Acórdão nº 11803/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 16-02-2017
Data de Julgamento | 16 Fevereiro 2017 |
Número Acordão | 11803/15 |
Ano | 2017 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
1. Relatório
Água do …………., Lda. e Herdeiros de ……………. (Recorrentes) recorrem para este TCAS da decisão da Mma. Juiz do TAF do Funchal que, no âmbito da acção por aqueles proposta contra o Estado Português e Região Autónoma da Madeira, na sequência de arguição de nulidade da sentença que julgou habilitados os herdeiros de José ……………….., julgou a instância extinta por deserção e inexistentes os actos praticados após a sua extinção.
Nas alegações de recurso, formulam as seguintes conclusões:
1.ª Os AA. não foram notificados de qualquer despacho de interrupção da instância.
2.ª Nos termos do art. 291° CPC, na redação em vigor até 31 de agosto de 2013, para que fosse julgada deserta a instância era necessário que se tivesse verificado a interrupção da instância e, após a interrupção, o prazo de dois anos e um dia.
3.ª A interrupção não opera «ope legis» começando-se a contar o prazo para a deserção a partir da efectiva interrupção, por trânsito em julgado do respectivo despacho que a declare como tal.
4.ª Uma vez que o despacho de interrupção da instância não tem natureza meramente declarativa.
5.ª Não houve despacho declarativo da interrupção da instância, pelo que não podia haver extinção da instância por deserção.
6.ª De tal modo que, uma vez que não havia nos autos despacho a declarar interrompida a instância, o Juiz de 1.ª instância admitiu o incidente de habilitação de herdeiros intentado em 04/05/2012, pela A. Água ………, Lda e julgou habilitados os herdeiros do A. José …………………por sentença de 10/07/2012.
7.ª Ou seja, o próprio Tribunal de 1.ª instância ao decidir o incidente de habilitação considera que embora se mostre claro quando se iniciou o prazo da suspensão, sem despacho a declarar a interrupção da instância não é possível saber com rigor quando a instância está interrompida, nem saber se a falta de impulso caracterizaria negligência notória dos sucessores do A., face à situação processual.
8.ª Deste modo deverá revogar-se o despacho recorrido, determinando-se o prosseguimento dos autos, nos termos requeridos.
9.ª O despacho ora recorrido, infringiu o disposto nos artigos 285.º, 287.º, alínea c) e 291.º do Código de Processo Civil, na redacção em vigor até 31 de Agosto de 2013.
A Região Autónoma da Madeira contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Após vistos, vem o processo agora à conferência para decisão.
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2. Fundamentação
2. 1. Dos factos
No TAF do Funchal foram alinhados os seguintes factos:
i) Em 02/02/2009 a A. Água ………….., Ld.a, juntou aos autos certidão de óbito do coautor José …………., requerendo a suspensão da instância [cfr. doc. de fls. 1559 dos autos].
ii) Por despacho de 11/02/2009 foi declarada a suspensão da instância por força da morte de José ……………. [cfr. doc. de fls. 1572 dos autos].
iii) Do despacho de suspensão da instância foram notificados os mandatários dos Autores e dos Réus, por carta datada de 11/02/2009, enviada sob registo do correio, bem como o Procurador da República junto deste tribunal [cfr. doc. de fls. 1573, 1574 e 1592 dos autos].
iv) Por requerimento entrado neste Tribunal em 04/05/2012, veio a A. Água ………….., Ld.a requerer incidente de habilitação de herdeiros [cfr. doc. de fls. 1655 a 1666 dos autos].
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Acordando-se ainda em aditar os seguintes factos (documentalmente comprovados):
v) O processo foi remetido à conta, como constante de fls. 1610 e despacho de fls. 1629.
vi) Em 10.07.2012 foi proferida sentença de habilitação de herdeiros como constante de fls. 1685-1686.
vii) Por decisão de 21.05.2014, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na sequência de arguição de nulidade, foi a instância declarada extinta por deserção (cfr. fls. 1711-1715).
viii) Do que foram as partes notificadas por cartas de 12.06.2014 (cfr. fls. 1717-1718 v.)
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2. 1. Do direito
Assente a factualidade relevante, vejamos então do acerto da decisão recorrida que veio a declarar a deserção da instância.
Disse-se na decisão recorrida:
“Verifica-se, pois, que, por despacho de 11/02/2009 foi declarada a suspensão da instância por força da morte de José …………….., nos termos do disposto no artigo 276.°, n.° 1, alínea a) do CPC, em vigor à data.
Tal despacho foi notificado às partes por carta registada com data de registo de 11/02/2009, tendo sido notificada ao Magistrado do Ministério Público nessa mesma data.
Declarada a suspensão da instância, os seus efeitos reportam-se ao momento em que foi feita a prova no processo do falecimento da parte (artigo 277.°, n.° 2, do Código de Processo Civil).
Considerando que o processo esteve parado durante mais de um ano, sem que tivesse sido notificada qualquer decisão que considere habilitados os sucessores do Autor falecido (cfr. artigo 284.°, n.° 1, alínea a) do CPC), a instância interrompeu-se um ano e um dia após a notificação, nos termos do artigo 285.° do CPC, aplicável subsidiariamente por força do artigo 1 .° do CPTA, o que se declara, dada a negligência do A. Água do ………….., Ld.a em deduzir o incidente de que dependia o seu andamento.
O despacho de interrupção da instância tem efeito meramente declarativo, a interrupção não nasce com esse despacho. Este limita-se a constatar que ela se verificou [cfr. Acórdão do STJ 48/200.C2.S1 de 21-06-2011].
Pelo que, para efeitos de deserção da instância - artigo 291º, n.º 1, do CPC - o prazo de dois anos a partir da interrupção deve contar-se do decurso de mais de um ano de paralisação por falta de diligência da parte na promoção do andamento normal do processo, o que se verifica nos presentes autos, porquanto o A. não deduziu, naquele prazo, incidente de habilitação dos herdeiros.
Assim, pelo menos desde 15/02/2010, começou a correr o prazo para efeitos de deserção da instância, o qual se viria a completar dois anos depois, isto é, em 15/02/2012.
Daqui decorre que quando a A. …………. Ld.a deduziu o incidente de habilitação de herdeiros, em 04/05/2012, já se havia produzido a deserção da instância, nos termos dos artigos 291.°, n.° 1 e n.° 4 e 287.°, alínea c) do Código de Processo Civil, com consequente extinção da mesma.
A deserção da instância não necessita, para se verificar, de despacho judicial que a declare, uma vez que a lei expressamente o dispensa, operando assim automaticamente pelo mero decurso do mencionado prazo de dois anos a contar do momento em que a instância tenha ficado interrompida. A deserção opera de direito, ope legis, e não ope judicis.
E não obsta a essa deserção o facto de se terem praticado inúmeros atos no processo como se este não tivesse findado (no caso em concreto a sentença que julgou habilitados os herdeiros de José ……………….. e todos os demais atos subsequentes).
A deserção provoca a extinção da lide, da relação processual que se materializa na ação onde o direito substantivo é exercitado. Após a extinção da instância não há mais atos processuais que se possam praticar porque não há relação processual juridicamente existente. Isto é, qualquer ato praticado depois disso é juridicamente inexistente, pois que inidóneo para produzir efeitos jurídicos.
Daí que, no caso em apreço, ocorrida a extinção da instância por deserção em fevereiro de 2012, os autos praticados desde então são inexistentes porque não têm nenhuma relação processual subjacente a eles e que os legitime.
Não produzindo tais atos qualquer efeito, pode a sua inexistência ser declarada em qualquer momento pelo juiz.”
É contra ao assim decidido que os Recorrentes se insurgem, entendendo que para que fosse julgada deserta a instância era necessário que se tivesse declarado previamente a interrupção da instância e, após a interrupção, o prazo de dois anos e um dia, sendo que, nos termos da sua alegação, a interrupção não opera ope legis e que, não tendo o despacho de interrupção da instância natureza meramente declarativa, não o tendo havido, não podia haver extinção da instância por deserção. Ou seja, em síntese, entendem os Recorrentes que o despacho recorrido é ilegal por não ter existido um despacho a interromper a instância, pelo que não poderia ser extinta a instância por deserção.
Que dizer?
Sobre a questão da natureza jurídica do despacho de interrupção da instância e seus efeitos para o processo afirmou-se no acórdão do STJ de 16.04.2002, proc. n.º 02A949, que: “(…) tendo ainda em conta que tal despacho se torna necessário para fins de eventual apuramento de caducidade face...
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