Acórdão nº 12003/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 16-04-2015
Judgment Date | 16 April 2015 |
Acordao Number | 12003/15 |
Year | 2015 |
Court | Tribunal Central Administrativo Sul |
I. RELATÓRIO
Sebastião …………., com domicílio em H. nº …… Bandar, PO ……….., Goa, República da India, intentou no TAC de Lisboa uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o Ministério dos Negócios Estrangeiros e contra o Instituto dos Registos e do Notariado, pedindo a intimação do IRN, IP para que emita de imediato o seu cartão de cidadão, remetendo-o com urgência para o Consulado Geral de Portugal em Goa.
Mais requereu a intimação do Ministério dos Negócios Estrangeiros para que ordene ao Consulado Geral de Portugal em Goa que proceda à entrega com urgência do cartão após a recepção do mesmo.
O TAC de Lisboa, por sentença datada de 9-1-2015, julgou o pedido improcedente e absolveu a entidade requerida da instância [cfr. fls. 229/257 dos autos].
Inconformado, o requerente da intimação recorre para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
“I. O Tribunal "a quo" indeferiu a requerida intimação apenas por considerar que esta "não era o único meio processual adequado e apto a acorrer à situação criada pela recusa de emissão do cartão de cidadão [porque de uma recusa se trata]" concluindo que "o intimante podia ter usado uma acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido [artigos 66º e segs. do CPTA], combinada com o pedido de concessão de uma providência cautelar antecipatória [eventualmente com pedido de decretamento provisório], traduzida na concessão do cartão de cidadão, até ser proferida decisão definitiva no processo principal". O referido entendimento é, com o devido respeito contraditório nos seus próprios termos.
II. Ora, se o "como, quando, por quem e porquê" da falsificação não releva em sede da presente intimação, tampouco pode relevar para justificar o indeferimento da mesma, sobretudo quando está assente que o autor é o titular do assento de nascimento nº 53002/2013, e requereu [na sequência de anterior intimação para defesa de direitos liberdades e garantias] a marcação de entrevista para pedido de cartão de cidadão.
III. Conforme resulta com clareza dos factos provados, não há dúvidas de que o autor, ora recorrente, é cidadão português, titular do assento de nascimento nº …….do ano de 2013. Tal facto foi admitido por ambas as partes, consta de prova documental e já foi, inclusivamente objecto de intimação judicial anterior [vide processo nº 2850/13.9BELSB do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa].
IV. A posição do recorrente ao longo de todo o processo foi extremamente coerente: como referiu desde a petição inicial, o mesmo foi ludibriado pelos anteriores operadores contratados para o representarem no processo de ingresso do seu assento de nascimento no registo civil português [vide artigos 17º a 23º da p.i.]. Esse incidente faz do recorrente lesado e não ludibriador pois, tendo direito à integração do seu assento de nascimento em Portugal e tendo pago para o efeito de ser assistido em Portugal nesse processo, não tinha o menor interesse em obter uma certidão falsa. Como é da mais elementar natureza das coisas, não faria o menor sentido que alguém que tem direito à nacionalidade portuguesa pagasse para obter uma certidão falsa...
V. Estando assente que o recorrente é cidadão português e titular do assento de nascimento nº ……./2013, que o "como, quando, por quem e porquê" da falsificação em investigação criminal não releva em sede da presente intimação, afigura-se evidente que a pendência de tal inquérito criminal não pode servir de fundamento para justificar a recusa da mesma e o recurso a uma alegada composição provisória, por via cautelar.
VI. O Tribunal "a quo" indeferiu a intimação por entender [injustificadamente] que existia concretamente um complexo meio processual – composto por acção administrativa especial, combinada com providência cautelar e ainda com um pedido de decretamento provisório da medida – que era mais adequado para a tutela dos direitos do recorrente. Porém, logo a seguir, considerou que não é possível convolar a intimação em providência por considerar indemonstrada a situação de especial urgência...
VII. Ora, se não estava demonstrada a situação de urgência não era admissível o recurso a uma medida cautelar antecipatória, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 1, alínea c) do CPTA. E, não sendo, tampouco é justificável o indeferimento da intimação baseada inidoneidade do meio escolhido, conforme foi configurado pelo Tribunal "a quo" [i.e. acção administrativa especial, combinada com providência cautelar e ainda com um pedido de decretamento provisório da medida].
VIII. O recorrente não só justificou a necessidade da emissão do cartão do cidadão, como o fez de forma bastante concreta e compreensível para qualquer pessoa que se coloque na posição em que aquele se encontra.
IX. "Nesta intimação «a "objectivação" da condição dita o prejuízo. A lesão [ou a possibilidade de lesão] de um direito, liberdade e garantia parece bastar para – objectivamente – se considerar existir um prejuízo grave e de difícil reparação [cfr. os artigos 109º, 120º e 131º do CPTA]. Por conseguinte, não é necessário exigir ao requerente qualquer [outra] prova para além daquela que resulte da própria demonstração da violação [ou do fundado receio de violação] do direito, liberdade e garantia" [Sofia David, Das Intimações..., pág. 124].
X. Ora, qualquer pessoa que se coloque na posição do recorrente, facilmente compreende a necessidade de tutela urgente e definitiva do seu direito à identidade. Mais: a actuação da Administração – IRN e MNE – é estritamente vinculada não cabendo qualquer margem de discricionariedade no que respeita à decisão de emissão do cartão do cidadão. Sendo obrigatória a obtenção do cartão do cidadão por parte de cidadão português [artigo 3º, nº 1 da Lei nº 7/2007, de 5/2], também é obrigatória a sua emissão por parte dos serviços públicos competentes, "in casu" o recorrido IRN.
XI. Numa matéria tão fundamental como é a identidade não há lugar para decisões provisórias. A jurisprudência é pacífica sobre essa questão [vide as supra citadas sentenças e, bem assim, as proferidas nos processos 1136/11.SBELSB, 1877/12.2BELSB, 1233/13.SBELSB do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa].
XII. A identidade é dos direitos fundamentais mais elementares, na perspectiva de que é sobre ele que se constituem outros. Por isso é que é obrigatória a obtenção [e a emissão] do cartão de cidadão, o documento autêntico de identificação do cidadão nacional.
XIII. Sendo a obtenção e emissão obrigatórias, sendo proibida a retenção do cartão por qualquer entidade pública ou privada e sendo legalmente inadmissível a emissão de cartões de cidadão temporários ou provisórios, dificilmente se compreende que se possa sustentar – como entendeu o Tribunal "a quo" – que o meio adequado para a tutela dos direitos fundamentais do recorrente não era a intimação para defesa de direitos, liberdades e garantidas, mas uma acção administrativa especial combinada com um pedido de providência cautelar...
XIV. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 14º, 18º, nº 1, 20º, nº 5, 25º e 26º da CRP, os artigos 3º e 5º da Lei nº 7/2007, de 5/2, o artigo 3º e anexo à Portaria nº 203/2007, de 13/2.” [cfr. fls. 268/292 dos autos].
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste TCA Sul a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento [cfr. fls. 310/313 dos autos].
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. A Embaixada de Portugal de Nova Deli informou o seguinte [fls. 135 dos autos]:
“[…]
Sebastião João Cabral apresentou-se neste posto no dia 30 de Julho para pedir o cartão de cidadão trazendo consigo assento de nascimento nº ……../13 emitido pela Conservatória dos Registos Centrais. Detectou-se imediatamente que não tinha marcação nesse dia, mas para meses mais tarde e que o nº de assento de nascimento que constava do papel de marcação forjado correspondia a outra pessoa não se tendo efectuado o pedido de cartão.
Questionado o utente informou-nos que o assento lhe teria sido entregue por um agente local, Regan ……… [portador do cartão de cidadão nº …………],...
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