Acórdão nº 1140/20.5T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 02-12-2021

Data de Julgamento02 Dezembro 2021
Número Acordão1140/20.5T8LSB.L1-2
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes desembargadores que integram o presente colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – RELATÓRIO
R…, Lda., veio propor a presente acção declarativa de simples apreciação negativa contra “… Distribuição - Energia, S.A.”, hoje, “E…, S.A.” pedindo que se declare a inexistência ou subsistência de qualquer direito da Ré a reclamar da A. o pagamento de 25.913,78€, bem como a inexistência de fundamento para a suspensão ou interrupção do fornecimento, ou, caso assim não se entenda, que apenas é devido pela A. à Ré a quantia de 1.984,58 €.
Para tanto alegou que a Ré lhe imputa, sem fundamento para tanto e sem que lhe tenha sido permitido contraditar a inspecção realizada, uma utilização irregular de energia eléctrica entre 01-10-2016 e 29-07-2019 no seu estabelecimento. Tal irregularidade foi verificada na auditoria técnica realizada em 29-07-2019, imputando a Ré à A. prejuízos de 25.913,78 €, correspondentes aos valores não contabilizados. Invocou a Autora que não só não há qualquer prova ou forma da Autora contraditar as conclusões da Ré, como, a ter existido alguma utilização irregular esta se cingiria aos meses de Junho e Julho de 2019, sendo inadmissível fazer retroagir a irregularidade a 2016.
Citada, veio a ré apresentar contestação e deduzir pedido reconvencional.
Alegou, em síntese, que no decurso de uma vistoria ao ponto de medição sito nas instalações da Autora foi detectada uma desconformidade na instalação, uma vez que os valores de corrente medidos no contador não eram coerentes com os medidos no P100. Ou seja, por força de uma manipulação na instalação elétrica, a energia disponibilizada para o local de consumo não era contabilizada integralmente pelo contador. Esta fraude terá alterado os consumos registados entre 01-10-2016 e 29-07-2019, cujo valor a Ré agora pretende que lhe seja pago.
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Por despacho foram fixados, o objecto do litígio e os temas da prova.
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Realizou-se o julgamento com observância do legal formalismo.
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Foi proferida sentença, onde, a final, se decidiu julgar a acção procedente e a reconvenção improcedente e, nessa medida:
«- Declarar que a Ré … Distribuição - Energia, S.A., não tem fundamento para reclamar da A. R…, Lda o pagamento de 25.913,78 € ou para suspender ou interromper o fornecimento de energia pelo não pagamento daquela quantia;
- Absolver a Autora do pedido contra si formulado pela … Distribuição - Energia, S.A..»
Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:
«a) No âmbito dos presentes autos, foi proposta pela A., ora Recorrida, contra a R., Recorrida, uma presente acção declarativa de simples apreciação negativa, peticionando que se declare a inexistência ou subsistência de qualquer direito da Ré a reclamar da A. o pagamento de € 25.913,78 (vinte cinco mil, novecentos e treze euros e setenta e oito cêntimos), a título de indemnização, por uma irregularidade detetada na instalação elétrica particular desta última.
b) Em síntese, alegou a R., ora Recorrente, em sede de Pedido Reconvencional que exerce, em regime de concessão de serviço público, a actividade de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão no concelho Lisboa, procedendo, nessa qualidade à ligação à rede eléctrica pública das instalações de consumo que, para tanto, tenham celebrado os respetivos contratos de fornecimento de energia eléctrica com os comercializadores que operam no mercado livre ou no mercado regulado, e bem assim, através dos seus piquetes técnicos, à fiscalização das instalações de consumo, tendo em vista despistar a existência de eventuais ligações abusivas ou manipuladas à rede eléctrica ou manipulação e adulteração dos equipamentos de contagem que são instalados nos locais de consumo.
c) Nesta senda, acontece que, para o local de consumo com o n.º …7665, correspondente à instalação sita Avenida… Loja…, Lisboa, foi celebrado um contrato de fornecimento de energia eléctrica entre um Comercializador e R…, Lda., ora Recorrida.
d) O referido contrato iniciou os seus efeitos em 11.10.2014 e, à data da propositura da acção, ainda se encontrava em vigor.
e) Aquando da ligação das instalações de consumo à rede eléctrica, a Recorrente instalou um equipamento de medição ou contagem, vulgo contador de electricidade, destinado a registar os consumos efectuados e procedeu à selagem do referido equipamento, para evitar a sua violação e adulteração dos registos, por parte de pessoas não autorizadas.
f) Ainda, na qualidade de concessionária, a Recorrente procede à fiscalização das ligações à rede das instalações particulares de consumo, com o objectivo de despistar eventuais ligações abusivas à rede eléctrica pública ou manipulação e adulteração dos equipamentos de medida.
Sucede que,
g) No dia 29 de Julho de 2019, pelas 11h30, aproximadamente, foi efectuada uma vistoria ao ponto de medição nas instalações elétricas da A., local de consumo n.º …7665, sito em Avenida…, Loja…,Lisboa.
h) No decurso da referida vistoria, foi detectado pelo técnico ao serviço da ora Recorrente, uma desconformidade na instalação, designadamente “(…) que os valores de corrente medidos no contador não estão coerentes com os medidos no P100 (…) intercepção entre a P100 e Caixa de TI’s (…)”.
i) Concretamente, a intercepção referida supra entre a caixa P100 e a caixa de transformadores de intensidade, através de uma parede de pladur por onde passavam os cabos que ligavam as duas caixas, fazia com que a energia disponibilizada para o local de consumo não fosse contabilizada integralmente pelo contador, mas apenas parte dela.
j) Assim, através da manipulação detectada na instalação eléctrica nos autos em apreço, a energia efectivamente consumida pela instalação não era considerada na sua totalidade para efeitos de facturação.
k) Não obstante a detecção da manipulação no dia 29.07.2019, dada a complexidade da mesma, não foi possível ao técnico ao serviço da ora Recorrente proceder à sua correcção nesse mesmo dia, tendo, no entanto, ficado agendada nova deslocação ao local para o dia 31.07.2019, data em que se procedeu à eliminação da fraude.
l) Com efeito, tendo em conta a manipulação detectada, a energia eléctrica obtida nessa instalação encontrava-se a ser consumida ilicitamente, não passando, na sua totalidade, pelo equipamento de contagem, nem sendo, consequentemente, esse consumo devidamente facturado.
m) Resulta, assim, que a conduta da Recorrida, através dos seus Legais Representantes, proporcionou que, no período de 01.10.2016 a 29.07.2019, fosse consumida energia da rede pública de distribuição sem o respectivo pagamento.
n) A Recorrida, através dos seus Legais Representantes, agiu e pretendeu com a sua conduta a obtenção de um benefício económico ilícito, que se traduz na apropriação de energia eléctrica da rede de distribuição sem efectuar o pagamento devido.
o) À luz de tudo quanto se referiu supra, foi a Recorrente desapossada do valor da energia consumida e não paga pela Recorrida, que o fez contra a sua vontade e sem a sua autorização.
p) Pelo exposto, a prática ilícita detectada permitiu que, no período que decorreu entre 01.10.2016 a 29.07.2019, fosse subtraída à Recorrente energia eléctrica, cujo valor ascende a € 21.917,90 (vinte um mil, novecentos e dezassete euros e noventa cêntimos).
q) Para além do supramencionado, acresce a quantia de € 3.918,19 (três mil, novecentos e dezoito euros e dezanove cêntimos) referente ao valor da potência em horas, e a quantia de € 77,70 (setenta e sete euros e setenta cêntimos), correspondente a encargos com a detecção e tratamento da anomalia.
r) A soma desses montantes perfaz o total de € 25.913,78 (vinte cinco mil, novecentos e treze euros e setenta e oito cêntimos).
s) Ora, não obstante o Tribunal a quo, ter considerado como matéria provada a manipulação do equipamento de contagem (vulgo contador) – vide, neste sentido, Pontos 7 a 10 dos Factos Provados, descritos na Sentença – entendeu que a ora Recorrente não permitiu à A., Recorrida, a contraprova de tais factos, designadamente através da comunicação da possibilidade de requerer vistoria à Direcção Geral de Energia e Geologia, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-lei nº 328/90, de 22 de Outubro.
t) Cumpre referir que, no caso em apreço, detectada a manipulação em 29 de Julho de 2019, procederam os Técnicos, no dia 31 de Julho de 2019, à sua correcção, não interrompendo, no entanto, o fornecimento de energia eléctrica àquela instalação.
u) Vejamos, assim, o artigo 3.º do DL 328/90, de 22 de Outubro que prescreve o seguinte:
“3º - 1 – Se da inspecção referida no artigo anterior se concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza dos seguintes direitos:
Interromper o fornecimento de energia elétrica, selando a respetiva entrada (…)”
v) Por seu turno, o artigo 4.º do mesmo diploma prescreve que:
“1 – O direito consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º só pode ser exercido depois de o distribuidor ter notificado, por escrito, o consumidor do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o ter informado dos seus direitos, nomeadamente o de poder requerer à Direção Geral de Energia a vistoria prevista no artigo seguinte”.
w) E, por fim, o art.º 5º prescreve que:
“1 – Sempre que o distribuidor use do direito de interromper o fornecimento de energia elétrica, participará de imediato o facto à Direção Geral de Energia (…)
2 – Sempre que o consumidor entenda não ter cometido qualquer fraude, poderá requerer à Direção Geral de Energia, sem prejuízo do direito de recorrer aos tribunais, a vistoria da instalação elétrica, a qual será sempre realizada no prazo
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