Acórdão nº 1211/20.8YRLSB-B de Supremo Tribunal de Justiça, 09-12-2020
Judgment Date | 09 December 2020 |
Case Outcome | EXTINTA A INSTÃNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE |
Procedure Type | HABEAS CORPUS |
Acordao Number | 1211/20.8YRLSB-B |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
§1. – RELATÓRIO.
§1.(a). – PEDIDO.
AA, “detida/presa, ao abrigo de um mandado de detenção europeu, vem, nos termos do disposto no artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 222.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal”, requer providência de habeas corpus, com os fundamentos quer a seguir se deixam extractados (sic):
“1.º - A arguida encontra-se detida desde o dia 17.06.2020, ou seja, há 166 dias.
2.º - O artigo 29.º [Prazo para entrega da pessoa procurada] da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, dispõe o seguinte:
1 - A pessoa procurada deve ser entregue no mais curto prazo possível, numa data acordada entre o tribunal e a autoridade judiciária de emissão.
2 - A entrega deve ter lugar no prazo máximo de 10 dias, a contar da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu.
3 - Se for impossível a entrega da pessoa procurada no prazo previsto no número anterior, em virtude de facto de força maior que ocorra num dos Estados membros, o tribunal e a autoridade judiciária de emissão estabelecem de imediato os contactos necessários para ser acordada uma nova data de entrega, a qual deverá ter lugar no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada.
4 - A entrega pode ser temporariamente suspensa por motivos humanitários graves, nomeadamente por existirem motivos sérios para considerar que a entrega colocaria manifestamente em perigo a vida ou a saúde da pessoa procurada.
5 - O tribunal informa de imediato a autoridade judiciária de emissão da cessação dos motivos que determinaram a suspensão temporária da entrega da pessoa procurada e é acordada uma nova data de entrega, a qual deverá ter lugar no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada. (destaques nossos)
3.º - Por sua vez, o artigo 30.º [Prazos de duração máxima da detenção] da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, estabelece o seguinte:
1 - A detenção da pessoa procurada cessa quando, desde o seu início, tiverem decorrido 60 dias sem que seja proferida pelo tribunal da relação decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu, podendo ser substituída por medida de coação prevista no Código de Processo Penal.
2 - O prazo previsto no número anterior é elevado para 90 dias se for interposto recurso da decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu proferida pelo tribunal da relação.
3 - Os prazos previstos nos números anteriores são elevados para 150 dias se for interposto recurso para o Tribunal Constitucional. (destaques nossos)
4.º - A arguida recorreu da decisão, proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, sobre a execução do mandado de detenção europeu.
5.º - Posteriormente, do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, arguida recorreu para o Tribunal Constitucional.
6.º - O Tribunal Constitucional proferiu decisão sumária no dia 18.09.2020, tendo decidido não conhecer do objeto do recurso.
7.º - A arguida reclamou daquela decisão para a conferência, tendo a reclamação sido julgada improcedente por acórdão proferido no dia 21.10.2020.
8.º - O acórdão do Tribunal Constitucional foi notificado ao mandatário da arguida através de notificação expedida no dia 22.10.2020. [Pelo que se presume efetuada no dia 26.10.2020.]
9.º - O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente a oposição à execução do MDE, transitou em julgado no dia 05.11.2020.
10.º - No caso de se entender que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa só se torna definitiva a partir do terceiro dia útil após a referida data - 05.11.2020 – prazo dentro do qual poderia a arguida praticar qualquer ato mediante o pagamento de multa, então a decisão tornar-se-ia definitiva no dia 11.11.2020.
11.º - A arguida deveria ter sido entregue às autoridades judiciárias requerentes da detenção [Tribunal Judicial de Westminster] no prazo máximo de 10 dias seguintes à decisão definitiva, isto é, até ao dia 15.11.2020 (dia 5+10 dias), ou, na pior das referidas hipóteses, até ao dia 21.11.2020 (dia 11+10 dias), nos termos do artigo 29.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto.
12.º - A partir de qualquer uma daquelas datas deixou de haver fundamento para a manutenção da detenção da arguida, sendo a mesma ilegal – Acórdão do STJ, de 18.04.2013, Relator Manuel Braz, proc. 301/13.8YLSB-A.S1.
13.º - A arguida não foi entregue até uma das referidas datas.
14.º - Nos termos do citado n.º 3 do artigo 30 da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, tendo havido Recurso para o Tribunal Constitucional, como sucedeu in casu, a detenção tem o limite máximo de duração de 150 dias, contados desde o seu início.
15.º - Ora, decorridos, que se mostram, 166 dias desde o início da detenção, a privação da liberdade da arguida é, tão só, clamorosamente ilegal.
Em face do exposto,
16.º - Todo o envolvimento atual da situação da arguida obriga a que a mesma seja, imediatamente, libertada.
17.º- A reclusão da arguida é não só ilegal, na medida em que se encontra transcorrido o prazo de 10 dias contados desde a decisão definitiva de execução do MDE (artigo 29.º da Lei n.º 65/2003), como o prazo máximo (150 dias) estabelecido para a sua detenção (artigo 30.º da Lei n.º 65/2003), como coloca em perigo a sua saúde e a sua vida em face do surto de COVID-19 que se regista no Estabelecimento Prisional de …, com mais de uma centena e meia de casos [1] , numa desproporção, inconcebível, e por isso violadora da nossa Lei Fundamental [Vide artigos 18, 27 e 28 da CRP ], em face dos interesses visados pela sua reclusão: a administração da Justiça de outro país, que nenhuma preocupação demonstrou, dentro do prazo máximo que tinha para o efeito, em dar seguimento ao seu pedido de detenção.
18.º - Cumpre dizer-se que não se ignora que o Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou, já, sobre a matéria que serve de fundamento a esta petição de Habeas Corpus, tendo indeferido o pedido de libertação imediata da arguida.
19.º - O Tribunal da Relação de Lisboa apesar de ter reconhecido (i) que o trânsito em julgado da decisão sobre a execução do MDE ocorreu em 05.11.2020 e (ii) que a mesma só se tornaria definitiva após o decurso de 3 dias úteis contados desde aquele dia (no dia 11.11.2020, portanto), concluiu, contudo, por despacho datado de 26.11.2020, com ao arrepio do mais elementar cálculo matemático (11+10), que, nessa data, ainda não havia decorrido o prazo máximo de 10 dias para entrega da arguida ao …!.
20.º - O conteúdo daquele despacho é errado, falacioso e violador da Lei e dos mais elementares princípios por que se rege o nosso Estado de Direito e por que se que deveria reger o Exmo. Senhor Magistrado dele subscritor quando em causa está a privação do primordial direito fundamental do Homem que é a liberdade.
Termos em que se requer a Vossa Excelência que, dando provimento à presente petição de Habeas Corpus, ordene a libertação imediata da arguida.”
§1.(b). – INFORMAÇÃO A QUE ALUDE O ARTIGO 223º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
“A requerente foi detida a 16 de Fevereiro de 2020 com base em inserção no Sistema de Informação Schengen correspondente a Mandado de Detenção Europeu emitido pelo Tribunal Judicial de Westminster com a finalidade de ser sujeita a procedimento criminal pela prática de 2 crimes de furto em violação da Lei do Furto de 1968 a que corresponde por cada um dos ilícitos 7 anos de prisão.
Procedeu-se, em 17 de Junho de 2020, à respectiva audição nos termos do art.° 18° da Lei 65/2003 de 23 de Agosto sendo que no final da mesma foi, depois de validada a respectiva detenção, determinada a manutenção da requerida em detenção para aguardar os ulteriores termos do processo.
Depois de ter manifestado oposição à requerida entrega, foi proferido a 21 de Julho de 2020, acórdão por esta Relação/5.ª Secção Criminal que, julgou improcedente a oposição apresentada e deferiu a entrega determinando a execução do MDE emitido.
Deste acórdão foi interposto pela requerida a 3 de Agosto de 2020 recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Tal recurso veio a ser apreciado por acórdão do STJ de 21 de Agosto de 2020 considerando-o improcedente.
Deste acórdão do STJ foi interposto a 3 de Setembro de 2020 recurso para o Tribunal Constitucional, o qual foi admitido com efeito suspensivo, a 8 de Setembro de 2020.
No Tribunal Constitucional, a 18 de Setembro de 2020 foi proferida, a 18 de Setembro de 2020, Decisão Sumária que decidiu não conhecer do recurso.
Desta Decisão Sumária foi apresentada, a 6 de Outubro de 2020, Reclamação para a Conferência.
O Tribunal Constitucional apreciou tal Reclamação em acórdão de 21 de Outubro de 2020, julgando-a improcedente.
Este último acórdão transitou em julgado a 5 de Novembro de 2020.
Os autos foram remetidos pelo tribunal constitucional para o Supremo Tribunal de Justiça a 13 de Novembro de 2020.
Apenas em 23 de Novembro de 2020 os autos deram novamente entrada nesta Relação, remetidos pelo STJ a 17 de Novembro de 2020.
Em 24 de Novembro de 2020 forma emitidos mandados de desligamento da requerida para efeitos de execução da entrega da requerida às autoridades judiciárias inglesas.
Na sequência de requerimento apresentado a 24 de Novembro de 2020 pela requerida em que requeria a sua imediata libertação, ouvido o M.° P.°, foi proferido despacho a 26 de Novembro de 2020 que indeferiu aquele, mantendo-se a situação de detenção da requerida.
Na sequência de mensagem do Gabinete SIRENE em que era solicitada a prorrogação de prazo de entrega da requerida e indicação de plano de viagem para 8 de Dezembro de 2020, foi proferido, a 27 de Novembro de 202, despacho que prorrogou o prazo de entrega para aquela data.
Mantem-se assim e actualmente a situação de detenção da requerida.”
§1.(c). – QUESTÃO APTA A SOLVER A PRETENSÃO SOLICITADA.
A pretensão formulada atina com uma solipsa questão, com cuja resolução quedará satisfeita a pretensão formulada pela requerente, perquiri se se encontra ultrapassado o prazo de...
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