Acórdão nº 1193/21.9T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 22-11-2021

Judgment Date22 November 2021
Acordao Number1193/21.9T8VNG.P1
Year2021
CourtCourt of Appeal of Porto (Portugal)
Apelação nº1193/21.9T8VNG.P1

Processo do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 2
Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Maria José Simões

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I - RELATÓRIO
Apelantes: B... e mulher C...
C... e B... apresentaram-se à insolvência, em fevereiro de 2021, deduzindo, na petição inicial, pedido de exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto no art. 236º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, declarando preencherem os requisitos necessários e se disporem a observar as condições, a que se referem os artigos 237º e segs, do CIRE, tendo já, por sentença de 8/3/2021, transitada em julgado, sido declarados insolventes.
Após isso, foi proferida decisão de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, com condenação dos insolventes nas custas do incidente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam, por incumprimento, pelos mesmos, com culpa grave, dos deveres de informação e colaboração, declarado encerrado o processo, nos termos do disposto nos artigos 230º, nº. 1, alínea d) e 232 º, nº. 2, do CIRE, e qualificada a insolvência como fortuita.
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Os Insolventes, notificados daquela decisão, apresentaram recurso, pugnando pela revogação do referido despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, após enquadramento jurídico do incidente de exoneração do passivo restante, a questão a decidir traduz-se, tão só, em saber:
– Se se verifica falta de fundamento para o indeferimento liminar do pedido de conceção da exoneração do passivo restante.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos assentes com relevância para a decisão constam do relatório supra, sendo, ainda, de atentar nos seguintes, considerados pelo Tribunal a quo, com interesse para a decisão a proferir quanto à admissão do incidente de exoneração do passivo restante:
1) C... e B... apresentaram-se à insolvência em fevereiro de 2021, deduzindo pedido de exoneração do passivo restante, tendo sido declarados insolventes por sentença transitada em julgado.
2) A Sra. administradora da insolvência nomeada juntou aos autos relatório a que alude o art. 155.º do C.I.R.E. fazendo constar do mesmo que se encontram registados a favor dos Insolventes os seguintes bens móveis sujeitos a registo:
• Veículo Automóvel, de marca PEUGEOT, modelo …, com a matrícula ..-LA-.., do ano de 2010, registado em nome do insolvente marido desde 23.07.2019, com o valor venal de €4.000,00
• Veículo Automóvel, de marca OPEL, cujo modelo se desconhece, com a matrícula ..-..-MB, do ano de 1998, registado em nome do insolvente marido desde 29.03.2019, com o valor venal de €100,00
• Veículo Automóvel, de marca VOLKSWAGEN, modelo …, adaptado, com a matrícula ..-NE-.., do ano de 2012, registado em nome do insolvente marido desde 22.06.2017.
• Veículo Automóvel, de marca BMW, modelo …., registado em nome da insolvente mulher com a matrícula ..CO-..-.., do ano de 1974, com o valor venal de €50,00
• Veículo Automóvel, de marca VOLKSWAGEN, modelo …, com a matrícula QA-..-.., do ano de 1988, com o valor venal de €100,00.
3) Nesse relatório a Sra. administradora da insolvência fez ainda constar a informação que os insolventes transmitiram/venderam a terceiros nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, os seguintes veículo:
- Veículo automóvel com a matrícula ..-..-XE, do ano de 2004, vendido em 25.06.2020;
- Veículo automóvel com a matrícula ..-..-RX, do ano de 2001, vendido em 16.09.2020
- Veículo automóvel com a matrícula ..-..-UM, do ano de 2002, vendido em 15.05.2020;
- Veículo automóvel com a matrícula ..-..-RR, do ano de 2001, vendido em 21.06.2019;
- Veículo automóvel com a matrícula ..-..-AO, do ano de 1992, vendido em 12.03.2019.
4) Por despacho de 31/5/2021 determinou-se a notificação dos insolventes para, em 10 dias, informarem qual a localização dos veículos automóveis de matrículas ..-..-MB, ..-NE-.., CO-..-.. e QA-..-.. e para juntarem documentos comprovativos das vendas dos veículos de matrículas ..-..-XE, ..-..-RX, do ano de 2001, matrícula ..-..-UM, ..-..-RR e ..-..-AO, devendo esclarecer quais os valores pelos quais venderam esses veículos, a identidade dos compradores e qual foi o destino dado aos valores que receberam pelas vendas dos mesmos, comprovando documentalmente o que alegarem.
5) Notificados desse despacho na pessoa da sua Il. Mandatária, os insolventes nada informaram.
6) Por despacho de 28/6/2021 determinou-se novamente a notificação dos insolventes nos termos descritos no ponto 4, sob pena de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
7) Notificados desses despacho os insolventes – pessoalmente e na pessoa da sua Il. Mandatária – os insolventes nada disseram.
8) Em 12/7/2021 a Sra. administradora da insolvência informou nos autos que os insolventes a informaram que desconhecem o paradeiro dos veículos automóveis com as matrícula ..-..-MB, CO-..-.., QA-..-.. e ..-..-RR.
9) Mais informou que, no que concerne ao veículo automóvel, de marca Alfa Romeu, com a matrícula ..-..-RX, do ano de 2001, o insolvente marido lhe transmitiu que o veículo nunca foi por si utilizado, pese embora se encontrasse em seu nome. Na verdade, aquele pertenceu a um terceiro/mecânico, contudo, a esta data, a matrícula encontra-se cancelada.
10) Informou ainda que obteve informação que os veículos com as matrículas ..-..-XE e ..-..-UM foram vendidos a D..., tendo os valores da transacção sido pagos em dinheiro e não se recordando do valor daqueles.
11) E informou que veículo automóvel com a matrícula ..-..-AO se encontra com a matrícula cancelada.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Enquadramento jurídico de incidente de exoneração do passivo restante

Entre as medidas especiais de proteção do devedor pessoa singular instituídas pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante designado, abreviadamente, CIRE, conta-se, nos arts. 235º e segs, o instituto da exoneração do passivo restante, embora o objetivo fundamental do processo de insolvência continue a ser a satisfação, o mais eficiente possível, dos direitos dos credores.
Estatui o artigo 235.º, do CIRE, sob a epígrafe “Princípio geral” que “Se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo”.
Trata-se de um preceito “inovador que se inspira nas disposições da Insolvenzordnung relativas à libertação das obrigações (§§ 286 e ss) e à insolvência dos consumidores (§§ 304 e seg)”[1]. Incluiu-se “a possibilidade de conceder aos devedores pessoas singulares a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não sejam integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. Visa-se com esta medida, algo afastada da filosofia geral do Código, conceder ao devedor um fresh start, permitindo-lhe recomeçar a sua actividade, sem o peso da insolvência anterior”[2].
O CIRE introduziu esta nova medida de proteção do devedor, que seja pessoa singular, a qual permite que, na situação deste não satisfazer integralmente os créditos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, venha a ser exonerado do pagamento desses mesmos créditos, caso satisfaça as condições fixadas no incidente de exoneração do passivo restante.
Esta situação não traduz “grande prejuízo para os credores já que, apesar da exoneração do passivo restante implicar a extinção dos seus créditos, a verdade é que os mesmos já representavam um valor insignificante, dada a situação económica do devedor. Na verdade, o processo de exoneração do passivo restante implica já uma dupla oportunidade de os credores obterem a satisfação dos créditos, uma vez que, após o encerramento do processo de insolvência, e portanto esgotada a função do administrador de insolvência com a repartição do saldo do património actual pelos credores, ainda se efetua a cessão do rendimento disponível do devedor a um fiduciário durante cinco anos, com a função de o repartir pelos credores”[3].
Este incidente, que tem dois momentos fundamentais: o despacho inicial e o despacho de exoneração, inspirou-se, no chamado modelo de fresh start, nos termos do qual o devedor, declarado insolvente, pessoa singular tem a possibilidade de se libertar do passivo e recomeçar a sua vida económica de novo, o que é útil e válido não só para o mesmo mas para a sociedade em geral.
A decisão liminar de exoneração do passivo restante - onde é aferido da existência de condições mínimas para aceitar o pedido de exoneração do passivo restante - confere ao devedor a oportunidade de se submeter a um período probatório, no final do qual pode advir para si um desfecho favorável, dependente da sua atuação durante o mesmo.
Mas, para se ter acesso a tal benefício e ser deferido o pedido, a lei impõe requisitos e procedimentos, fixados nos
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