Acórdão nº 1229/18.0T8OLH.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 30-03-2023

Data de Julgamento30 Março 2023
Case OutcomeNEGADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão1229/18.0T8OLH.E1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA, condómino do prédio urbano constituído em propriedade horizontal denominado Bloco Galeão - Conjunto Residencial Siroco, sito na Rua da Beirinha, Bairro dos Pescadores, em Olhão, intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra (a) BB, administrador do condomínio, e contra os condóminos (b) Sociedade Administradora da Fração A-Cem Siroco, Lda., (c) CC, (d) DD, (e) EE, (f) FF, (g) GG, (h) HH, (i) Sociedade A... SA, (j) II, (k) JJ, (l) KK, (m) LL, (n) MM, (o) NN, (p) OO, (q) PP M ..., (r) QQ, (s) RR, (t) SS, (u) Sociedade A... SA, (v) TT, (w) UU, (x) Herança de VV, (y) WW e (z) XX, todos representados pelo indicado administrador do condomínio, formulando, pelos motivos que expõe, os pedidos seguintes:

«a) Declarar-se a inexistência da Assembleia Extraordinária de condóminos do dia 14-08-2018, e se tal não se entender;

b) Declarar-se a invalidade da Assembleia/deliberações por falta de convocatória a um condómino, e se tal não se entender;

c) Declarar-se a invalidade da Assembleia/deliberações por ter sido convocada por quem não tinha legitimidade para o fazer, e se tal não se entender;

d) Declarar a falsidade da Acta;

e) Declarar como não escritas as considerações constantes do Ponto Prévio;

f) Declarar como não escritas as decisões sobre o orçamento e quotização dos condóminos;

g) Declarar a anulação das deliberações tomadas na Assembleia Extraordinária de Condóminos do dia 14-08-2018 com todas as legais consequências;

h) Condenar-se os Réus no pagamento de custas, procuradoria e custas de parte.»

2. Citados os réus, sendo os réus identificados sob as alíneas b) a z) na pessoa do administrador do condomínio identificado sob a alínea a), este apresentou contestação, defendendo-se por impugnação.

3. Foi fixado o valor à causa e, após vicissitudes várias, dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, na sequência do que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.

4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e decidiu o seguinte:

Por todo o exposto, este Tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e decide anular a Assembleia Extraordinária do Edifício Bloco Galeão que teve lugar no passado dia 14 de agosto de 2018, no que respeita aos pontos 1, 2 e 3 da ordem de trabalhos [votação da nulidade da ata anterior de março de 2018 (OT1); votação da exoneração de funções da anterior administração (OT2); eleição do 1.º Réu BB como administrador de condomínio para o biénio 2018/2020, a sua remuneração e as quotizações dos condóminos (OT3)].

Absolvem-se os Réus do demais peticionado.

Custas a cargo do Autor e dos 1.º e 2.ª Réus, na proporção de 40% a cargo do Autor e 60% a cargo dos Réus.

Fixa-se à ação o valor de 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo). Registe e notifique.

5. Inconformado, o réu BB interpôs recurso desta sentença, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que julgue a acção totalmente improcedente.

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. Face às conclusões das alegações do recorrente o Tribunal da Relação considerou que estaria em causa o seguinte objecto do recurso de apelação:

- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;

- da reapreciação do mérito da causa.

8. O Tribunal da Relação decidiu conforme se indica de seguida.

- Quanto à impugnação da matéria de facto:

Analisando as conclusões das alegações de recurso apresentadas, verifica-se que o recorrente não especificou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não tendo dado cumprimento ao ónus previsto na alínea a) do n.º 1 do mencionado artigo 640.º.

A indicação dos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, apesar de parcialmente abordada no corpo das alegações do recurso de apelação, não foi levada às respetivas conclusões, as quais delimitam o âmbito do objeto do recurso, conforme resulta do disposto no artigo 635.º, n.º 4, do CPC.

As questões a decidir serão, além das de conhecimento oficioso, apenas as que constarem das conclusões, cabendo ao recorrente o ónus de as formular e de nelas incluir as questões que pretende ver reapreciadas. Não tendo o apelante incluído a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados nas conclusões das alegações, verifica-se que restringiu o objeto do recurso, não tendo a Relação de conhecer da questão da impugnação desses pontos de facto, apesar de constar do corpo da alegação, dado não se tratar de matéria de conhecimento oficioso.

(…)

Acresce que o recorrente igualmente não especifica, seja no corpo das alegações ou nas respetivas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto que considera incorretamente julgadas, assim não tendo dado cumprimento, não apenas ao ónus previsto na citada alínea a), mas igualmente ao previsto na alínea c) do n.º 1 do mencionado artigo 640.º.

O incumprimento, pelo recorrente, de qualquer dos ónus previstos nas citadas alíneas a) e c), é cominado com a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º, assim se encontrando afastada a possibilidade de a Relação convidar ao aperfeiçoamento das alegações, de forma a suprir tal omissão.

No caso presente, verificado o incumprimento pelo recorrente dos referidos ónus – indicação nas conclusões dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicação, nas conclusões ou no corpo da alegação, da decisão que entende dever ser proferida sobre tais questões de facto –, cumpre rejeitar o recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º.

Rejeita-se, assim, o recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.”

- Quanto à reapreciação do mérito da causa

A rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com a consequente não alteração da factualidade considerada provada, importa se considere prejudicada a apreciação da questão da inexistência do conflito de interesses, dado que a solução preconizada na apelação assenta na reapreciação da prova produzida e na subsequente alteração da factualidade provada.

Improcede, assim, a apelação.”

9. O valor da causa foi alterado de € 5.000 para € 30.000,01 – conforme consta da sentença a fls…

10. Não se conformando com o acórdão proferido, dele veio interposto recurso de revista – com indicação de que seria uma revista excepcional – pelo réu BB, recurso no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):

“A) Visa-se com o presente recurso, discutir a bondade da interpretação e contradição que, das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, é feita pelo Venerando Tribunal a quo, nos termos da qual, tendo o Recorrente posto em causa a decisão sobre a matéria de fato, mas não especifica nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem indica, nas conclusões ou no corpo das alegações, a decisão que sobre os mesmos deve ser proferida, é de rejeitar o recurso.

B) Destarte, o douto acórdão proferido, efetua interpretação do preceito legal das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, merecedora de profunda reflexão, atentas as consequências da introdução de critérios subjetivos na apreciação de uma questão, já por si, muito subjetiva, como é a de omitir conclusões das alegações de recurso em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça processo n.º 827/11.8TBLMG.C1.S1.S1, 1ª secção, de 04-04-2017.

C) Invadindo, também, no entender do Recorrente, a esfera de competência do legislador, ao promover uma interpretação de uma norma legal em sentido que verdadeiramente, subverte aquele que lhe pretendeu atribuir o legislador.

D) Tal interpretação do Tribunal a quo é suscetível de declaração de inconstitucionalidade.

E) Em síntese, se as conclusões estão redigidas de modo compreensível, habilitando o tribunal a conhecer e compreender os fundamentos de impugnação aduzidos pelo apelante, não se deve usar do extremo expediente de rejeição do recurso.

F) Deve o relator do Tribunal a quo, convidar o Recorrente para completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões, nos termos do artigo 639.º n.º 3 do CPC.”

Culmina pedindo:

“Nestes termos e atento o atrás exposto, julgando esse Alto Tribunal, procedente e provado o presente recurso, deverá revogar o acórdão recorrido, considerando que deve o Recorrente ser notificado para aperfeiçoar as conclusões, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPC.”


11. Não foram apresentadas contra-alegações.


12. A 20-02-2023 foi proferido despacho a admitir o recurso de revista, dizendo-se aí:

“Tendo sido interposto em tempo, com legitimidade e de uma decisão recorrível face aos artigos 629.º, n.º 1, e 671.º, n.º 1, do CPC, mostram-se preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista excecional, pelo que cumpre determinar a subida do recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Notifique. Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.”


Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação

De facto

13. Vieram provados os seguintes factos:

1. O Edifício Galeão é constituído por um prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua da Beirinha, Bairro dos Pescadores - Bloco Galeão, em Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1591 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2135.

2. O Edifício é composto por uma cave, correspondente à Fração A (que reúne 389,282 ‰ de...

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