Acórdão nº 115/12.2BECTB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30-09-2020

Judgment Date30 September 2020
Acordao Number115/12.2BECTB
Year2020
CourtTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão

I- Relatório

P..............., S.A, melhor identificada nos autos, veio deduzir impugnação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º ..............., de 04.11.2011, referente ao exercício de 2009, e respectivos juros compensatórios, no valor total de EUR 423.429,34.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por sentença proferida a fls. 224 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 30 de Abril de 2018, julgou procedente a impugnação. A Fazenda Púbica interpôs recurso jurisdicional.

Nas alegações de fls. 266 e ss. (numeração em formato digital – sitaf) a recorrente, formulou as conclusões seguintes:

«a) Foi violado pela douta sentença o artigo 23/1 alínea j) do nº 1 do artigo 23º do CIRC (numeração à data).

b) Nos termos do artigo 23/1 alínea j) do CIRC “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente foram indispensáveis para realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável”.

c) Conforme relatório de inspecção tributária subjacente às correcções de IRC em apreço, os factos e fundamentos das correcções em sede de IRC relativamente ao ano de 2009, que deram origem à liquidação adicional de IRC identificada na petição no valor de 423.429,34€, são os seguintes: “Da análise dos elementos contabilísticos e dos esclarecimentos prestados pelo Sujeito Passivo, foram detectadas as seguintes irregularidades – Custos não aceites fiscalmente – de acordo com a alínea m) [alínea j) à data] do n.º1 do artigo 23º do CIRC são considerados custos ou perdas, para efeitos fiscais, os que comprovadamente se mostrarem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável. Significa, a contrário, que aqueles cujo risco seja segurável não são aceites como custo. Afastam-se, assim, os custos relativos aos riscos seguráveis, obrigando-se, portanto, à contratação do respectivo seguro, na medida em que o custo/benefício será maior. O sujeito passivo considerou custo do exercício de 2009, através de vários lançamentos na conta 62232001 – Conservação e Reparação, o montante de €1.603.899,04, referente a reparações nos aerogeradores do Parque, conforme se descreve no quadro seguinte.

Doc. nº.
Data
Descrição Valor
372 22-12-2009 Cambio de Pala 7 268.293,27
373 23-12-2009 Cambio de Pala 8 259.237,55
374 24-12-2009 Cambio de Pala 5 290.458,38
375 25-12-2009 Cambio de Pala 9 275.853,45
376 26-12-2009 Cambio de Pala 11 251.911,09
377 27-12-2009 Cambio de Pala 12 258.145,30
Total
1.603.899,04

Dado que todo o parque se encontra coberto por seguro, este foi participado à C..............., ao abrigo da apólice n.º 55115. De acordo com as informações que nos foram prestadas telefonicamente e os elementos enviados, concluímos que ainda não havia sido recebido qualquer montante a título de indemnização, estando ainda a decorrer as negociações entre a empresa e a respectiva Companhia de Seguros. No entanto, a empresa já contabilizou a perda na sua contabilidade, quando a mesma deveria ser balanceada com a indemnização correspondente, nos termos do art.º 18º do CIRC. Pelo exposto e nos termos do art.º 23 do CIRC, não é aceite custo do exercício a quantia de €1.603.899,04”.

d) Note-se que está em causa um custo extraordinário, decorrente dum sinistro, duma intempérie, um custo relativo a um risco segurável, e não um custo decorrente do exercício normal da actividade ou do desgaste do material preveniente do uso para que foi concebido. Quando se dá o sinistro/intempérie o parque apenas estava em laboração há cerca de 2 anos, cfr. relatório e contas 2009, no qual é expressamente referido que “o parque foi concluído em 2007”.

e) E conforme evidenciado nos autos, perpassando os princípios, regras e conceitos do direito privado especial que é o direito dos seguros, conforme análise efectuada ao contrato de seguro “Multi-Riscos” celebrado entre a impugnante e a “L..............., S.A.”, junto aos autos, e começando pelos conceitos, temos: “segurado – a pessoa ou entidade no interesse do qual o contrato é celebrado”; “beneficiário – a entidade indicada nas condições particulares que fica titular do direito à indemnização”; “valor seguro – é o valor que o segurado atribui aos bens garantidos pelo seguro e que figuram nas condições particulares. Este valor constitui a base para o cálculo do prémio e também para o cálculo da indemnização máxima naquelas coberturas onde o limite seja na percentgem do valor seguro”; “sinistro – qualquer evento susceptível de fazer funcionar as garantias desta apólice”. Não se circunscrevendo, além do mais, o conceito de indemnização (como pretendia a impugnante), a “uma reparação de um dano causado a terceiro”.

f) Depois, quanto às regras constantes do contrato de seguro em causa, e no sentido de procurar compreender as vicissitudes ocorridas, o tipo de sinistro, o custo extraordinário em causa e a celeridade na substituição das palas sinistradas, evidencia-se: “artigo 1º – objecto do contrato – o presente contrato tem por objecto garantir as perdas e danos, resultantes de um risco coberto, sofridos pelos bens móveis e imóveis designados nas condições particulares e destinados exclusivamente à actividade do segurado. …”; “artigo 4º – Definição e âmbito das garantias… 8. Tempestades, tormenta, granizo, neve, tromba de água e vento – a seguradora garante nos termos e limites da presente apólice os danos materiais causados directamente pela acção dos fenómenos atmosféricos enunciados, sempre que tais fenómenos se produzam de forma anormal e que a perturbação atmosférica não possa considerar-se pelo seu aparecimento ou intensidade como própria de determinadas épocas do ano ou situações geográficas que favoreçam a sua manifestação. O carácter anormal destes fenómenos atmosféricos são fundamentados pelas informações dadas pelos organismos oficiais competentes e o seu efeito mediante a fundamentação de provas convincentes cuja apreciação ficam a cargo de critério de peritos nomeados pela seguradora e segurado”…. 22. valor de substituição … Os trabalhos de substituição ou reparação, devem ser começados e executados com razoável rapidez, devendo, em qualquer caso, ficar concluídos dentro de doze meses após a destruição ou dano, ou dentro de qualquer outra (4) extensão de prazo que a seguradora venha (durante os referidos doze meses) a autorizar por escrito. De outro modo, nenhum pagamento será efectuado, além da quantia que teria sido pagável ao abrigo desta apólice, se esta cobertura não tivesse sido nela incorporada. 5. A seguradora só será responsável por qualquer pagamento, na parte que exceda a quantia que seria pagável sob esta apólice, se esta cobertura não tivesse sido nela incorporada, depois do segurado ter incorrido nas despesas de substituição ou reparação dos bens destruídos ou danificados …”.

g) Fazendo ainda uma interpretação sistemática da alínea j) do nº 1 do artigo 23º do CIRC (numeração à data), sendo possível ao sujeito passivo socorre-se dum seguro e, consequentemente, levar a custos os prémios pagos permitirá incentivar as empresas a garantir-se perante riscos susceptíveis de ocorrerem no exercício da actividade.

h) E, conforme evidenciado nomeadamente por António Moura Portugal em “a dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa”, a fls. 329 e 330, no comentário aos “encargos não dedutíveis para efeitos fiscais” relativos a “indemnizações pela verificação de eventos cujo risco seja segurável”, “trata-se de um bom exemplo de uma situação em que o direito fiscal inculca no próprio contribuinte a adopção de regras de prudência” [sublinhado nosso (princípio da prudência, aliás, também presente no direito contabilístico como princípio contabilístico fundamental embora com contornos um pouco diferentes)]. E contínua, referindo que “os exemplos mais frequentes em que esta disposição tem sido invocada surgem a propósito da desconsideração como custo do valor das mercadorias ou valores em dinheiro que sejam furtados e que o fisco tende a não aceitar como custos do exercício”. Referindo mais à frente, após um itinerário pela jurisprudência, que “tomados no seu conjunto, os pronunciamentos aqui descritos confirmam que na visão jurisprudencial, o valor dos furtos terá de ser sempre considerado como encargo indispensável para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, estando a respectiva dedutibilidade apenas dependente da verificação de dois requisitos: um de natureza geral e já analisado – a efectividade – traduzida na respectiva ocorrência e aqui eventualmente reforçada, em termos práticos pela exigência de participação criminal; e um outro de cariz específico, exigido por lei, que é precisamente o da impossibilidade de segurar o risco (para que este último se tenha por preenchido, os tribunais apenas têm exigido comunicações das seguradoras onde conste a recusa em celebrar contratos escritos para segurar os eventos ou bens em causa …) (sublinhado nosso)”.

i) Assim, de acordo com o supra evidenciado, também quer pela interpretação jurisprudencial, quer pelo facto da norma em causa incentivar as empresas a garantir-se perante riscos susceptíveis de ocorrerem no exercício da actividade levando a custos os prémios pagos, quer por se tratar dum “bom exemplo de uma situação em que o direito fiscal inculca no próprio contribuinte a adopção de regras de prudência”, à semelhança do próprio direito contabilístico, deverá improceder a presente impugnação.

j) Por outro lado ainda, chama-se à colação o Acórdão do STA, processo nº 0943/10, de 29/06/2011, que vai mais longe ou noutro sentido ao afirmar que havendo lugar a indemnização...

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