadas todas as circunstâncias inerentes ao desempenho de funções do recorrente na Vara Mista de ..., prendendo-se também aqui a questão com a valoração efectuada na deliberação recorrida e a qual não merece a concordância do recorrente». (art. 39.º)

«(…) Ao exercer os seus poderes de avaliação em sede de apreciação do mérito, a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de “Justiça Administrativa”, movendo-se a descoberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu atentarem contra os princípios que regem a actividade administrativa ou forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis.» (art. 43.º)

«No caso concreto, o CSM utilizou os critérios legais previstos nomeadamente em respeito pelo disposto pelos artigos 34.º, n.º 1 e 37.º, n.º 1 do EMJ.» (art. 46.º)

Termina pedindo que o recuso seja julgado improcedente.

5. No cumprimento do art. 176.º do EMJ, o CSM deu por reproduzida a sua resposta anterior e o Ministério Público junto deste Tribunal alegou:

«Antes de mais diga-se que tendo em atenção a forma como o recorrente pretende sindicar a deliberação recorrida, tudo parece indicar que não teve em devida conta que o recurso das deliberações do CSM é um recurso de mera legalidade, pelo que o pedido formulado está, inevitavelmente, votado ao insucesso.

«Ainda que os fundamentos invocados no sentido de uma possível ilegalidade do acto fossem procedentes (…) sempre o recurso improcederia por não ser competência do STJ, no âmbito do recurso contencioso das deliberações do CSM; alterar a deliberação recorrida nomeadamente aplicando ao recorrente notação ou classificação de serviço diferente daquela que foi aplicada na deliberação sob recurso.

«(…) Do nosso ponto de vista, (…) a decisão recorrida não incorreu em qualquer vício invocado por forma a conduzir à sua anulação por ilegalidade, se tal visse peticionado

6. Colhidos os vistos, veio o processo à conferência para decisão.

II. FUNDAMENTAÇÃO

7. Factos em que assentou a deliberação impugnada, a partir do relatório da inspecção:

I – Introdução

1. Âmbito da inspeção

Trata-se de inspeção extraordinária determinada na sessão do Permanente do Conselho Superior de Magistratura (doravante designado pela sigla CSM), de 24.10.2012.

Na ausência de fixação do âmbito da inspeção na deliberação que a determinou, entendi, na data em que iniciei a inspeção (7/01/2013), que se tratava de inspeção classificativa a todo o serviço prestado pelo inspecionando desde a última inspeção realizada ao seu serviço no ...º Juízo da comarca de ..., de 1.01.2010 a 31.08.2012, e, também, como auxiliar, na Vara Mista de ..., desde 4.09.2012, onde passou a exercer funções, até àquela data. Apesar de o inspecionando não ter então seis meses de exercício de funções neste último tribunal, o que por força do disposto no art.º 6º, nº3 do RIJ impedia a inspeção do serviço aí prestado caso se tratasse de uma inspeção ordinária, optei, na ausência de regra semelhante quanto às inspeções extraordinárias (cf. art.º 7º do RIJ), por englobar tal desempenho, tendo em conta o motivo da inspeção extraordinária (atrasos verificados no ...º Juízo de ... quando da cessação de funções do Sr. Juiz). O mais correto teria sido eu solicitar esse esclarecimento ao CSM, o que, então, não me ocorreu fazer.

O período sob inspeção é, assim, de 3 anos.

A presente inspeção teve início, como já referi, a 7.01.2013, na Vara Mista de .... Nessa data, de acordo com uma certidão emitida em 4/01/2013, pelo Sr. escrivão do ...º Juízo de ..., que se mostra junta aos autos, o Sr. Juiz teria ainda na sua posse 28 processos deste tribunal para prolação de decisões na sequência de audiências a que presidira.

Após exame dos processos que foram apresentados pelo Sr. Juiz, como sendo os únicos que tinha em seu poder Tais processos foram-me apresentados pelo Sr. Juiz no Tribunal de ... em virtude de o mesmo não os ter apresentado enquanto permaneci no tribunal de ..., não obstante lhos ter solicitado e lhe ter entregue, a seu pedido, cópia da certidão em causa., consulta no habilus e averiguação no tribunal, constatei que na posse do Sr. Juiz estavam apenas 23 processos quatro dos quais não estavam sequer indicados naquela certidão Designadamente os processos nºs:.... Os processos que não foram apresentados (... .encontravam-se no ...º Juízo de ... e foram por mim aí examinados).. Porém, além daqueles 23 processos foi apresentado pelo Sr. Juiz para exame (porquanto eu lhe solicitei tudo o que estivesse em seu poder relacionado com os processos de ...), uma série de fotocópias de peças processuais e de envelopes, a maior parte dos quais ainda fechados, contendo correspondência que lhe tinha sido enviada de ... e referente a peças processuais, para efeito dele poder proferir a decisão em falta no processo, conforme relação descritiva que junto como anexo II.

Perante a dimensão...

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