ACÓRDÃO Nº 119/2019
Processo n.º 685/18
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos foi proferida a Decisão Sumária n.º 788/2018, que não admitiu o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, apresentado pela Recorrente e expropriante A., ACE, contra o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 1029 a 1035 destes autos).
Para tanto, considerou a sobredita Decisão Sumária que, por um lado, não existia ratio decidendi e, por outro lado, que o objeto do recurso não se achava revestido da imprescindível normatividade:
«(…)
Com efeito, da concatenação do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 280.º da Constituição com o constante na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, resulta que o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade demanda que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação das normas cuja inconstitucionalidade vem suscitada. Na verdade, enquanto manifestação do carácter instrumental deste recurso, é imperativo que a resolução da questão de constitucionalidade seja suscetível de se refletir na decisão recorrida, o que apenas sucede quando a norma, cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie, haja consubstanciado a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo decisivo utilizado pelo Tribunal a quo.
Ora, adianta-se, desde já, tal requisito não se encontra verificado.
Cotejado o requerimento de recurso, constata-se que o recorrente enuncia três questões de constitucionalidade distintas, todas estribadas na violação dos artigos 13.º, 62.º e 266.º da Constituição:
A.“(…) a interpretação do art. 26º, nº 12, do Código das Expropriações, no sentido de que o regime aí prescrito se aplica mesmo que não se demonstre que o terreno expropriado, na data em que foi adquirido pelos expropriados ou na data do instrumento de gestão territorial que veio classificá-lo como espaço-canal (Plano Diretor Municipal de Cascais - 1997), tinha alguma capacidade edificativa ou pudesse ser considerado solo apto para construção”;
B.“(…) a interpretação do art. 26º, nº 12, do Código das Expropriações, no sentido de que o regime aí prescrito se aplica aos terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional”.
C.“(…) a interpretação do art. 26º, nº 12, do Código das Expropriações, no sentido de que o regime aí prescrito afasta a aplicação do regime do art. 143º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial aprovado pelo Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, hoje no art. 171º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial aprovado pelo Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de maio, devendo aquele art. 26º, nº 12, do Código das Expropriações aplicar-se, portanto, mesmo que não se verifiquem, à data do instrumento de gestão territorial que veio classificar a parcela expropriada como espaço-canal, as possibilidade objetivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, referidas neste segundo preceito, e mesmo que à data da expropriação hajam decorridos mais de três anos sobre a vigência desse instrumento de gestão territorial.”
Como é sabido, o recurso de fiscalização da constitucionalidade pode ter como objeto quer normas, quer interpretações normativas, conquanto, em qualquer das circunstâncias, as questões de constitucionalidade enunciadas tenham constituído o fundamento efetivo e decisivo da decisão recorrida.
A decisão recorrida começa logo por circunscrever o âmbito da intervenção do recurso de apelação à questão de saber se o “valor da parcela expropriada deve ser aquele que lhe foi atribuído na decisão recorrida, por aceitação do relatório pericial de avaliação, ou se o mesmo deve ser fixado em € 142.000”.
E, após esta delimitação do objeto arrimado no sentido da perícia que fixou o valor da parcela expropriada, decide que:
«No relatório pericial de fls. 327 a 363 foi fixado à parcela, por unanimidade dos 5 peritos subscritores, o valor de € 210.578,94. A apelante, apesar de se arrogar detentora de especiais conhecimentos dos regimes de direito público, administrativo e de direito do urbanismo, em face do tribunal a quo, pretende com a apelação que o valor da parcela não é nenhum desses mas um seu inferior, de € 142.000.
Fá-lo, contudo, sem qualquer suporte pericial, por mera atividade interpretativa, em face de uma factualidade que ela própria pretende fixar.
Ora, a matéria de facto a considerar nesta decisão é a que foi fixada em primeira instância, a qual não pode ser alterada por ausência de base legal para o efeito.
(…)
Com efeito, ao fixar o valor indemnizatório proposto pelos Exmo.s peritos por unanimidade, a decisão sob recurso aceitou os respetivos fundamentos técnicos, que não tinha que repetir (…).
Entre esses fundamentos técnicos se incluem o disposto no art. 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, a que se reportam os relatórios de fls. 97 a 105 e fls. 327 a 363, contra cuja aplicação a apelante se insurge, desacompanhada de qualquer juízo pericial.
(…)
Por contraposição ao veredicto dos Exmos. Peritos pretende a apelante que a aparcela a explorar seja, pura e simplesmente, classificada como solo para outros fins e que o valor da “justa indemnização” seja determinado à razão de € 36,18 por metro quadrado, valor não indicado no recurso da decisão arbitral e só aditado na apelação.
(…)
Não vislumbramos também em que medida é que o valor indemnizatório fixado em recurso, por aceitação do veredicto dos Exmos. Peritos, possa contender com o disposto nos art.ºs 13.º, 62.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa.
Na determinação desse valor, em cada caso concreto, não podemos deixar de considerar o especial valor da prova pericial realizada já na fase judicial do processo expropriativo. (…)
Atento o valor dessa avaliação no âmbito do processo de expropriação, a jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de o Tribunal dever atender ao juízo técnico dos peritos maioritários.
No caso sub judice encontramo-nos perante um relatório de avaliação unânime subscrito por cinco peritos, entre eles o indicado pela apelante, o que não podia deixar de relevar para efeitos da decisão recorrida, a menos que esse relatório padecesse de vícios que inquinassem o seu juízo técnico, o que não acontece.
Não estando, pois, em causa a violação do comando constitucional que determina o pagamento de justa indemnização pelo ato expropriativo, também não vislumbramos, por ausência de fatos para o efeito, que a decisão sob recurso, viole o princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CR Portuguesa ou qualquer dos princípios disciplinadores da ação da administração pública, enunciados pelo art. 266.º da mesma CR portuguesa e que aqui se devem, sempre, materializar no conceito de “justa indemnização” estabelecido no seu artigo 62.º, número 2. (…)
Em conclusão:
Em processo de expropriação com relatório de avaliação unânime, subscrito pelos cinco peritos nele intervenientes, no seguimento de jurisprudência uniforme dos tribunais portugueses, segundo o qual o tribunal deve atender ao juízo técnico dos peritos maioritários, o tribunal deve fixar a justa indemnização no valor resultante desse relatório, a menos que o mesmo padeça de vícios que inquinem o juízo técnico nele contido».
Donde, resulta assim, clarividente que, nenhuma das três questões de constitucionalidade, enunciadas pelo Recorrente, em sede de requerimento de recurso, atinentes a determinadas interpretações normativas do número 12, do artigo 26.º do Código de Expropriações (que estabelece que, “sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”) constituiu o fundamento da decisão.
Na verdade, por um lado, a decisão...