Acórdão nº 1239/11.9TBBRG-E.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 19-06-2012

Data de Julgamento19 Junho 2012
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão1239/11.9TBBRG-E.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

A solicitação do credor “Caixa.....”, foi solicitada a insolvência de AA e de BB, os quais, na sequência daquele requerimento, formularam o pedido de exoneração do passivo restante, alegando, em síntese, que a sua responsabilidade com a insolvência se deve apenas aos avais que subscreveram para poderem obter o crédito para as empresas, sendo certo, também, que, actualmente, o requerente aufere €750,00 e a requerente €2.718,99, vivendo ambos numa casa arrendada, pela qual pagam a quantia mensal de €400,00.

No relatório que apresentou, o administrador da insolvência concluiu no sentido de que os requerentes se encontravam numa situação de insolvência.

Vários credores sustentaram o indeferimento liminar do pedido.

O Tribunal de 1ª instância, considerando que da omissão da apresentação à insolvência não resultaram prejuízos para os credores, porque não houve um agravamento do passivo com a constituição de novos créditos, nem uma diminuição do activo, por não terem sido efectuadas alienações ou gastos sumptuosos, admitiu, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes AA e de BB e ordenou que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do presente processo de insolvência, seja cedido ao fiduciário nomeado o rendimento disponível dos insolventes, com exclusão dos créditos a que se refere o artigo 115º e do montante correspondente a dois salários mínimos nacionais, para o conjunto dos requerentes, considerando que vivem em economia comum, atento o estipulado pelo artigo 239º, nº 3, a) e b), ambos do CIRE.

Desta decisão, os credores “Banco ............ SA”, “Caixa.....”, o Ministério Público e os requerentes interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedentes as apelações dos credores e do Ministério Público e improcedente a apelação dos requerentes insolventes, e, em consequência, revogou a decisão recorrida, indeferindo, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante.

Do acórdão da Relação de Guimarães, os requerentes insolventes interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, deferindo-se, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, por si formulado, devendo ainda, em consequência, ser decidido o recurso de apelação que apresentaram, junto do mesmo Tribunal da Relação, que saiu prejudicado com a primeira decisão, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:

1ª – Se ainda não se pode considerar unânime, é claramente maioritário o entendimento que defende que os requisitos/pressupostos previstos no art. 238° do CIRE são impeditivos do direito de aos insolventes ser "concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste" (art. 235° do CIRE), logo necessariamente o ónus da prova pertence aos credores, e não constitutivos do direito - que alguma doutrina defende como potestativo - que os insolventes têm à exoneração do passivo restante, logo excluído do seu ónus de prova.

2ª - Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21.10.2010, relativo ao processo n° 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1: "É que e conforme resulta do disposto no n°3 do artigo 236° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o devedor pessoa singular tem apenas, no requerimento de apresentação à insolvência em que formula o pedido de exoneração do passivo restante, de "expressamente declarar" que "preenche os requisitos" para que o pedido não seja indeferido liminarmente.

3ª - Isto significa, em nosso entender, que o devedor não tem que apresentar prova dos requisitos. Até porque, bem vistas as coisas, as diversas alíneas do n°1 do artigo 238° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelecem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante. Não constituem factos constitutivos do direito do devedor de pedir esta exoneração. Antes e pelo contrário, constituem factos impeditivos desse direito. Nesta medida, compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua prova - cfr. n°2 do artigo 342° do Código Civil.

4ª - Igual entendimento se pode ler no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, relativo ao processo n.° 165/11.6TBACN-G.C1, datado de 17.01.2012, bem como do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 12.05.2011, relativo ao processo n.° 1870/10.0TBBRG-D.G1: "O instituto da exoneração do passivo restante visa conjugar o princípio fundamental do direito ao ressarcimento (total) dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se verem definitivamente libertos de dívidas que ainda subsistam e que normalmente teriam que satisfazer. Pretende-se assim facilitar ao insolvente a reabilitação económica (princípio do fresh start). Compreensivelmente, e isto sem prejuízo do que adiante se dirá quanto à repartição do ónus da prova, a lei pretende que este benefício só deva poder ser concedido àqueles em que se revele o merecimento de uma nova oportunidade, e o contrário disto não deve poder sobressair do seu comportamento anterior e dos deveres associados ao processo de insolvência.

5ª - Assim, podemos concluir, com a certeza possível, que os insolventes cumpriram com os requisitos legais, isto é, requereram a exoneração do passivo restante respeitando as regras legais, maxime os arts. 236° e 238° do CIRE.

6ª - Ultrapassada que está o ónus da prova dos pressupostos/requisitos elencados no n° 1 do art. 238° do CIRE pertencer aos credores que entendem os insolventes não merecerem a concessão de tal direito, cumprirá saber, se, a final, tais credores, conseguiram fazer essa prova e da qual resulta a não concessão do benefício da exoneração prévia decidida pelo Venerando Tribunal a quo.

7ª - Cumpre aqui reduzir ao essencial a matéria deste recurso, visto o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães ter considerado como verificado somente o pressuposto previsto na alínea d) do n° 1 do art. 238° do CIRE, em que se estatui o seguinte: "o devedor [que] tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica".

8ª - Este art. 238° n° 1 alínea d) do CIRE apresenta assim três requisitos autónomos e cumulativos: i) a não apresentação à insolvência ou a apresentação para além do prazo de seis meses desde a verificação da situação de insolvência; ií) a existência de prejuízos decorrentes desse incumprimento; e iii) o conhecimento de que não havia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

9ª - Desde logo, e por ser ostensivo, os insolventes são pessoas singulares, não estando sujeitos à presunção inilidível prevista no art. 18° n° 3 do CIRE.

10ª - De igual forma, está também fixado nos presentes autos que a insolvente BB não é gerente nem detentora de qualquer cargo nas empresas de que advêm as dívidas (relembra-se que as dívidas resultam de avais dados pelos insolventes às operações comerciais das sociedades), pelo que expressamente está excluída do dever de apresentação à insolvência, nos termos do art. 18° n° 2 do CIRE.

11ª – O facto da insolvente BB ser sócia das empresas avalizadas é irrelevante, como e bem decidiu o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão datado de 20.04.2010, relativo ao processo n° 1617/09.3TBPVZ-C.P1: "o que a lei exige para o funcionamento dos n° 2 e 3 do art. 18° do CIRE é que o devedor (...) seja titular de uma empresa, o que não acontece quando o mesmo é sócio de uma determinada sociedade pois "a qualidade de sócio de uma sociedade é uma realidade distinta da de pessoa singular titular de uma empresa." (disponível in www.dqsi.pt).

12ª - Quanto à existência de prejuízos para os credores, se é verdade que o Venerando Tribunal da Relação, "a quo" seguiu a corrente jurisprudencial que entende que o simples vencimento de juros poderá ser considerado prejuízo para os credores, ou que, verificado o atraso, é lícito presumir prejuízos, tais perspectivas são claramente minoritárias na nossa jurisprudência. A corrente maioritária entende que é necessário que os credores aleguem quais os factos geradores desse prejuízo, para além dos juros vencidos.

13ª - Desde logo será aqui relevante regressar ao já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21.10.2010, relativo ao processo n.° 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1: "(...) Ora, se se entende que pelo facto de o devedor se atrasar a apresentar-se à insolvência resultavam automaticamente prejuízos para os credores, então não se compreendia por que razão o legislador autonomizou o requisito de prejuízo.

Só se compreende esta autonomização se este prejuízo não resultar automaticamente do atraso, mas sim de factos de onde se possa concluir que o devedor teve uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé e que dessa conduta resultaram prejuízos para os credores (...)".

14ª - E factualmente, quanto aos prejuízos dos credores, ficou provado o seguinte: "4 – Foram reclamados créditos no montante de 38.744.943,33€, que essencialmente, resultam de operações financeiras avalizadas pelos insolventes, na qualidade de representantes e sócios/accionistas de várias sociedades comerciais. 5 - De acordo com as certidões juntas a fls. 314, 340, 351, 361, 372, 412, 425, 451, 539, 552, 567 e 652, e atendendo às informações prestadas pelos credores nos autos, os créditos reclamados venceram-se em datas respeitantes essencialmente aos anos de...

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