Acórdão nº 12597/17.1T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 11-04-2019
Data de Julgamento | 11 Abril 2019 |
Número Acordão | 12597/17.1T8PRT.P1 |
Ano | 2019 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Processo n.º 12597/17.1T8PRT.P1
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto
..........................................................................................
..........................................................................................
1.1 O autor, invocando as disposições dos artigos 1847.º e 1859.º do Código Civil, alega que ele e a ré C…, sendo ambos solteiros, conheceram-se através das redes sociais no início de 2008 e acabaram por ter alguns contactos esporádicos durante cerca de um ano mas sem nunca terem vivido juntos.
No período dos referidos contactos nasceu, em 28 de Maio de 2009, o menor D…, réu na presente acção. Imediatamente após o início da gravidez, a ré passou a insistir com o autor no sentido de o mentalizar que estava grávida dele, dizendo-lhe que teve alguns namorados, mas naquele período só teve relações sexuais com ele.
No entanto, o autor continuava a duvidar que a ré, durante o período de concepção, não tivesse relações com os ditos namorados; mas, face à insistência constante quer da ré, quer da mãe dela, após o nascimento do menor e mesmo com dúvidas, acabou por assumir a paternidade do menor D…. Em face disso o autor passou a deslocar-se com frequência ao Porto, à residência da mãe, normalmente aos fins-de-semana, para visitar e estar com a criança, apesar da oposição e ameaças da ré e do seu companheiro, só o podendo fazer por períodos muitos curtos, não mais de quinze a vinte minutos, na presença de familiares da criança e sendo por eles insultado, dizendo-lhe “deixa o menino, ele tem mãe e família, não precisa de ti”. Por via de tais factos e também pelo facto da ré C… passar a viver com um antigo seu namorado que ameaçava constantemente o autor, pessoalmente e pelo telefone, dizendo-lhe para não aparecer ali mais, pois se aparecesse não sairia de lá direito, passaram a ser enormes as divergências e consequente desacordo quanto à regulação das responsabilidades parentais. Por tais razões e pelo facto dos progenitores do menor não viverem juntos, o Ministério Público instaurou acção de regulação das responsabilidades parentais, a qual foi decidida por sentença entretanto proferida em 17 de Janeiro de 2014 [1]. Apesar de ali ficar regulado o regime de visitas do autor, a ré C… e o seu companheiro têm feito tudo para que as mesmas não se concretizem, nos termos que descreve, dizendo-lhe a ré, em contacto telefónico, para não aparecer e, tirando-lhe o telefone, o homem com quem ela vive: “ouviste ou não, não apareças porque se apareceres não vês o menino e levas no focinho”.
Todos estes factos, conjugados com o facto de o autor sempre ter desconfiado de que o menor D… poderia não ser seu filho e o facto de, nos momentos em que o autor junto da ré C… lhe propunha para se fazer o teste de ADN, para esclarecer tais dúvidas, a mesma ré o ameaçava dizendo: “No dia e que o fizeres nunca mais vês o menino”.
O certo é que o autor sempre nutriu profundo amor e carinho pela criança, só que, mesmo nos 2 ou 3 primeiros meses de vida do menino, momento das visitas ao fim de semana e em que a relação entre os progenitores e familiares parecia normal, o autor tentava desempenhar o normal papel de pai do menor D…, querendo pegar nele, fazer-lhe carinhos, ser ele a dar-lhe a alimentação, a ré C… e sua mãe não deixavam, dizendo aquela: “Deixa o menino comigo eu é que sou a mãe”.
O autor alega que, face ao exposto, bem se compreende a revolta, frustração e enorme tristeza por si sentidos, ao verificar que fora enganado pela ré C…, ao longo de todo este tempo e a mesma não lhe houvera ser fiel, antes e depois do período de concepção.
Por via de todos estes factos o autor tem o desejo de conhecer a ascendência biológica da
criança e, nesta conformidade, bem se compreende o disposto no artigo 1859.º do Código Civil.
Assim, e porque teve conhecimento, conforme expõe, de circunstâncias que podem concluir pela sua “não paternidade”, pretende demonstrar que não é o pai biológico do perfilhado.
Termina afirmando que a presente acção deve ser julgada totalmente procedente e formulando pedidos nos seguintes termos:
a) Ser excluída a paternidade do autor B…, em relação ao menor D…, e declarar-se que o mesmo não é filho do autor, devendo ser considerado filho da Ré C…;
b) Anular-se a perfilhação realizada pelo autor B…, constante do assento n.º …. do ano de 2009 do Registo Cível de Penafiel;
c) Ordenar-se o cancelamento e consequente rectificação do Registo de Nascimento quanto à menção da paternidade do autor, bem como a avoenga paterna.
d) Alterando-se em conformidade a regulação das responsabilidades parentais, no âmbito do processo n.º 538/13.0TMPRT, que correu termos pelo 1.º Juízo, 3.ª Secção de Família e Menores do Porto.
Acompanharam o requerimento inicial os seguintes documentos: cópia do assento de nascimento do menor; cópia da sentença proferida no aludido processo n.º 538/13.0TMPRT, de regulação das responsabilidades parentais.
1.2 O processo foi com vista ao Ministério Público, nada tendo sido requerido ou suscitado.
Notificado para indicar pessoa idónea para exercer o cargo de curador do menor, o autor veio indicar a avó materna, E…, afirmando o Ministério Público (notificado nos termos do artigo 17.º, n.º 5, do Código de Processo Civil) nada ter a opor, perante o que se procedeu à sua nomeação e ulterior citação.
A ré C… veio contestar, afirmando ser falso que o autor não seja o progenitor do menor D… e que, como ele próprio alega, durante cerca de um ano, em 2008, apesar de não terem vivido juntos, autor e ré mantiveram relações sexuais. Se dúvidas existiam na convicção do autor de que o menor não era seu filho e embora venha agora alegar que as teve, sempre se comportou como pai do menor (registou a paternidade, visitou o menor regularmente, aceitou e cumpriu com o determinado na regulação das responsabilidades parentais) e a este sempre transmitiu tal facto.
Acresce que todos os argumentos invocados pelo autor para demonstrar que está a existir por parte da mãe um afastamento do menor em nada fundamentam os receios deste não ser pai, tratando-se antes de um alegado incumprimento parental, mas nunca de uma prova de que o menor não é seu filho, perante o que se impõe a improcedência da acção.
Sem prejuízo das razões que enuncia, declara que nada tem a opor a que seja feito teste de ADN que permita aferir a filiação do seu filho em relação ao autor.
Termina afirmando que “deverá a presente acção ser julgada improcedente por não provada e a autora absolvida da instância”.
1.3 O menor D…, citado para a acção na pessoa da sua curadora e avó materna, E…, nada disse.
Perante isso e no prosseguimento dos autos, foi determinada a citação do Ministério Público nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Concretizada a citação, o Ministério Público veio suscitar e requerer o seguinte:
«1. Nos presentes autos de impugnação de paternidade, foi citado, na pessoa do curador especial para o efeito nomeado, o menor D… (cf. fls. 45).
2. O referenciado curador especial não veio oferecer oposição nem alegar ou requerer o que houvesse por conveniente.
3. Na decorrência de tal facto, e socorrendo-se do que dispõe o art. 21.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ordenou V. Ex.ª a citação do Ministério Público.
4. Dispõe tal norma, na parte ora pertinente, que, se o ausente ou o incapaz, ou os seus representantes, não deduzirem oposição, ou se o ausente não comparecer a tempo de a deduzir, incumbe ao Ministério Público a defesa deles, para o que é citado, correndo novamente o prazo para a contestação.
5. Tal norma processual mostra-se consentânea com as competências atribuídas ao Ministério Público através do seu respetivo Estatuto, especificamente, na parte em que lhe é confiada a especial competência de representação dos incapazes, dos incertos e dos ausentes em parte incerta [cf. art. 3.º, n.º 1, al. a), do Estatuto do Ministério Público].
6. Em termos processuais, o Estatuto do Ministério Público define os termos em que essa
representação é concretizada (coadunando-se com o previsto na lei adjetiva civil), prescrevendo, no que ora importa, o art. 5.º, n.º 1, al. c), que o Ministério Público tem intervenção principal nos processos quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta.
7. Ora, no caso dos presentes autos, importa ter em consideração que os interesses envolvidos e que são colocados à apreciação do tribunal encontram a sua corporização, seja no direito ao estabelecimento de filiação que assiste ao menor, seja no interesse público de garantir, em termos constitucionalmente válidos, a verdade biológica das relações jurídicas (cf. art.s 26.º e 36.º, da Constituição da República Portuguesa).
8. Aparentando ser convergentes, os aludidos interesses revelam, contudo, uma relação de antagonismo...
5.ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
....................................................................................................................................................................................
..........................................................................................
Acordam os juízes subscritores, no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
B… intentou a presente acção de impugnação de paternidade, contra C… e D…, todos melhor identificados nos autos.I)
Relatório
1.1 O autor, invocando as disposições dos artigos 1847.º e 1859.º do Código Civil, alega que ele e a ré C…, sendo ambos solteiros, conheceram-se através das redes sociais no início de 2008 e acabaram por ter alguns contactos esporádicos durante cerca de um ano mas sem nunca terem vivido juntos.
No período dos referidos contactos nasceu, em 28 de Maio de 2009, o menor D…, réu na presente acção. Imediatamente após o início da gravidez, a ré passou a insistir com o autor no sentido de o mentalizar que estava grávida dele, dizendo-lhe que teve alguns namorados, mas naquele período só teve relações sexuais com ele.
No entanto, o autor continuava a duvidar que a ré, durante o período de concepção, não tivesse relações com os ditos namorados; mas, face à insistência constante quer da ré, quer da mãe dela, após o nascimento do menor e mesmo com dúvidas, acabou por assumir a paternidade do menor D…. Em face disso o autor passou a deslocar-se com frequência ao Porto, à residência da mãe, normalmente aos fins-de-semana, para visitar e estar com a criança, apesar da oposição e ameaças da ré e do seu companheiro, só o podendo fazer por períodos muitos curtos, não mais de quinze a vinte minutos, na presença de familiares da criança e sendo por eles insultado, dizendo-lhe “deixa o menino, ele tem mãe e família, não precisa de ti”. Por via de tais factos e também pelo facto da ré C… passar a viver com um antigo seu namorado que ameaçava constantemente o autor, pessoalmente e pelo telefone, dizendo-lhe para não aparecer ali mais, pois se aparecesse não sairia de lá direito, passaram a ser enormes as divergências e consequente desacordo quanto à regulação das responsabilidades parentais. Por tais razões e pelo facto dos progenitores do menor não viverem juntos, o Ministério Público instaurou acção de regulação das responsabilidades parentais, a qual foi decidida por sentença entretanto proferida em 17 de Janeiro de 2014 [1]. Apesar de ali ficar regulado o regime de visitas do autor, a ré C… e o seu companheiro têm feito tudo para que as mesmas não se concretizem, nos termos que descreve, dizendo-lhe a ré, em contacto telefónico, para não aparecer e, tirando-lhe o telefone, o homem com quem ela vive: “ouviste ou não, não apareças porque se apareceres não vês o menino e levas no focinho”.
Todos estes factos, conjugados com o facto de o autor sempre ter desconfiado de que o menor D… poderia não ser seu filho e o facto de, nos momentos em que o autor junto da ré C… lhe propunha para se fazer o teste de ADN, para esclarecer tais dúvidas, a mesma ré o ameaçava dizendo: “No dia e que o fizeres nunca mais vês o menino”.
O certo é que o autor sempre nutriu profundo amor e carinho pela criança, só que, mesmo nos 2 ou 3 primeiros meses de vida do menino, momento das visitas ao fim de semana e em que a relação entre os progenitores e familiares parecia normal, o autor tentava desempenhar o normal papel de pai do menor D…, querendo pegar nele, fazer-lhe carinhos, ser ele a dar-lhe a alimentação, a ré C… e sua mãe não deixavam, dizendo aquela: “Deixa o menino comigo eu é que sou a mãe”.
O autor alega que, face ao exposto, bem se compreende a revolta, frustração e enorme tristeza por si sentidos, ao verificar que fora enganado pela ré C…, ao longo de todo este tempo e a mesma não lhe houvera ser fiel, antes e depois do período de concepção.
Por via de todos estes factos o autor tem o desejo de conhecer a ascendência biológica da
criança e, nesta conformidade, bem se compreende o disposto no artigo 1859.º do Código Civil.
Assim, e porque teve conhecimento, conforme expõe, de circunstâncias que podem concluir pela sua “não paternidade”, pretende demonstrar que não é o pai biológico do perfilhado.
Termina afirmando que a presente acção deve ser julgada totalmente procedente e formulando pedidos nos seguintes termos:
a) Ser excluída a paternidade do autor B…, em relação ao menor D…, e declarar-se que o mesmo não é filho do autor, devendo ser considerado filho da Ré C…;
b) Anular-se a perfilhação realizada pelo autor B…, constante do assento n.º …. do ano de 2009 do Registo Cível de Penafiel;
c) Ordenar-se o cancelamento e consequente rectificação do Registo de Nascimento quanto à menção da paternidade do autor, bem como a avoenga paterna.
d) Alterando-se em conformidade a regulação das responsabilidades parentais, no âmbito do processo n.º 538/13.0TMPRT, que correu termos pelo 1.º Juízo, 3.ª Secção de Família e Menores do Porto.
Acompanharam o requerimento inicial os seguintes documentos: cópia do assento de nascimento do menor; cópia da sentença proferida no aludido processo n.º 538/13.0TMPRT, de regulação das responsabilidades parentais.
1.2 O processo foi com vista ao Ministério Público, nada tendo sido requerido ou suscitado.
Notificado para indicar pessoa idónea para exercer o cargo de curador do menor, o autor veio indicar a avó materna, E…, afirmando o Ministério Público (notificado nos termos do artigo 17.º, n.º 5, do Código de Processo Civil) nada ter a opor, perante o que se procedeu à sua nomeação e ulterior citação.
A ré C… veio contestar, afirmando ser falso que o autor não seja o progenitor do menor D… e que, como ele próprio alega, durante cerca de um ano, em 2008, apesar de não terem vivido juntos, autor e ré mantiveram relações sexuais. Se dúvidas existiam na convicção do autor de que o menor não era seu filho e embora venha agora alegar que as teve, sempre se comportou como pai do menor (registou a paternidade, visitou o menor regularmente, aceitou e cumpriu com o determinado na regulação das responsabilidades parentais) e a este sempre transmitiu tal facto.
Acresce que todos os argumentos invocados pelo autor para demonstrar que está a existir por parte da mãe um afastamento do menor em nada fundamentam os receios deste não ser pai, tratando-se antes de um alegado incumprimento parental, mas nunca de uma prova de que o menor não é seu filho, perante o que se impõe a improcedência da acção.
Sem prejuízo das razões que enuncia, declara que nada tem a opor a que seja feito teste de ADN que permita aferir a filiação do seu filho em relação ao autor.
Termina afirmando que “deverá a presente acção ser julgada improcedente por não provada e a autora absolvida da instância”.
1.3 O menor D…, citado para a acção na pessoa da sua curadora e avó materna, E…, nada disse.
Perante isso e no prosseguimento dos autos, foi determinada a citação do Ministério Público nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Concretizada a citação, o Ministério Público veio suscitar e requerer o seguinte:
«1. Nos presentes autos de impugnação de paternidade, foi citado, na pessoa do curador especial para o efeito nomeado, o menor D… (cf. fls. 45).
2. O referenciado curador especial não veio oferecer oposição nem alegar ou requerer o que houvesse por conveniente.
3. Na decorrência de tal facto, e socorrendo-se do que dispõe o art. 21.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ordenou V. Ex.ª a citação do Ministério Público.
4. Dispõe tal norma, na parte ora pertinente, que, se o ausente ou o incapaz, ou os seus representantes, não deduzirem oposição, ou se o ausente não comparecer a tempo de a deduzir, incumbe ao Ministério Público a defesa deles, para o que é citado, correndo novamente o prazo para a contestação.
5. Tal norma processual mostra-se consentânea com as competências atribuídas ao Ministério Público através do seu respetivo Estatuto, especificamente, na parte em que lhe é confiada a especial competência de representação dos incapazes, dos incertos e dos ausentes em parte incerta [cf. art. 3.º, n.º 1, al. a), do Estatuto do Ministério Público].
6. Em termos processuais, o Estatuto do Ministério Público define os termos em que essa
representação é concretizada (coadunando-se com o previsto na lei adjetiva civil), prescrevendo, no que ora importa, o art. 5.º, n.º 1, al. c), que o Ministério Público tem intervenção principal nos processos quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta.
7. Ora, no caso dos presentes autos, importa ter em consideração que os interesses envolvidos e que são colocados à apreciação do tribunal encontram a sua corporização, seja no direito ao estabelecimento de filiação que assiste ao menor, seja no interesse público de garantir, em termos constitucionalmente válidos, a verdade biológica das relações jurídicas (cf. art.s 26.º e 36.º, da Constituição da República Portuguesa).
8. Aparentando ser convergentes, os aludidos interesses revelam, contudo, uma relação de antagonismo...
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