Acórdão nº 11291/10.9TBVNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 24-03-2014

Data de Julgamento24 Março 2014
Número Acordão11291/10.9TBVNG.P1
Ano2014
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº. 11291/10.9TBVNG.P1
3ª Secção Cível
Relator - Juiz Desembargador Oliveira Abreu (88)
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Adjunta - Juíza Desembargadora Maria José Simões
Tribunal de Origem do Recurso – Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia (1ª Vara de Competência Mista)
Apelantes/B…, SA. e C…, S.A., na qualidade de representante e administradora da D…
Apeladas/C…, S.A., na qualidade de representante e administradora da D… e B…, SA.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia (1ª Vara de Competência Mista), C…, S.A., na qualidade de representante e administradora da D…, intentou a presente acção ordinária destinada a exigir responsabilidade contratual, contra B…, SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €6.157.368,40, relativa às rendas devidas desde 1 de Julho de 2010 até ao termo do prazo contratual inicial e a quantia de €491.279,40, a título indemnizatório pela mora no pagamento das rendas vencidas relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010, acrescidas de juros de mora à taxa aplicável aos créditos das empresas comerciais desde a citação.
Articulou com utilidade a existência de uma relação locatícia e no não pagamento das rendas acordadas, por entender que o pedido/comunicação de resolução, formulado pela Ré, não tem sustentação factual, sendo ilegal.
Regularmente citada, contestou a Ré, defendendo-se, por impugnação motivada, sustentando a Ré que o imóvel em causa foi propriedade da E…, Lda.; que a R. foi contactada pela dita E… para tomar de arrendamento o dito imóvel; que a E… no âmbito de operação financeira, alienou à ora A. o imóvel em causa no dia 07 de Abril de 2008; que a A. e R. celebraram contrato de arrendamento do imóvel em 1 de Junho de 2008; com data de 7 de Abril de 2008 a R. subarrendou o imóvel à E…; em momento posterior foi alterado o contrato de arrendamento – a 30 de Maio de 2008; desde sempre a E… esteve a ocupar e a laborar no dito imóvel, até 29 de Setembro de 2010, data em que cessou a sua laboração no local; sustenta ainda a R. que a A. era sabedora desta operação financeira; que bem sabia ter a E… cessado a sua actividade no local; que por comportamento posterior da A. a R. viu-se impedida de subarrendar total ou parcialmente o imóvel a terceiros; que após cessação da E… a R. constatou que o local não tem licença de utilização, padecendo o imóvel de vários defeitos; que a razão de ser e fundamento da operação financeira, alteraram-se substancialmente por força da crise internacional, mormente, no sector imobiliário.
Conclui a Ré que a resolução do contrato de arrendamento que comunicou à Autora é perfeitamente lícito.
A Autora apresentou resposta, concluindo como na petição inicial.

Procedeu-se ao saneamento da demanda.
Foi elaborada a selecção dos factos pertinentes à decisão da causa, com consignação expressa dos factos assentes e controvertidos.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, de acordo com o formalismo legal, tendo o Tribunal “a quo” proferido decisão da matéria de facto.
Entretanto foi proferida sentença tendo o Tribunal recorrido, no respectivo segmento dispositivo, concluído conforme consignado:
“Nos termos e fundamentos expostos julgo esta acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a R. a pagar à A. a quantia de 524.031,36 €, acrescida de juros de mora à taxa legal. No mais, vai a R. absolvida.
Custas pela A. e R., na proporção do decaimento (confrontar artigo 446.º do Código de Processo Civil).”

É contra esta decisão que julgou a acção parcialmente procedente, que a Ré/B…, SA., e, a Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, se insurgem formulando as seguintes conclusões:

Da apelante Ré/B…, SA.

1. Os factos dados como provados pelo tribunal a quo são suficientes para alicerçar a total improcedência do pedido formulado pela A.
2. Os factos constantes dos factos assentes sob as alíneas I) e J) estão em contradição com os factos assentes sob as alíneas O) e P).
3. Porque não existe qualquer acto administrativo a ordenar a licença de utilização esta licença inexiste.
4. O licenciamento é consubstanciado pelo acto administrativo que a defere e reconhece (artº 74º e 75º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - Dec Lei nº 555/99).
5. Deve ser emitida de acordo com o procedimento administrativo regulado nos artºs. 62º a 65º do RJUE (Dec Lei 555/99).
6. O alvará de licença de utilização é o título que documenta essa licença e acto administrativo – cfr artº 74º do RJUE.
7. Ora, não existindo acto administrativo de deferimento ou concessão de licença, não pode existir alvará.
8. É uma decorrência lógica que, se não existe acto a deferir a licença de utilização, não pode existir o alvará de licença de utilização.
9. Sendo certo que na contestação a R. contesta a existência do alvará de utilização, pelo que os factos constantes das referidas alíneas I) e J) são factos controvertidos que nunca poderiam ser considerados assentes.
10. Razão pela qual esses factos devem ser eliminados do elenco dos factos provados.
11. Resulta dos factos provados (e a própria Autora o alega na p.i.), que a R. enviou à Autora carta registada a proceder à resolução do contrato.
12. A questão litigiosa consiste em saber se a R. tinha fundamento válido para proceder á resolução do contrato de arrendamento comercial.
13. Não existe qualquer facto provado que demonstre que a R. tinha conhecimento do estado do locado quando celebrou o contrato de arrendamento.
14. Resulta dos artºs 44º a 56 da contestação que a R. não tinha conhecimento do estado do locado quando celebrou o contrato de arrendamento.
15. A A. não impugnou os factos alegados nos artºs 44º a 55º da contestação, que constituem matéria de excepção.
16. Assim sendo, nos termos do disposto no artº 659º nº 3 Cod Proc. Civil, devem ter-se como assentes tais factos.
17. Mediante o elenco destes sobreditos factos, é patente que a R. não poderia saber do estado em que se encontrava o imóvel e, designadamente, das suas eventuais deficiências.
18. Com efeito, se só em 29/09/2010 é que a R. recebeu, por correio, as chaves do identificado imóvel por parte dessa sociedade E… e se só nessa data a R. teve acesso ao imóvel, não poderia esta saber do estado do imóvel.
19. O imóvel não está licenciado, nem tem licença de utilização, o que é demonstrado pelos factos assentes sob as alíneas O), P), Q), R), S), T), U), V), W), X), Y), Z) AA), CC), SS), TT), UU), VV), WW), XX), YY).
20. OS factos assentes sob as alíneas i) e j) só podem ser provados por documento, o qual não existe.
21. Com efeito, do processo e dos autos não consta., nem o alvará de licença de utilização, nem o original nem cópia do alvará.
22. A única menção que se faz desse alvará ocorre na escritura pública de compra e venda do imóvel junto com a réplica, sendo esta é uma simples menção da respectiva existência.
23. Mas de qualquer modo, mesmo que existisse esse alvará – que não está nos autos – a verdade é que ele seria o título representativo de uma licença.
24. Ora, esta licença não existe, logo não pode existir alvará, e se existisse esse alvará seria falso e obtido por fraude á lei.
25. A licença de utilização é requisito essencial e indispensável de celebração de contrato de arrendamento (artigo 1070.º do código civil e artigo 2.º, alínea d) do decreto-lei n.º 160/2006, de 8 de agosto).
26. A R. tem o direito de resolver o ajuizado contrato, uma vez que a ausência da existência deste formalismo acarreta a respectiva nulidade (artº 219º Cod. Civil).
27. Uma vez que ficou provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento ajuizado não tem licença de utilização, nem o correspondente alvará de utilização, que titula licença.
28. Tendo ficado provado que o imóvel objecto do contrato de arrendamento em crise carece de licença de utilização, bem como de alvará de licença de utilização.
29. A Ré tem o direito de resolver o contrato de arrendamento celebrado, nos termos do artigo 5.º, n.ºs 5 e 7 do Decreto-Lei n.º 160/2006.
30. A Ré não tem o gozo nem a fruição do imóvel para os fins a que se destina, como está provado nos factos Y), Z), AA), CC), RR), SS), TT), UU), VV), WW), XX), YY).
31. Mediante essa sobredita factualidade é patente que a R., inquilina, está impedida de gozar e fruir o imóvel para o fim a que se destina, de acordo com o fim contratual.
32. Sendo certo que, como consta dos factos provados nas alíneas II) e NN) era a finalidade do arrendamento o subarrendamento.
33. E se o edifício não está licenciado e se é necessário proceder à execução de obras de vulto para a respectiva legalização e iniciar, depois, disso, um procedimento administrativo para licenciamento do edifício, é patente que a R. não pode fruir e gozar o imóvel em causa para o fim a que contratualmente as partes o destinaram o contrato de arrendamento.
34. Assim existe, nesta parte, motivo e fundamento para a resolução do contrato, por violação dos deveres de prestação por parte da A.
35. Finalmente a resolução do contrato, decorrente de alteração anormal das circunstâncias, também é uma evidência, tal como decorre dos factos assentes nas alíneas II), JJ), KK), LL), MM), NN), OO), PP),
36. Estes factos determinam a ocorrência de uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes celebraram o contrato – artº 437º C. Civil.
Termos em que, com o douto suprimento do omitido, deve merecer provimento o presente recurso e ser revogada a douta sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente a acção.

Houve contra-alegações, pugnando a Apelada/Autora/C…, SA., na qualidade de representante e administradora da D…, pela improcedência do recurso interposto, sustentada nas seguintes conclusões.

1ª Não há qualquer contradição entre a matéria provada constante das alíneas a) e J) e a das
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT