Acórdão nº 1205/22.9T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-23

Data de Julgamento23 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão1205/22.9T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

EMP01..., UNIPESSOAL, LDA, intentou a presente ação contra EMP02..., COMPANHIA de SEGUROS, S.A, peticionando a condenação desta a pagar as seguintes quantias: (a) €28.413,28, a título de indemnização por privação do uso, (b) €9564,19, a título de rendas pelo contrato de locação financeira do veículo de matrícula »ZS», (c) €2240,00 a título de parqueamento do veículo, (d) €1000,00 pelos custos de deslocação do gerente da autora a ..., (e) €4295,00 a título de pagamento reclamado pela EMP03..., (f) €1800,00 a título de reboque da viatura de matrícula »ZS«, bem como nos juros vencidos e vincendos, desde o primeiro dia de atraso, em dobro da taxa legal (8%) e, bem assim, (g) €100,00 a título de indemnização por cada dia de atraso, a fixar pelo Tribunal, nos termos no disposto no art 38º, n.º 1 e 40º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei nº 291/2007 de 21/08 (RJCS).
Sustenta a sua pretensão com base no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, com cobertura de danos próprios, sendo os danos resultantes do acidente de viação ocorrido no estrangeiro.
A Ré contestou alegando, além do mais, que muitos dos danos reclamados não têm cobertura contratual ao abrigo da apólice celebrada.
*
Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a ré no pagamento à autora das quantias seguintes:

a) a quantia de €26.400,00, a título de dano de privação do uso, acrescida de juros à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde 08/08/2021 até efetivo e integral pagamento;
b) a pagar a quantia de €9564,19 a título das rendas do contrato de locação financeira referido em 3) durante o período de imobilização do veículo, acrescida de juros à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde 08/08/2021 até efetivo e integral pagamento;
c) A pagar as seguintes quantias, acrescida de juros à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde 08/08/2021 até efetivo e integral pagamento; a. €2240,00 a título de parqueamento do veículo;
b. €4295,00 a título de pagamento reclamado pela EMP03...;
c. €1500,00 a título de reboque da viatura de matrícula «ZS»;
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Inconformada com a sentença veio a ré seguradora interpor recurso terminando com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto da sentença de fls., por ser firme convicção da Recorrente, que a matéria de facto e de direito sujeita à apreciação pelo Tribunal recorrido merece apreciação diversa.
2. Nos termos e para os efeitos do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a Recorrente considera incorrectamente julgado na sentença recorrida o facto 48. dos factos provados: “A viatura de matrícula “ZS” era usada numa viagem semanal à ..., dando um lucro à autora de € 600,00/percurso, num total de € 1.200,00 semanais”.
3. Nos termos e para os efeitos do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a Recorrente considera incorrectamente julgado na sentença recorrida o facto 49. dos factos provados: “A autora continuou a pagar as rendas pelo contrato de locação financeira referido em 3) ao Banco 1... durante o período de paralisação referido em 47), num total de € 9.564,19”.
4. Nos termos e para os efeitos do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a Recorrente considera incorrectamente julgado na sentença recorrida o facto 50. dos factos provados: “A autora teve que pagar os seguintes valores à oficina “EMP03...”: a. € 2.240,00 pelo parqueamento da viatura de matrícula “ZS” e b. €1.800,00 pela desempanagem”.
5. Nos termos e para os efeitos do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a Recorrente considera incorrectamente julgado na sentença recorrida o facto 51. dos factos provados: A autora deve à oficina “EMP03...” € 4.295,01 pelos serviços prestados.
6. Nos termos e para os efeitos do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a Recorrente considera incorrectamente julgado na sentença recorrida o facto 52 dos factos provados: “O sócio-gerente da autora despendeu na viagem à ... € 1.000,00”.
7. A Recorrente impugna expressamente toda a matéria de facto vinda de especificar, porquanto a matéria probatória constante dos autos – ausência de qualquer prova adicional às declarações de parte, que corrobore essa concreta factualidade – impõe uma decisão em sentido diverso.
8. Quer isto dizer que – pelos motivos que se aduzirão nas conclusões subsequentes – os factos 48. a 52 dos factos provados têm de ser retirados do elenco dos factos provados e passar a constar do elenco dos factos não provados.
9. Para sustentar a decisão da matéria de facto posta em crise, a sentença recorrida alegar ter-se baseado nos docs. ...7 a ...4 da petição inicial e nas declarações de parte.
10. Acontece que o teor dos docs. ...7 a ...4 da petição inicial não contendem em nada com a matéria de facto constante dos factos 48.º e 52.º do elenco dos factos provados.
11. Para prova dos factos 48. e 52. do elenco dos factos provados – e contrariamente ao que se alega na sentença recorrida – a sentença recorrida baseou-se unicamente nas declarações de parte, o que, no caso, não pode colher.
12. Na senda da mais creditada Jurisprudência [ver citações no corpo das alegações], as declarações de parte (porque, naturalmente, interessadas e parciais) são insuficientes, por si só, para demonstrar um facto essencial à causa de pedir – tal como sucedeu com os factos 48. e 52. do elenco dos factos provados.
13. O artigo 466.º, n.º 3 do CPC admite a livre apreciação das declarações de parte pelo Tribunal recorrido, mas esta apreciação terá sempre de ser consentânea com os demais princípios elementares do direito, nomeadamente o princípio da tutela jurisdicional efectiva (cf. artigo 20.º, n.º 5 da CRP); o princípio do processo civil enquanto processo de partes (cf. artigo 3.º, n.º 1 CPC); princípio do contraditório (cf. artigo 3.º, n.º 3 CPC), regra plasmada no artigo 568.º, alínea d) do CPC – o que não aconteceu, no caso.
14. Relativamente ao facto 48. dos factos provados, temos que o lucro do exercício de determinada actividade, no âmbito de uma sociedade comercial, é passível de ser demonstrado, nomeadamente, através de prova documental – prova que inexiste nos autos.
15. Relativamente ao facto 52. dos factos provados, temos que despesas decorrentes de alegadas viagens, em pleno século XXI, são igualmente passíveis de ser documentadas – prova que inexiste nos autos.
16. Relativamente aos factos 49. a 51. dos factos provados, e para efeitos de prova, a sentença recorrida olvidou que os docs. ...7 a ...4 da petição inicial consubstanciam meros documentos particulares, que foram oportunamente impugnados, em sede de contestação, sendo que nenhuma prova testemunhal foi produzida acerca desta concreta matéria.
17. Relativamente ao facto 49. dos factos provados, o Tribunal recorrido computou na quantia global de € 9.564,19, a quantia parcial de € 2.199,78, que se reporta a IVA, que a Sociedade Autora já terá seguramente recuperado – o que também, por si só, não pode colher.
18. Relativamente aos factos 50. (a. e b.) e 51. dos factos provados, o Tribunal recorrido baseou-se tão-só nas declarações de parte e nos ditos docs. ...3 a ...4 da petição inicial que, além de se traduzirem em meros documentos particulares que foram oportunamente impugnados, em sede de contestação, sem que tenham sido corroborados por prova testemunhal, traduzem-se em alegadas facturas desacompanhadas de qualquer comprovativo de pagamento.
19. Por tudo quanto vem dito, a decisão recorrida tem de ser alterada e substituída por outra, que considere não provados os factos 48. a 52. do elenco dos factos provados e, em consequência, absolva a Ré de todos os pedidos.
20. Ao condenar a Ré, cumulativamente, no pagamento dos valores discriminados na alínea a) e na alínea b) do dispositivo, a sentença recorrida duplica o ressarcimento por um único e mesmo dano – o que, por si só, também não pode colher.
21. Relativamente ao facto 51. dos factos provados, a sentença recorrida condena a Ré no pagamento de juros vencidos e vincendos, sendo que as quantias que ali se discriminam ainda nem sequer foram desembolsadas pela Autora – o que, por si só, também não pode colher.
22. Independentemente da decisão que vier a ser proferida por esta Segunda Instância, acerca da matéria de facto impugnada, a sentença recorrida tem de ser alterada e substituída por outra que aplique correctamente o direito aos factos.
23. A sentença recorrida andou mal ao considerar que a causa de pedir dos autos assenta no instituto da responsabilidade extra-contratual/aquiliana.
24. Atenta a forma como a Autora configurou a acção – a Autora pretende ser ressarcida, pela Ré, por alegados danos decorrentes de um sinistro, ao qual deu origem, com (cf. factos 8. e 9. Do elenco dos factos provados da sentença recorrida), com base no contrato de seguro que celebrou com a Ré, os consequentes petitórios só podem ser apreciados de acordo com o instituto da responsabilidade contratual.
25. Sucede que os concretos riscos atinentes aos alegados danos que a Autora reclama [danos decorrentes da privação do uso da viatura sinistrada] não foram transferidos para a Ré seguradora, por via do contrato de seguro mencionado no ponto 4. dos factos provados (cf. factos 6. e 7. do elenco dos factos provados).
26. Nem tão-pouco a Autora pagou qualquer parcela de prémio relativo a esses concretos riscos. Pelo que não se podem considerar, sem mais, transferidos para a Ré.
27. Nos termos do contrato celebrado entre Autora e Ré, a Autora não contratou qualquer cobertura facultativa de “veículo de substituição” nem relativa a privação do uso, pelo que não pode ser ressarcida por quaisquer danos decorrentes dessa circunstância.
28. A Ré honrou oportunamente todas as obrigações contratuais que tinha para com a Autora, nomeadamente...

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