Acórdão nº 122/14.0TBOLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08-03-2018

Judgment Date08 March 2018
Acordao Number122/14.0TBOLH.E1
Year2018
CourtCourt of Appeal of Évora (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório.
Nos presentes autos de insolvência, em que AA, residente na Rua …, …, …, em Olhão, foi declarada insolvente, por decisão de 31 de janeiro de 2014, e por decisão de 21 de março de 2014 foi prolatado despacho inicial relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante, em 30 de novembro de 2017 foi proferido despacho de encerramento do processo de insolvência com o seguinte teor:
Foi proferido despacho inicial relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante, nos termos a que alude o art. 237.º, al. b), do CIRE.
Existe ativo a liquidar.
Assim:
I) declaro encerrado o processo de insolvência, nos termos do previsto no art. 230.º, n.º 1, al. e), do CIRE, sem prejuízo do prosseguimento do apenso respeitante à liquidação do ativo e dos pagamentos a efetuar aos credores;

II) não existindo motivos para considerar que a insolvência é culposa, declara-se que a mesma é fortuita – art. 233.º, n.º 6, do CIRE;

III) declaro produzidos os efeitos previstos no art. 233.º, do CIRE, exceto os que forem incompatíveis com o deferimento liminar da exoneração do passivo acima decidido e ainda com o referido em I.;
Registe e dê cumprimento ao disposto nos arts. 230.º, n.º 2, e 247.º do CIRE, publicitando esta decisão nos seguintes termos:
- notifique a insolvente, o Ministério Público e os credores;
- publique-se;
- comunique à Conservatória do Registo Civil competente;
- registe no Registo Informático de Execuções;
- comunique ao Banco de Portugal”.
Inconformado com este despacho de encerramento da insolvência veio o Ministério Público interpor o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O Mmo. Juiz a quo, após a prolação do despacho liminar de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, decidiu declarar encerrado o processo de insolvência, nos termos do previsto no art.º 230º n.º 1, al. e) do CIRE, declarando que não se produziam os efeitos previstos no art.º 233 do CIRE.
2. A única questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se uma vez proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, e perante a existência de bens a liquidar, podia ter sido ordenado o encerramento do processo.
3. O corpo do n.º 1 do art.º 230º do CIRE delimita o seu campo de aplicação, restringindo-se aos factos determinantes do encerramento do processo de insolvência que se verificam na hipótese de ele prosseguir após a declaração de insolvência.
4. Quando o processo prossiga as causas do seu encerramento constam das alíneas do n.º 1, merecendo especial relevo para a decisão do presente recurso as alíneas a) e e), esta introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.
5. Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o encerramento só deverá ser determinado depois de realizada a liquidação e o rateio final, ressalvando-se apenas a situação prevista no art.º 239º n.º 6 do CIRE.
6. Só se procede ao rateio final e distribuição do respetivo produto pelos credores após a liquidação dos bens que integram a massa insolvente, donde para que esta possa ser feita deve estar pendente a instância insolvencial.
7. Tendo sido requerida a exoneração do passivo restante, duas situações podem ocorrer: ou há património que deve ser liquidado na pendência do processo ou não há e, então, o processo pode e deve ser encerrado no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante.
8. O que resulta da alínea e) do n.º 1 do art.º 230º é que o prosseguimento do incidente de exoneração do passivo restante não obsta ao encerramento do processo de insolvência de que pende, e se à data do despacho inicial já existirem elementos que revelem a inexistência de bens, deve o tribunal declarar o encerramento.
9. Se a liquidação ainda não tiver sido iniciada ou concluída, não há fundamento para a aplicação da alínea e) do art.º 230º do CIRE, aplicando-se o regime regra previsto na alínea a) do mesmo preceito legal.
10. Não faz qualquer sentido, uma declaração de encerramento do processo, com a inevitável cessação das atribuições do administrador da insolvência, quando ainda não foi levada a cabo a primordial função do mesmo, erigida pelo legislador a finalidade do processo de insolvência, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (cfr. art.º 1º n.º 1 do CIRE).
11. A existência de bens na massa para liquidar impede o encerramento no despacho inicial de apreciação do pedido de exoneração do passivo restante, razão porque inevitável é o art.º 230º n.º 1 al. e) dever ser objeto de interpretação restritiva.
12. O encerramento do processo de insolvência constitui uma fase final do mesmo, pelo que deverá ocorrer uma vez realizados os fins previstos no mesmo processo, referidos no art.º 1º, do CIRE.
13. Assim, se à data do despacho inicial do pedido de exoneração do passivo restante já existirem elementos nos autos que revelem a inexistência de ativo a liquidar, deve o juiz declarar o encerramento do processo de insolvência.
14. Mas se o património do devedor tiver bens para liquidar e a liquidação e o rateio ainda não tiver terminado, então não existe fundamento para encerrar o processo no despacho liminar de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, mesmo que esta decisão seja apenas para efeitos de início do período de cessão.
15. Ao interpretar o art.º 230º n.º 1 al. e) do CIRE como se o mesmo permitisse encerrar o processo de insolvência sem a liquidação e o rateio estarem realizados, o tribunal interpretou erradamente aquela norma, dando-lhe um sentido que não é adequado à situação concreta.
Nestes termos deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos para realização da liquidação e rateio final.

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Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
Colhidos os legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº4, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a única questão a decidir consiste em saber se proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, e havendo bens a liquidar, podia ter sido ordenado o encerramento do processo.
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IIIFundamentação fáctico-jurídica.
1. A matéria de facto relevante para responder à questão colocada consta do antecedente relatório, com transcrição da decisão recorrida.
Vejamos, pois, adiantando-se, desde já, que a razão não está do lado do Digno Recorrente.
2. O regime da exoneração do passivo restante vem regulado nos arts. 235.º a 248.º do CIRE [1].
De acordo com o estatuído no art.º 235.ºdeste diploma legal «se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo.» - nosso sublinhado
Trata-se de um regime específico da insolvência das pessoas singulares e traduz-se na possibilidade conferida a esses devedores, em situação de insolvência, de uma liberação definitiva quanto ao passivo (mais propriamente à exoneração dos débitos correspondentes a esses créditos, pois não se fica exonerado de créditos, estes perdem-se
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