Acórdão nº 117/19.8TFVN.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 23-06-2020

Data de Julgamento23 Junho 2020
Número Acordão117/19.8TFVN.C1
Ano2020
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Tribunal da Relação de Coimbra – 2.ª Secção

Recurso de Apelação – Processo n.º 117/19.8T8FVN.C1


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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


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Sumário:

1. Para obter o cancelamento do registo de compra de um prédio, feito por quem adquiriu de um justificante, não é necessário declarar a nulidade do respetivo negócio de compra e venda celebrado entre ambos, bastando obter a declaração de insubsistência do ato justificado que serviu de base ao contrato posterior, desde que o terceiro adquirente tenha sido também demandado na ação.

2. Visando o registo da ação, além da publicidade do litígio, assegurar a oponibilidade do direito a declarar na ação face a terceiros, tal oponibilidade fica assegurada com a demanda do terceiro na própria ação, mesmo que esta não seja registada.


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Recorrente ………………..T (…), Lda.;

Recorrida…………………..A (…)


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I. Relatório

a) O recurso vem interposto da sentença que decidiu a presente ação instaurada por A (…) contra os réus M (…) e T (…), Lda.

Com a ação a Autora pretende, no confronto com os Réus, que o tribunal declare procedentes os seguintes pedidos:

«1/ Se declare impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura pública de justificação notarial em causa, por o 1.º Réu não ter adquirido o prédio nela identificado por usucapião;

2/ Se declare ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura, por forma, a que os Réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado;

3/ Se ordene o cancelamento dos registos de aquisição efetuados pelos Réus com base na dita escritura».

Os réus contestaram alegando a existência de uma partilha verbal e amigável entre autora e réu M (…), ocorrida antes do divórcio em abril de 1997, e que a partir desta data, até setembro de 2017, praticou atos materiais próprios de proprietário.

Concluíram pela improcedência da ação, tendo ainda a ré T (…) Lda., deduzindo pedido reconvencional subsidiário para que, em caso de procedência da ação, a autora fosse condenada a pagar-lhe €14.350,00 e reconhecido o direito de retenção sobre o prédio.

A autora pronunciou-se pela inadmissibilidade da reconvenção e impugnou os factos alegados pelo primeiro Réu.

No despacho saneador foi julgado inadmissível o pedido reconvencional subsidiário.

A seu tempo foi realizada a audiência de julgamento e proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Em face do exposto, julga-se procedente a presente acção e em consequência decide-se:

i) Declarar impugnado, para todos os efeitos, o facto justificado na escritura pública de justificação notarial datada de 15 de Novembro de 2017 outorgada pelos 1.º e 2.º Réus, outorgada no Cartório Notarial de (…) sito na Rua (...) , em Coimbra, de aquisição do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, logradouro e quinta, sito em x... , freguesia de y... , concelho de z... , inscrito na matriz sob o artigo 354 e descrito na Conservatória do Registo Predial de z... sob o n.º 1245.

ii) Declarar ineficaz e de nenhum efeito a escritura referida em i), não podendo os Réus através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado;

iii) Ordenar o cancelamento dos registos de aquisição efectuados pelos Réus com base na sobredita escritura;

iv) Condenar os Réus nas custas do processo»

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte da ré T (…), Lda., cujas conclusões são as seguintes:

«1 – O tribunal “a quo” declarou ineficaz e de nenhum efeito a escritura de justificação referida em i)

2 – Tal determinou o cancelamento do registo de aquisição da recorrente (compra e venda), nos termos do art. 8º e 13º do C. Registo Predial, o que não pode decorrer directamente de tal decisão (Ap. Nº 1620 de 24/01/2018 – Descrição Nº 1245 – C. Registo Predial z... )

3 – De verdade o réu M (…), declarou vender à recorrente livre de ónus ou encargos, o imóvel identificado no artº 8º da petição inicial, o que a Ré recorrente, aceitou, constituindo tal acto um contrato de compra e venda, autónomo, do acto justificado.

4 - Nos autos, como resulta do pedido constante dos pontos 1, 2, 3, apenas se vem pedir a impugnação e ineficácia do acto justificado, e não da compra e venda.

5- A impugnação do acto impugnado, não pode fazer presumir o pedido de cancelamento dos registos posteriores, mas tão só o do acto impugnado nos termos do art. 8º do C. Registo Predial.

6- Qualquer vício do acto de compre a venda, configurável no âmbito da venda de coisa alheia, será medido pela nulidade do acto, e não da sua ineficácia.

7- E no caso, nunca estaríamos perante venda de coisa alheia, uma vez que o réu é sempre titular ou co-titular, do imóvel vendido. E assim,

8- No caso tal nulidade só judicialmente pode ser declarada, e tem de ser alegada, o que no caso não sucede, e como o impõe o art. 17º do C. R. Predial, e 292 do C.C.

9- De verdade a Ré recorrente sempre tem de ser entendida como terceira de boa fé, nos precisos termos do art. 291 do C.C.

10 – Por outro lado, e ainda, tal questão sempre imporia, face ao posterior registo de aquisição da recorrente, o registo da acção o que no caso também não sucedeu, e não pode agora tempestivamente ocorrer. Assim,

11 – Atentos os factos alegados, mostra-se válido e eficaz o registo de aquisição da recorrente, nos precisos termos do art. 7.º do C. Registo Predial, não podendo assim ser cancelado, como decidido. Donde,

12 – A aliás douta sentença viola além do mais o disposto no art. 291 do C.C. e art. 7º, 8º, 13º e 17º do C.R.P

Termos em que face ao exposto, deve revogar-se a aliás douta sentença, e substituir-se por outra que julgue válido o registo de aquisição da recorrente, tudo com as legais consequências».

c) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o presente recurso coloca apenas uma questão que é a seguinte:

Verificar se o tribunal podia ordenar o cancelamento do registo de aquisição do prédio em causa nos autos a favor da recorrente, fundado na compra e venda que esta fez do mesmo ao réu M (…), porquanto este contrato de compra e venda é um ato posterior e autónomo em relação ao ato justificado impugnado através da presente ação.

E dada esta autonomia, a impugnação do ato, sendo procedente, não pode implicar o cancelamento dos registos posteriores, mas tão só o do ato impugnado nos termos do artigo 8.º do C. Registo Predial.

Por outro lado, no caso concreto, qualquer vício do ato de compre a venda, configurável no âmbito da venda de coisa alheia, que não existe porque o réu é titular ou co-titular do imóvel, geraria a nulidade do ato e não a sua ineficácia.

Acresce que a nulidade só pode ser declarada judicialmente e para isso tem de ser alegada, o que não sucede no caso, como o impõe o artigo 17.º do C. R. Predial, e 292.º do Código Civil.

Além disso, a Ré recorrente sempre tem de ser entendida como terceira de boa fé, nos precisos termos do artigo 291.º do Código Civil, sendo certo que a ação não foi registada.

III. Fundamentação

a) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. M (…) (1.º Réu), instaurou em 28 de Setembro de 2017, no Cartório Notarial de (…), sito na Rua (...) , em Coimbra, um «Processo de Justificação para reatamento do trato sucessivo», invocando ser «dono e possuidor legítimo» do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, logradouro e quinta, sito em x... , freguesia de y... , concelho de z... , inscrito na matriz em nome da autora, sob o artigo 354 e descrito na Conservatória do Registo Predial de z... sob o n.º 1245, e com registo de aquisição a seu favor e da autora, no estado de casados entre si sob o regime de comunhão geral pela apresentação três, de 20 de Julho de 1990.

2. Mais ali refere que o prédio foi por si adquirido no início do mês de abril de 1997, por acordo verbal de partilha, na sequência do divórcio ocorrido entre si e a Autora, tendo entrado na posse plena e exclusiva do imóvel naquela data.

3. Alega, ainda, no referido processo, que «está na posse e fruição do mencionado prédio, em nome próprio há mais de vinte anos, pagando os respetivos impostos, utilizando-o como sua habitação própria e permanente, realizando nele obras necessárias à sua conservação e manutenção, tudo isto ininterruptamente, sem violência ou oposição de quem quer que seja e à...

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