Acórdão nº 113/19.5BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 01-10-2020
Data de Julgamento | 01 Outubro 2020 |
Número Acordão | 113/19.5BELRA |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
I. Relatório
M….., titular do NIF ….., autor/recorrente, melhor identificado nos autos, vem interpor recurso da decisão do T.A.F. de Leiria, datada de 24.12.2019, que julgou parcialmente procedente a ação por si instaurada contra o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, na qual pedia a respetiva condenação no pagamento de uma indemnização, no montante de € 31.000,00.
A decisão ora colocada em crise julgou parcialmente procedente a ação e, julgando improcedente a arguida prescrição do respetivo direito, condenando o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos causados pela morosidade na administração da justiça, relativamente ao processo que correu termos junto deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria sob o n.º de processo 628/05.2BELRA, acrescida dos respectivos juros, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.
O Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“A douta sentença recorrida padece, desde logo, de erro de julgamento quanto aos factos, por insuficiência, na medida em que foi feita prova nos autos e foram apurados factos essenciais para a justa decisão da causa, referentes aos danos invocados e sofridos pelo A. e à importância da causa para o mesmo e que não constam da fundamentação de facto da sentença. 2} Para além da factologia que vem vertida nos pontos 102 e 103 da fundamentação de facto, provou-se o seguinte:
1) A douta sentença recorrida padece, desde logo, de erro de julgamento quanto aos factos, por insuficiência, na medida em que foi feita prova nos autos e foram apurados factos essenciais para a justa decisão da causa, referentes aos danos invocados e sofridos pelo A. e à importância da causa para o mesmo e que não constam da fundamentação de facto da sentença. 2} Para além da factologia que vem vertida nos pontos 102 e 103 da fundamentação de facto, provou-se o seguinte:
a) A casa do A. foi construída naquele exato local por ser uma zona tranquila, exclusiva de moradias e não estar prevista no PDM a construção de prédios, em razão das vistas de mar e do sossego e privacidade que a zona proporcionava, tendo sido dotada de uma área de jardim com piscina no logradouro atardoz - cfr.gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 4:27 a 7:45 e declarações da testemunha C….. nos minutos 35:29 a 36:30 e 37:11a 37:31;
b) O A. e a família envolveram-se pessoalmente na construção da casa, tendo feito parte da construção, sendo a casa muito importante, mesmo fundamental , para o A. e família enquanto projeto familiar- cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 8:03 a 8:55 e 8:57 a 9:22 e declarações da testemunha C….. nos minutos 36:40 a 37:09 e 38:10a 38:52;
c) Era nessa casa que a família tinha o seu local de refúgio e reunião familiar, já que o A. e o pai passavam muito tempo no estrangeiro a trabalhar e era também aí que o A. se reunia com os amigos, sendo que, nos anos seguintes à construção, em meados de 2000, o A. e família passavam lá todos ou quase todos os fins-de-semana e a sua irmã chegou a viver na casa nessa altura - cfr. gravação da· audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 6:05 a 7:25 e 20:20 a 21:20 e declarações da testemunha C….. nos minutos 44:23 a 44:36;
d) A construção do prédio confinante veio tapar a casa, impedir as vistas de mar e tirar toda a privacidade que a mesma proporcionava - cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 9:26 a 10:50 e declarações da testemunha C….. nos minutos 39:00 a 39:16;
e) O A. decidíu recorrer a Tribunal no sentido de obter uma definição jurídica acerca da situação: ver declarada a ilegalidade e reposta a justiça, ou, no caso de o tribunal considerar inexistir ilegalidade, ponderar outras opções, como vender a casa, podendo por termo às dúvidas e angústias que a situação suscitava e minorar prejuízos - dr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 12:18 a 12:39 e declarações da testemunha C….. nos minutos 39:40 a 40:00;
f) O A., por achar completamente anormal a demora do processo, insistia frequentemente com o seu advogado para saber novidades e certificar-se que o processo ainda corria trâmites, sendo que o pai chegou a deslocar-se ao Tribunal para obter informações acerca do processo - cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 15:10 a 17:30;
g) O desgosto pela demora do processo levou a que o A. e a família deixassem de frequentar a casa, sentindo-se mesmo vexados e envergonhados perante os vizinhos, que sabiam que o processo existia e, perante a ausência de decisão, interpelavam o A. dizendo "o que andas a fazer é a gastar dinheiro porque isso não vai dar em nada" -cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 13:45 a 15:04 e 22:03 a 23:14 e declarações da testemunha C….. nos minutos 40:14 a 40:55, 42:00 a 43:11 46:30 a 47:06;
h) A demora do processo gerou conflitos familiares em torno do mesmo - cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 17:31a 18:16 e declarações da testemunha C….. nos minutos 41:00 a 42:00;
i) Por força da demora do processo, o A. não confia na eficácia da Justiça Portuguesa, tendo o mesmo sido para si um martírio - cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 18:20 a 19:15 e declarações da testemunha C….. nos minutos 43:10-43:50;
j) O A. ponderou várias vezes desistir do processo, só queria esquecê-lo, depois de cerca de 4 anos de espera e do processo estar parado cerca de um ano - cfr. gravação da audiência ocorrida em 08/10/2019, declarações de parte do A. nos minutos 31:30- 32:00.
3} Como reconhece o Digno Tribunal a quo, o A., nas suas declarações de parte, e a testemunha C….., irmã do A., tudo atestaram de forma clara, escorreita, espontânea e credível, devendo os factos ser dados por provados.
4) Os mesmos são essenciais para a Justa composição do litígio, na medida em que corporizam os danos não patrimoniais especiais sofridos pelo A., e a especial gravidade dos danos comuns suportados, conexionada com a especial importância que a causa teve na vida do A. - tudo isto a pugnar pelo arbitramento de um montante indemnizatório mais elevado.
5) Portanto, devem os mesmos ser aditados à fundamentação de facto da decisão recorrida, a qual padece, aqui, de erro de julgamento quanto aos factos por insuficiência, impondo-se a respetiva sanação.
6) Não pode também aceitar-se o julgamento efetuado quanto aos danos sofridos pelo A. e sua quantificação, que é erróneo e não pode manter-se ·na ordem jurídica, pelos motivos que passamos a expor.
7) Em primeiro lugar, o A. alegou e provou danos morais que se distinguem do chamado dano comum, devendo assim considerar-se que o mesmo suportou na sua esfera jurídica danos que têm que reportar-se e tratar-se como especiais e diferenciados.
8) Referimo-nos aos factos que supra elencámos e que ficaram provados nos autos, ocorridos em razão do protelamento do processo e que se remetem ao prejuízo que aquele teve na dinâmica familiar do A. e na afetação dos seus hábitos e do seu trem de vida, a nível familiar, pessoal e social.
9) Como vimos supra e resulta provado nos autos, a demora na decisão do processo teve como efeito que o A. e a família deixassem de fruir 'da casa como até aí faziam, ao ponto de a ela não se deslocarem por se sentirem mesmo envergonhados e vexados perante os vizinhos pela falta de satisfação por parte do Tribunal quanto à situação que o A. levou a juízo, por reputar de ilegal.
10) O deixar de frequentar a casa ao longo do tempo e à medida do arrastar do processo, a vergonha perante os vizinhos pela ausência de decisão, os conflitos familiares gerados em torno da demora, tudo isto consubstancia ou acarreta sofrimentos de ordem psicológica, prejuízos de índole pessoal, familiar e social que configuram danos morais tuteláveis pelo direito, pela sua gravidade.
11)Numa palavra, que corporiza a situação e é perfeitamente apreensível por quem nos lê (e ouve a prova gravada): o A. empreendeu todo um esforço hercúleo para construir, com a ajuda financeira do pai e com a ajuda da família em geral, já que todos trabalharam na construção com as próprias mãos, uma casa de praia, num local idílico com vistas de mar e piscina, para ser gozado por todos nos seus poucos tempos livres, para ser o local eleito de reunião da família e promoção dos laços familiares.
12) No decurso do processo e por força da demora, de não existir uma decisão quanto à situação da casa ter ficado tapada pela construção do prédio, o A. e a família deixaram de frequentar a casa, passaram a comportar-se como se não tivessem a casa, que ficou mesmo desabitada e quase abandonada (nas declarações prestadas pode ouvir-se que o A. deixou pura e simplesmente de lá ir há anos, tal como o pai e que a irmã do A. vai lá esparsamente para ver se está em pé) !
13) Note-se que o A, ,tal como a maioria das pessoas, não tem um rol de casas, muito menos uma casa na praia com piscina, pelo que é imensamente significativo, do ponto de vista do estado psicológico em relação à questão, o deixar de ir a uma casa, que se trata de um bem que implica grande investimento financeiro e, no caso, que se construiu até pessoalmente e com muito esforço.
14) O projeto familiar, de fruição e de união, passou a fonte de conflitos, centrados na inexistência de desfecho do processo e no agravar do prejuízo económico que isso significou (acrescido ao esforço financeiro da construção da casa).
15) Estes danos...
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