Acórdão nº 1240/14.0T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 28-03-2019

Data de Julgamento28 Março 2019
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão1240/14.0T8VCT.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


AA instaurou, em 21 de novembro de 2014, no Juízo Cível da Instância Local de …., Comarca de …, contra BB,ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que fosse declarada a nulidade do testamento celebrado por CC, em 7 de outubro de 2011 ou, subsidiariamente, declarada a sua anulabilidade.

Para tanto, alegou, em síntese, que o seu falecido marido, querendo beneficiar a senhora com quem vivia maritalmente, outorgou testamento a favor do seu filho, o ora Réu.

Contestou o R., por exceção, alegando a caducidade da ação, e por impugnação, negando a simulação, e concluiu pela improcedência da ação.

Durante a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a caducidade, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 15 de novembro de 2017, a sentença, que, julgando a ação totalmente improcedente, absolveu o Réu dos pedidos.


Inconformada, a Autora apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão maioritário de 26 de abril de 2018, revogou a sentença e, julgando a ação procedente, declarou nulo o testamento celebrado por CC, no dia 7 de outubro de 2011.

Depois do Réu ter interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 10 de julho de 2018, declarou a nulidade processual, decorrente de não se ter observado previamente à apreciação da nulidade do testamento, com fundamento no disposto no art. 2198.º do CC e, em consequência, foram anulados todos os atos processuais afetados, incluindo o acórdão impugnado, determinando a notificação da Apelante e do Apelado, para se pronunciarem sobre a questão.

Depois dessa pronúncia, o Tribunal da Relação da Relação de Guimarães, por acórdão de 8 de outubro de 2018, revogou a sentença e, julgando a ação procedente, declarou nulo o testamento celebrado por CC, no dia 7 de outubro de 2011.


Inconformado, o Réu recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam essencialmente as conclusões:


a) A prolação de acórdão por um coletivo de Juízes diferente do que proferiu o acórdão de 26 de abril de 2018 corresponde a um ato cuja prática era vedado por lei.

b) Tal ato é, por si só, suscetível de influir na decisão da causa.

c) Constitui uma nulidade processual, nos termos e para os efeitos previstos no art. 195.º, n.º 1, do CPC.

d) O acórdão recorrido é também nulo, por haver pronúncia sobre questões de que se não podia tomar conhecimento, nomeadamente sobre a nulidade tendo por fundamento a disposição do art. 2198.º do Código Civil e quanto à consideração de DD como interposta pessoa – art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

e) Não foi concedido ao R. o direito ao contraditório quanto aos factos que serviriam ao julgamento com base no disposto no art. 2198.º do CC.

f) Foi omitida formalidade, com influência na decisão da causa, cuja observância era imposta pelo n.º 3 do art. 3.º do CPC.

g) Em 11 de setembro de 2018, o Recorrente apresentou requerimento, alegando ter dois filhos nascidos em 6 de janeiro de 2004 e 26 de setembro de 2010 e juntando as respetivas certidões, pelo que os factos devem ser dados como provados.

h) Para que a pretensão da A. pudesse proceder, pelo menos com o fundamento previsto no art. 2198.º, n.º s 1 e 2, e 579.º, n.º 2, do CC, era preciso que aquela cumprisse um ónus de alegação (e prova) de factos respeitantes à inexistência de descendentes do R.

i) Esse ónus não foi cumprido.

j) Foi violada a lei com a interpretação literal da alínea a) do n.º 2 do art. 2196.º do CC.

k) A evolução legislativa veio reconhecer os efeitos jurídicos decorrentes das situações de união de facto, através da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.

l) A interpretação que o Tribunal recorrido fez da alínea a) do n.º 2 do art. 2196.º do CC padece de inconstitucionalidade material, por violação dos arts. 2.º, 18.º, n.º 2, e 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.


Com a revista, o Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que, julgando a ação improcedente, o absolva do pedido.


Contra-alegou a Autora, fundamentalmente no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Na Relação, a relatora fez constar, no processo, que o Juiz 1.º adjunto nos acórdãos de 26 de abril e 10 de julho de 2018, por efeito da deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 25 de setembro de 2018, encontrava-se, à data do acórdão de 8 de outubro de 2018, em comissão de serviço na República Democrática de Timor-Leste (fls. 365 e 366).


Por acórdão de 31 de janeiro de 2019, foi desatendida “a arguição de nulidades do acórdão e processuais”.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está em discussão, para além das nulidades processuais e do acórdão, a nulidade do testamento, resultante da deixa testamentária ter sido feita por meio de interposta pessoa.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:


1. Em 7 de outubro de 2011, CC outorgou, no Cartório da Notária EE, em …., testamento público.

2. Nesse testamento, CC declarou: “deixa a BB (…), solteiro, maior, natural de …, residente em ….., …. Marquise, França, o prédio urbano sito na freguesia de Santa …., concelho de …. (…), prédio (…) que é bem próprio dele testador”.

3. BB é filho de DD.

4. CC, desde setembro de 2007, passou a viver na mesma casa que DD, dormindo na mesma cama, tendo com ela relações sexuais sempre que o quisessem, comendo à mesma mesa e fazendo tudo como se marido e mulher se tratasse.

5. CC viveu, desde setembro de 2007 e até à sua morte, junto de DD, em ….

6. A A. é viúva de CC, falecido em 24 de agosto de 2012, com quem foi casada desde 24 de julho de 1976.

7. O R. vive com a família em …, França.

8. No final de 2010, foi diagnosticado a CC um cancro maligno nos pulmões (alterado pela Relação).

9. DD cuidou de CC durante a convalescença, designadamente ministrando-lhe a medicação, a alimentação e fazendo-lhe a higiene pessoal.

10. CC deixou de viver com a A. em janeiro ou fevereiro de 2007 e não mais viveram juntos, não confecionaram e tomaram juntos as refeições, não pernoitaram nem permaneceram juntos, não mantiveram relações sexuais, não partilharam despesas e rendimentos, não se auxiliaram na doença e nos momentos de dificuldade e não dirigiram a palavra um ao outro (alterado pela Relação).

11. Em 18 de dezembro de 2006, CC deu entrada de uma ação de divórcio contra a A.

12. Essa ação correu termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …, com o n.º 4746/07.1TBVCT.

13. Na altura da separação mencionada em 10, CC já não trabalhava e vivia de uma pensão de pré-reforma, no valor de € 1 000,00.

14. DD apoiou CC no pagamento de todas as despesas relacionadas com tratamentos médicos.

15. Deu-lhe casa e alimentação até à sua morte.

16. DD gastou todas as suas poupanças.

17. CC deslocou-se de França a Portugal, após se ter aconselhado com advogado e acompanhado de DD, para a feitura de tal testamento (introduzido pela Relação).



***



2.2. Delimitada a matéria de facto, com a alteração decidida pela Relação e expurgada de redundâncias, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente das nulidades processuais e do acórdão e da nulidade do testamento, resultante da disposição testamentária ter sido feita por meio de interposta pessoa.

O Recorrente começa por arguir a nulidade decorrente do acórdão recorrido ter sido subscrito por um juiz-adjunto diferente do que interviera tanto no acórdão de 26 de abril de 2018, como no de 10 de julho de 2018, que julgou procedente a arguição da nulidade processual, decorrente da inobservância do contraditório, previamente à apreciação da nulidade do testamento, com fundamento no disposto no art. 2198.º do Código Civil (CC).

Efetivamente, o acórdão recorrido encontra-se subscrito por um juiz-adjunto diferente do que interveio nos acórdãos anteriores referidos.

Isso, no entanto, por si só, não significa que tenha sido cometida uma nulidade processual, como ato não admitido por lei. Com efeito, a lei admite a substituição dos juízes, nomeadamente em casos de falta ou impedimento, como resulta expressamente do disposto no art. 661.º do Código de Processo Civil (CPC).

Constando dos autos a falta do juiz, em resultado de nomeação em comissão de serviço no estrangeiro, podia o mesmo ter sido substituído pelo juiz seguinte, nos termos do disposto no art. 661.º, n.º 2, do CPC.

Não tendo sido alegado que a substituição por outro juiz não tivesse observado o formalismo previsto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT