Acórdão nº 1213/13.0TBVRL-C.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 12-11-2013
Data de Julgamento | 12 Novembro 2013 |
Número Acordão | 1213/13.0TBVRL-C.P1 |
Ano | 2013 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Proc. nº 1213/13.0 TBVRL-C.P1
Tribunal Judicial de Vila Real – 1º Juízo
Apelação (em separado)
Recorrentes: B….. e C…..
Recorridos: D….. e E…..
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
D..... e E....., residentes no …., Recta de …, …, Vila Real, requereram procedimento cautelar de restituição provisória de posse, nos termos dos artigos 393º e segs. do Cód. do Proc. Civil contra B..... e C....., residentes no …., Recta de …, …., Vila Real.
Alegam, em síntese, o seguinte:
- que são possuidores do prédio rústico inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …. sob o artº. 267º;
- que o acesso a este prédio é feito através de caminho, que se inicia na estrada alcatroada designada de «Recta de Guipilhares», com cerca de dois a três metros de largura, caminho esse existente no rústico dos requeridos, e a favor dos mesmos inscrito sob o art. 266º e dá acesso ao rústico dos requentes, a pé, com animais, com carro de bois, de tractor, com e sem alfaias, e com enfardadeira;
- que ao mandarem colocar as pedras da forma como fizeram tapando o acesso, os requeridos esbulharam a posse que os requerentes têm do seu rústico, impedindo-os de ao mesmo acederem;
- que o esbulho, porque contra a vontade expressa ou tácita dos requerentes, foi violento.
Pretendem assim que os requeridos mantenham o acesso livre e desimpedido até sentença com trânsito em julgado na acção judicial que contra eles intentarão e que sejam condenados a retirarem de lá todas as pedras no prazo de 24 horas após a notificação a ser feita por oficial de justiça, à sua custa.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelos requerentes, sem audiência prévia dos requeridos.
Foi depois proferida decisão que julgou procedente o procedimento cautelar de restituição provisória de posse, nos termos do disposto nos artigos 393º e segs. do Cód. do Proc. Civil, e, em consequência, considerou indiciado:
- que os requerentes são possuidores do rústico inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Mondrões, sob o artigo 267º;
- que o acesso a este prédio é feito através de caminho que se inicia na estrada alcatroada designada de “Recta de Guipilhares”, com cerca de dois a três metros de largura, caminho esse existente no rústico dos requeridos e a favor dos mesmos inscrito sob o art. 266º e dá acesso ao rústico dos requerentes, a pé, com animais, com carro de bois, de tractor, com e sem alfaias e com enfardadeira;
- que os requeridos mandaram colocar pedras tapando o acesso dos requerentes ao seu terreno, impedindo-os de ao mesmo acederem;
- que tal ocorreu sem conhecimento e consentimento dos requerentes, sendo o esbulho violento.
Mais se condenaram os requeridos a manter o acesso livre e desimpedido do referido caminho até sentença com trânsito em julgado na acção judicial e a retirarem de lá todas as pedras no prazo de 24 horas após a notificação a ser feita por oficial de justiça, à sua custa.
Os requeridos, notificados desta decisão e com ela não se conformando, interpuseram recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 – Por douta sentença de 11.7.2013, proferida nos autos supra referenciados, foi a presente providência cautelar julgada procedente, e, em consequência o Tribunal “a quo” ordenou aos requeridos que mantenham o acesso livre e desimpedido o caminho em causa, até sentença com trânsito em julgado da acção judicial, e retirarem de lá todas as pedras no prazo de 24 horas após notificação.
2 – A douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” debruça-se assim sobre duas questões essenciais: 1 – Da probabilidade séria da existência do direito invocado; 2 – Do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável.
3 - A providência cautelar de restituição provisória de posse depende da alegação e prova dos três requisitos indicados nos artigos 393º e 394º do C.P.C: a posse, o esbulho e a violência, pelo que os recorridos teriam de alegar e provar que estavam na posse da coisa ou direito de que se dizem esbulhados, o que não fizeram.
4 – O esbulho e a violência a considerar na providência cautelar em causa pressupõem que a pessoa contra a qual se praticam aqueles actos tenha a posse de determinada coisa, no caso "sub judice " a passagem sobre uma determinada faixa de terreno dos aqui recorrentes.
5 – Ora, analisada a matéria de facto que se deu como indiciada, resulta que dela não constam os pertinentes e necessários factos que consubstanciam a existência de posse por parte dos recorridos relativamente a uma faixa de terreno que alegavam utilizar para aceder ao seu prédio, mas o simples acesso não traduz, só por si, a existência de um direito.
6 – Efectivamente, dos factos indiciados apenas e tão só se depreende, ainda que com reservas, que os recorridos acediam ao seu terreno pela referida faixa de terreno, mas eles não articulam matéria de facto nem demonstraram uma conduta material consubstanciadora da posse e, depois disso, o esbulho violento dessa posse, não tendo os recorridos demonstrado, ainda que indiciariamente, que têm actuado de forma correspondente ao exercício do direito (art.º 1251º do C.C.), ou seja, que exercem um poder de facto com conteúdo idêntico ao dos titulares do direito, e com intenção de agir como beneficiários do mesmo direito (art.º 1253º do C.C.)
7 – No entanto, não ficou provado nem sequer indiciado que os recorridos, ao atravessar aquela faixa de terreno, o fizessem na convicção de exercerem um direito próprio, à vista de toda a gente, com o reconhecimento geral de todos e sem a oposição de ninguém, de forma pacífica e de boa fé, ou seja, não foram provados factos suficientes que integrem o "corpus " da posse e menos ainda no que concerne ao "animus " da posse quanto à referida faixa de terreno, sendo fundamental este elemento psicológico da posse, o qual não ficou provado, até porque nem sequer foi articulada, no requerimento inicial, matéria de facto que integrasse o «animus possidendi».
8 – Assim, falta desde logo a indiciação de um dos pressupostos que o artigo 394º do C. P.C. exige para que proceda a presente providência cautelar, ou seja, a posse, sendo certo que, faltando o requisito básico, sem o qual não faz sentido discutir o procedimento ou não dos outros dois, ou seja, o esbulho e a violência, conforme o artigo 394º do C.P.C., uma vez que não pode haver esbulho nem violência sobre qualquer coisa se não houver posse, pois esta é integrada por «corpus» e «animus», sendo certo que o Tribunal «a quo» não deu como provado que os recorridos agissem com «animus possidendi», ou seja, com a intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto (H. Mesquita, Direitos Reais, 1967, pág. 66-68).
9 – É que o esbulho a considerar na providência cautelar, de restituição provisória da posse é apenas aquele que resulta da violência ou ameaças contra as pessoas que defendem a posse (AC.RL, de 13/3/81: Col. Jur. 1981,20-172).
10 – Ainda que se entendesse que os recorridos são legítimos possuidores daquela faixa de terreno, o que não acontece no caso em apreço, não estaria também preenchido o outro requisito exigido pelo artigo 394º do C.P.C., ou seja, a violência.
11 – A violência exercida apenas contra as coisas não justifica o procedimento cautelar de restituição provisória da posse.
12 – A violência susceptível de caracterizar o esbulho, tendo em vista a restituição da posse, há-de significar sempre coação, física ou moral, recaindo por isso, forçosamente, sobre pessoas e não coisas, como decorre do disposto nos artigos 255º e 1261º do C. Civil e 393º do C.P.C.
13 – Ora, no caso "sub judice ", apenas ficou indiciado que os recorridos colocaram pedras na dita faixa de terreno, não tendo por isso havido qualquer tipo de violência, física ou moral, sobre a pessoa dos recorridos.
14 – Deste modo, não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 393º do C.P.C., pelo que o Tribunal "a quo " devia ter indeferido o pedido formulado pelos recorridos, em total cumprimento das disposições legais aplicáveis.
15 – O esbulho, seja violento ou não, pressupõe necessariamente que a pessoa visada tenha a posse da coisa que pretende que lhe seja restituída, sendo certo que dos factos indiciados não resulta que os recorridos tivessem a posse da faixa de terreno, uma vez que lhe falta, além do mais, o elemento do "animus ", caracterizador da posse.
16 – Teriam os recorridos de articular matéria de facto e de demonstrar uma conduta material consubstanciadora de uma posse e, depois disso, o esbulho violento dessa posse.
17 – Os requerentes teriam de demonstrar, ainda que indiciariamente, que têm actuado por forma correspondente ao exercício daquele direito (art. 1251° do CC), ou seja, que exercem um poder de facto com conteúdo idêntico ao dos titulares do direito, e com intenção de agir como beneficiários do mesmo direito (art. 1253° do C.C.), neste caso, o direito de servidão de passagem.
18 – A posse é integrada por dois elementos: o corpus (elemento material), que consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício; e o animus (elemento psicológico), que consiste na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto (H. Mesquita, Direitos Reais, 1967, págs. 66-68).
19 – No caso “sub judice”, apenas ficou indiciariamente demonstrado que os requerentes acediam ao seu prédio através de uma faixa de terreno, mas ignora-se de todo a que título e em que circunstâncias o faziam e com que intenção o...
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