Acórdão nº 1139/20.1T8BJA.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-09-2023

Data de Julgamento14 Setembro 2023
Case OutcomeCONCEDIDA PARCIALMENTE
Classe processualREVISTA
Número Acordão1139/20.1T8BJA.E1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

ACORDAM NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I - AA, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra:

BB e CC.

Todos devidamente identificados nos autos.

Pedindo que:

- Os RR. sejam obrigados ao cumprimento do contrato celebrado com a A. e, em consequência, condenados ao pagamento à A. das prestações já vencidas, no total de €465.000,00, e vincendas, desde Setembro de 2020 até à morte da A, bem como aos respetivos juros de mora, desde o vencimento de cada prestação até efectivo e integral pagamento, que a esta data (22.07.2020) ascendem a € 127.286,01.

Alega para tanto, e em resumo, o seguinte:

Tem 82 anos de idade, é viúva, está doente e vive num lar; a Ré é sua prima em segundo grau e o Réu, marido desta; a A. e seu falecido marido conseguiram um importante património imobiliário (vários terrenos rústicos e duas casas); em 2007 entrou em depressão profunda, tendo tentado o suicídio; a Ré levou-a para sua casa, pedindo-lhe as cadernetas prediais das suas propriedades; em casa da Ré a A. viu cerceados os contactos com as suas amigas; aproveitando-se da confiança que a A. lhes depositava e do pretexto de tratarem da habilitação de herdeiros do falecido marido da A., os RR levaram a A. ao cartório notarial, onde, sem disso tomar consciência, a A. celebrou as escrituras publicas de compra e venda e de doação de todos os seus imóveis, a favor dos Réus; a A. melhorou gradualmente do seu estado de saúde, voltou para sua casa e veio então a tomar conhecimento de tais escrituras, sendo que nunca lhe foi pago o preço da escritura de compra e venda e os imóveis valiam muito mais; a A. intentou uma acção declarativa de anulação por erro, com vista a reaver os seus imóveis; os RR. passaram a partir de então a depositar uma prestação mensal e vitalícia por conta do preço, em respeito do estabelecido na escritura; a acção veio a ser julgada improcedente, sem que se conhecesse da questão de mérito; após o que a Ré resgatou todo o dinheiro depositado numa conta conjunta que tinha com a Autora; os RR. nunca pagaram o preço à A.; a A. voltou a passar por nova crise grave de saúde e, por isso, apenas em 2017 deu entrada com uma participação criminal contra os RR., por crime de burla., vindo estes a ser absolvidos por falta de prova dos elementos subjectivos do crime; não podendo já pedir a anulação dos negócios, mantêm-se os mesmos em vigor; os RR. estão na posse dos imóveis.

Prevendo o contrato a transferência da propriedade de todos os bens imóveis da A. para os RR., em troca do pagamento por estes à A. de uma prestação mensal e vitalícia, paga 14 vezes ao ano, no valor de € 2.500,00, a A. vem reclamar destes o pagamento, que inclui prestações vencidas e vincendas e juros de mora sobre as vencidas.

Os Réus contestaram, sem deduzir reconvenção alegando, resumidamente que:

Negam que a A. alguma vez estivesse incapaz de compreender os actos de disposição de bens que veio a praticar; aceitam não terem pago o preço a que alude a escritura de compra e venda; contudo, emprestaram diversas quantias de dinheiro à A. ou suportaram despesas desta, nomeadamente encargos fiscais decorrentes dos contratos de compra e venda e doação celebrados com a A.; a A. moveu duas ações judiciais contra os RR., a primeira em Dezembro de 2007 e a segunda em Junho de 2009, procurando anular os negócios que com eles tinha efectuado, tendo posteriormente apresentado uma queixa crime; em Dezembro de 2009, os RR. deixaram de pagar a prestação a que se tinham vinculado e, em Janeiro de 2010, levantaram a quantia que tinham depositado na conta da A., uma vez que esta impugnava a validade dos acordos que tinha celebrado com os RR. e dizia não querer receber a contrapartida que tinha sido combinada, porque nunca manifestara a sua vontade nesse sentido; os RR. nunca chegaram a tomar posse dos bens da A. a que se reportam as escrituras de compra e venda e doação; estão disponíveis para cumprir o contrato a partir de agora, se efetivamente ficar claro que a A. não mais pretende pôr em causa a validade da transmissão da titularidade de tais bens para os RR.; mas não aceitam pagar as prestações vencidas reclamadas na presente ação, uma vez que só agora é que foram confrontados com a aceitação pela A. dos termos do negócio celebrado; desde 2007 ao presente, viram-se impedidos de rentabilizar o património em apreço, explorando-o, arrendando-o ou alienando-o parcialmente, porque ninguém se queria comprometer com eles em quaisquer negócios sobre tal património na pendência de uma queixa tão grave como aquela que era sustentada pela A..

Invocam, por isso, uma situação de impossibilidade objetiva, que impedia os RR. de cumprir a contrapartida assumida, ou, pelo menos, nos termos do art. 428.º do CC, uma situação de excepção de não cumprimento, em que os RR. tinham a faculdade de recusar a sua prestação, enquanto a A. sustentasse que a sua vontade tinha sido viciada, uma vez que a pendência de tal discussão impedia os RR. de tirar o devido proveito dos prédios em apreço; mais invocam o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, uma vez que, nesta ação a A. está a pretender prevalecer – para o passado – das declarações negociais que juntou e sempre sustentou serem falsas ou que nunca lhe foram entregues; o que igualmente configura má-fé; por fim, dizem-se disponíveis para, a partir de agora, e para o futuro, cumprirem o acordado, pagando a contrapartida a que se vincularam; em alternativa, dizem-se igualmente disponíveis para desfazer o negócio, num quadro justo e razoável, devendo ser reembolsados das quantias que adiantaram e compensados dos danos que sofreram.

A Autora veio responder às excepções, impugnando especificadamente a respectiva factualidade e, mantendo no essencial que, não tendo conseguido impugnar judicialmente os contratos, estes encontram-se em vigor no ordenamento e na esfera jurídica dos seus intervenientes, constituindo sobre estes direitos e obrigações, que têm que ser cumpridos para os dois lados. Mais refere que os RR. mudaram a fechadura da casa de ..., estando na posse do imóvel; nos terrenos de P..., os RR têm dado ordens aos trabalhadores e colhido os frutos das terras, pelo menos desde 2007, tendo nomeadamente mandado cortar as oliveiras dos olivais que lá existiam; em 2007, os RR tomaram posse da casa de P... e da casa do Monte, tendo exigido a entrega das chaves e trocado as fechaduras; apesar de ter tentado anular os negócios jurídicos celebrados por escritura pública, fê-lo de forma honesta e justa, através dos tribunais, sem nunca impedir a posse, o uso e a fruição dos bens que sabia estarem na disponibilidade jurídica e formal dos RR, pelo que não podem estes eximir-se ao cumprimento da obrigação de pagamento do preço com base na exceção de não cumprimento, por não haver nenhum incumprimento/cumprimento defeituoso das contraprestações a que a A. estava obrigada.

Por fim sustenta que o Tribunal já se pronunciou quanto à validade e eficácia do negócio celebrado, tendo decidido que o negócio era válido e eficaz; sendo o negócio válido e eficaz e tendo a A. cumprido sempre todas as obrigações que dele resultaram, não se compreende porque é que os RR se surpreendem com o pedido judicial de pagamento do preço acordado; concluindo que, se existe má fé nos autos, é dos RR que sempre litigaram contra a A, opondo-se à sua pretensão de anular o negócio, ganhando tempo e tirando proveito das propriedades transferidas, pretendendo agora eximir-se de pagar o preço devido.

Dispensando a audiência prévia, foi definido o seguinte objeto do litígio:“Acordo celebrado entre as partes nos termos do qual os réus se comprometeram a pagar à autora a quantia de €2.500, catorze meses por ano, vitaliciamente e respetivo incumprimento”.E enunciados estes temas de prova:“- Pagamentos efectuados pelos réus à autora em execução do acordado entre as partes; - Quantia devida pelos réus à autora; - Saber se o incumprimento dos réus é justificado pela impossibilidade objetiva de cumprimento ou pela excepção de não cumprimento; - Saber se a autora actua em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.”

Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente por não provada, e consequentemente, absolveu os Réus do pedido, por entender que: “o património da A. ingressou na esfera jurídica da R. e que os RR. tomaram posse dos prédios, como alegara a Autora; relativamente à defesa dos RR., afastou a impossibilidade objetiva de cumprimento ou a excepção de não cumprimento por estes invocada, mas considerou a existência de abuso de direito por parte da A., assentando a improcedência da ação nesta excepção.”

II - A Autora apelou daquela sentença, pugnando pela revogação do decidido em 1ª Instância e consequente condenação dos RR.; e os RR. defenderam a manutenção do decidido e subsidiariamente, solicitaram a ampliação do âmbito do recurso, tendo em atenção a também alegada excepção de não cumprimento.

No Tribunal da Relação foi proferido o seguinte acórdãoparte decisória:

“-…-

Termos em que se julga parcialmente procedente a impugnação subsidiária quanto à matéria de facto, sem consequências embora na decisão jurídica subsequente. E, parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida que se substitui por outra que, condena os Réus/apelados no pagamento à Autora/apelante da prestação mensal de € 2.500,00 (14 vezes/ano) desde a data da celebração do contrato (12/07/2007), bem como aos respetivos juros de mora que a partir do trânsito em julgado da última decisão cível (04/06/2012) se venceram sobre cada prestação, até efetivo e integral pagamento. Improcedendo a apelação quanto ao mais, no respeitante a juros.

Custas por apelante e apelados na proporção de 1/5 e 4/5, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que...

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