Acórdão nº 114/04.8TAVRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30-04-2013

Data de Julgamento30 Abril 2013
Número Acordão114/04.8TAVRS.E1
Ano2013
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE COMPÕEM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I. No processo comum colectivo que, com o nº 114/04.8TAVRS, corre termos no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, o arguido JP [2] foi julgado e condenado, pela prática de dois crimes de burla qualificada, p.p. pelos artºs 217º, nº 1e 218º, nº 2, al. a) do Cód. Penal, nas penas de 5 e 6 anos de prisão, respectivamente; em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão; na procedência parcial de um pedido cível, foi o arguido ainda condenado a pagar aos demandantes JS e AS, a quantia de € 79.616,12, com juros de mora à taxa anual de 4%, desde o dia de cada entrega e até integral pagamento; na procedência parcial de outro pedido cível, foi o mesmo arguido condenado a pagar aos demandantes H e S a quantia de € 200.160,48, com juros de mora à taxa anual de 4%, desde a notificação do pedido cível e até integral pagamento, bem como a quantia de € 15.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros à taxa anual de 4% desde a data do acórdão e até integral pagamento.

Inconformado, recorreu o arguido JP, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas a partir do respectivo suporte informático):

«I. No dia 09-06-2011, o Tribunal recorrido comunicou aos sujeitos processuais a alteração de alguns factos, alguns consistem numa alteração substancial dos factos (pontos 12. a 15.) e outros uma alteração não substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia (pontos 1. a 11.).

Quantos aos factos que consistem numa alteração substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia, a mandatária do ora recorrente opôs-se ao conhecimento dos mesmos e, como tal, ao prosseguimento dos autos relativamente a esses factos.

II. Todavia, o Tribunal a quo, em clara violação ao regime jurídico imposto pelo artigo 359.º, n.º 1 do CPP, decidiu fazer constar do acórdão recorrido e considerar como provada a matéria descrita nos pontos 79. a 81. dos factos provados. Matéria essa que consiste, precisamente, nos factos elencados sob os pontos 12. a 14. do despacho proferido em 09-06-2011, acima mencionado, em relação aos quais a mandatária do recorrente se opôs ao seu conhecimento.

Sendo nitidamente violadora das garantias de defesa do recorrente e dos princípios do contraditório e do acusatório a valoração dos referidos factos pelo Tribunal a quo.

III. Como tal, tendo o acórdão recorrido violado o disposto no artigo 359.º, n.º 1 do CPP, é, por isso, nulo, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP.

Igualmente, o acórdão recorrido é inconstitucional, por violação dos princípios do contraditório e do acusatório, bem como das garantias de defesa, consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Pelo exposto, o acórdão recorrido deverá ser revogado e, em sua substituição, deverá ser proferida decisão na qual não sejam valorados os factos acima mencionados, descritos nos pontos 79. a 81. dos factos considerados como provados.

IV. Não obstante o Tribunal a quo ter anunciado, na audiência acima referida e realizada no dia 09-06-2011, alguns factos novos, ainda assim, no acórdão recorrido, decidiu aditar alguns factos que nunca foram comunicados ao recorrente e aos demais sujeitos processuais.

Assim, no acórdão recorrido, nomeadamente, foram alterados/aditados os factos descritos nos pontos 9. – desde “pessoa” até “não conheciam” e desde “que se apresentou” até “Storm, S.L.” -, 10., 11. - quanto à expressão “antes de se dirigirem ao Reino de Espanha” -, 12. – quanto à expressão “mas após terem regressado da visita a Espanha” -, 32., 36. – desde “bem sabendo” até “quantias” -, 52., 56., 58., 59. – desde “No mesmo contacto” até “contrato” -, 65. – desde “devendo antes” até “informado” -, 67. a 69., 71. – desde “o arguido João” até “compra e venda” -, 72., 74. a 76., 84. e 86. dos factos provados, factos esses novos relativamente aos que estão descritos no despacho de pronúncia, mas que não foram comunicados ao recorrente.

V. Como tal, o aditamento dos referidos factos novos configura uma alteração não substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia, à qual o Tribunal a quo deveria ter aplicado o regime previsto no artigo 358.º, n.º 1 do CPP, ou seja, deveria ter comunicado aos arguidos os factos novos e concedido um prazo para preparação da defesa, caso tal fosse requerido. E, no presente caso, não se verifica a excepção prevista no n.º 2 do artigo 358.º do CPP.

VI. Sendo inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP, que consagra os princípios do acusatório e do contraditório e as garantias de defesa do recorrente, as normas constantes do artigo 358.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, quando interpretadas no sentido de permitir que o Tribunal valore, para efeitos de condenação de um arguido, factos novos que consubstanciem uma alteração não substancial dos factos descritos no despacho de pronúncia, sem o presidente comunicar previamente a esse arguido a alteração e sem conceder, se ele o requerer, um prazo para a preparação da defesa, se esses factos novos tiverem derivado de factos alegados por outro co-arguido.

VII. Ao não ter agido como legalmente se impunha, o Tribunal recorrido fez uma valoração ilegal dos factos novos anteriormente referidos.

Assim sendo, o acórdão recorrido violou o artigo 358.º, n.º 1 do CPP, bem como os princípios do contraditório e do acusatório e as garantias de defesa do recorrente, consagrados no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP.

Como tal, o acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP e inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP.

VIII. Pelo exposto, o acórdão recorrido deverá ser revogado e, em sua substituição, deverá ser proferida decisão na qual não sejam valorados os factos acima mencionados, constantes dos pontos 9. – desde “pessoa” até “não conheciam” e desde “que se apresentou” até “Storm, S.L.” -, 10., 11. - quanto à expressão “antes de se dirigirem ao Reino de Espanha” -, 12. – quanto à expressão “mas após terem regressado da visita a Espanha” -, 32., 36. – desde “bem sabendo” até “quantias” -, 52., 56., 58., 59. – desde “No mesmo contacto” até “contrato” -, 65. – desde “devendo antes” até “informado” -, 67. a 69., 71. – desde “o arguido João” até “compra e venda” -, 72., 74. a 76., 84. e 86. dos factos considerados como provados na decisão recorrida.

IX. Quanto ao ponto 9. dos factos considerados como provados, não deverá ser considerado como provado que o recorrente se deslocou a Espanha com os assistentes e que se apresentou ou foi apresentado por AC como representante legal – mas, sim, como gestor de negócios - da sociedade B S S. L. e, como tal, deverá ser alterada a sua redacção do seguinte modo:

O arguido AC e o casal JS e AS dirigiram-se ao Reino de Espanha - tendo o arguido JP sido apresentado nas instalações da E. como advogado e gestor de negócios da empresa imobiliária Espanhola BS S.L, proprietária dos imóveis na cidade de Ayamonte - e ainda por CP e JA, ambos funcionários da G...- Mediação Imobiliária, Lda.;

X. Impondo decisão diversa da recorrida os depoimentos de CP, desde os 13m54s até aos 16m10s, e de JA, desde os 16m56s até aos 18m02s, prestados em audiência de julgamento, o contrato de fls. 57 e 58 e, principalmente, o fax de fl. 81;

Sendo certo que merece mais credibilidade a versão dos factos apresentada pelo assistente JS no referido fax de fl. 81 e o depoimento isento e imparcial de CP e JA, do que a versão apresentada pelos assistentes em audiência de julgamento, quando já tinham conhecimento do texto que consta do despacho de acusação e do despacho de pronúncia e depois de aconselhados pelo seu mandatário.

XI. Deverá considerar-se como não provada a matéria constante do ponto 27. dos factos provados, tendo em conta o depoimento de LS, desde os 20m52s até aos 22m00s e as regras da experiência comum, devendo, também quanto a este aspecto ser a decisão recorrida revogada.

XII. Deverá ser considerada como não provada a matéria descrita nos pontos 30. e 31. dos factos considerados como provados, impondo decisão diversa da recorrida o teor do documento de fls. 76 a 78.

XIII. Devem ser considerados como não provados os factos constantes dos pontos 36. a 41. e 89. dos factos provados, impondo decisão diversa da recorrida os documentos de fls. 57 a 68, 1577 a 1579, 1585 a 1587, 1672 a 1689 e fl. 2376, o depoimento de JT, desde 09m20s até 14m44s e os depoimentos de CP e de JA, nas passagens acima transcritas, em conjugação com os factos descritos nos pontos 12.1, 118., 119. e 12. dos factos provados.

XIV. Deverão ser considerados como provados os factos constantes do ponto LXXXI. dos factos não provados, desde “A 18 de Novembro” até “30 mil euros”, sendo a expressão “declarante” substituída pela expressão arguido AC, impondo decisão diversa da recorrida os documentos de fls. 1610 a 1612.

XV. Pelos fundamentos acima expostos, aquando da impugnação da matéria descrita no ponto 9. dos factos provados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, deverá ser considerada como provada a matéria descrita no ponto XCVIII dos factos não provados. Impondo decisão diversa da recorrida, nomeadamente, o fax de fl. 81.

XVI. O recorrente agiu em consciência e face a toda a documentação que viu, ao que conversou, em Portugal e em Espanha, com a plena convicção de que os contratos seriam depois ratificados.

Não tendo o recorrido actuado com a intenção de enganar os assistentes JS e AS ou de obter qualquer enriquecimento ilegítimo. Assim sendo, deverá ser revogada a decisão recorrida e o recorrente ser absolvido da prática do crime de burla qualificada.

XVII. Independentemente de não poder ser valorada a matéria constante do
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