Acórdão nº 11245/19.0T8PRT-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 24-09-2020
Judgment Date | 24 September 2020 |
Acordao Number | 11245/19.0T8PRT-B.P1 |
Year | 2020 |
Court | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso n.º 11245/19.0T8PRT-B.P1 (EmbDespejo01)
Relator: Joaquim Correia Gomes:
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos; Filipe Caroço
Recorrente/Embargante: B…
Recorrida/Embargada: C…
foi proferida saneador-sentença em 09/jan./2020 onde se decidiu julgar improcedentes os embargos, determinando-se o prosseguimento da execução.
1.1. Mediante requerimento de 04/jul./2019 a executada tinha deduzido embargos à execução, sustentando que a entrega de coisa imóvel apenas pode ter como título executivo uma sentença proferida em ação de despejo, considerando que a decisão dada à execução não tem força executiva.
1.2. A exequente contestou em 25/out./2019, invocando que a presente execução é para entrega de coisa imóvel certa e tem por base uma sentença condenatória, pois muito embora tenha anteriormente qualificado a ação como de simples apreciação positiva, termina com o pedido de reconhecimento e declaração pelo Tribunal que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais existente termina em 31/dez./2017, tendo como consequência a entrega do locado, livre de pessoas e bens, pela R. à A. nesta data, pugnando pela improcedência dos embargos.
2. A embargante interpôs recurso em 18/fev./2020, pugnando no seguinte sentido:
a) Revogação da decisão que julgou improcedentes os embargos à execução e substituí-la por outra que declare extinta a acção executiva por falta de título executivo, com a consequente anulação de todos os actos praticados, nomeadamente a entrega do locado,
Se assim não se entender,
b) Declarar procedente a oposição à entrega do imóvel arrendado, ordenando-se a sua restituição à executada.
Para o efeito apresentou as conclusões, que passamos a transcrever:
1º. Nas acções de simples apreciação (positiva ou negativa) está ausente a ideia de violação efectiva de um direito; a actividade do Tribunal esgota-se na verificação judicial da existência ou inexistência de direito ou facto jurídico, cuja incerteza grave e objectiva, constitui o fundamento deste tipo de acções (art. 10.º, n.º 3, al. a), do CPC);
2º. Consequentemente, na acção de simples apreciação o autor não pode exigir ao réu qualquer prestação por não estar pressuposto nenhuma; diversamente, as acções de condenação pressupõem uma situação de lesão ou violação efectiva do direito, tendo por objecto exigir uma prestação que, sendo exigível, não foi cumprida;
3º. Daí que, ao contrário do que sucede nas acções de condenação, as sentenças proferidas em acções de simples apreciação não têm eficácia executiva;
4º. Juridicamente qualificada, a acção declarativa que antecede a presente execução é uma acção de simples apreciação positiva;
5º. Para além de a própria Autora (ora exequente) qualificá-la expressamente como tal (cfr. cabeçalho da petição inicial), a natureza de simples apreciação da acção declarativa foi reconhecida e declarada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.6.2018, qualificação que foi renovada pelo Acórdão do mesmo Tribunal de 8.11.2018, proferido no seguimento de arguição de nulidade;
6º. Diz-se expressis et apertis verbis no referido Acórdão da Relação do Porto de 27.6.2018: “Quando a autora instaurou a acção, o contrato de arrendamento, segundo a sua própria alegação (ou seja, pressupondo a transição para o NRAU) ainda não havia cessado. O que significa que, à data da instauração da acção, a permanência da ré no arrendado era lícita, não violando qualquer direito da autora. Não poderia, pois, a autora instaurar qualquer outro tipo de acção contra a ré que não uma acção de simples apreciação (cfr., art. 10.º, n.º 3, do CPC” (sic);
7º. Por sua vez, por Acórdão de 8.11.2018, o mesmo Tribunal da Relação do Porto deixou exarado que: “Como se vê, o dispositivo da sentença não contém qualquer condenação da ré a entregar o arrendado. Apenas se declara e se reconhece que o contrato de arrendamento cessou em 31.12.17 e que tal cessação tem como consequência (legal) a entrega do arrendado. Se, naquela data, a ré não tiver entregue voluntariamente o arrendado, a autora só poderá obter essa entrega se instaurar o procedimento especial de despejo previsto nos arts. 15.º e seguintes do NRAU” (sic);
8º. Firmado, com trânsito em julgado, que a sentença exequenda, proferida em acção de simples apreciação, não contém (nem podia conter) na sua parte dispositiva a condenação da Ré (ora executada) a entregar o arrendado, daí segue-se a manifesta falta de título executivo na execução dos autos;
9º. Com efeito, nos termos da al. a), do n.º 1 do art. 703.º do CPC, apenas têm força executiva as sentenças condenatórias, isto é, as decisões pelas quais o Tribunal impõe um comando de cumprimento de uma obrigação ao réu;
10º. Sendo certo que em matéria de títulos executivos vigora o princípio da tipicidade; a enunciação do art. 703.º do CPC tem natureza taxativa, e, como tal, não é possível o alargamento do catálogo de títulos executivos por interpretação extensiva, e, menos ainda, por analogia;
11º. A sentença dada à execução não condena a Ré a proceder à entrega do locado; limita-se a declarar que a entrega é uma consequência (legal) do termo futuro do contrato;
12º. Ou seja, nesse segmento a sentença exequenda não tem valor dispositivo, nem podia tê-lo pela singela e decisiva razão de a acção não ter por causa de pedir a violação pela Ré da obrigação de entrega do locado;
13º. Na realidade, ao tempo da propositura da acção, o arrendamento era plenamente válido e eficaz, e, sendo-o, não podia a Autora imputar à Ré o incumprimento da obrigação de entrega do arrendado, nem pedir a sua condenação;
14º. É que o pedido de condenação judicial no cumprimento tem por causa de pedir a aquisição do direito a prestação exigível, supondo o incumprimento, e visa, como efeito prático, a possibilidade de cumprimento forçado da obrigação;
15º. As considerações vertidas na decisão recorrida em torno da figura da condenação implícita têm a natureza de obiter dictum (e, portanto sem alcance vinculativo), uma vez que, nos seus próprios dizeres, se fundou no entendimento (erróneo) de que a sentença exequenda contém uma condenação judicial expressa da Ré no cumprimento coactivo da obrigação de entrega do locado;
16º. Sem prejuízo, considerando que, à luz do pedido e da causa de pedir da acção declarativa, a sentença exequenda não podia condenar a Ré (como, efectivamente, não condenou) no cumprimento da obrigação de entrega, por maioria de razão seria inadmissível uma pronúncia condenatória implícita;
17º. A simples declaração judicial da data em que opera o termo do contrato de arrendamento não pode ser executada, porquanto a lei exige que a execução tenha por base uma sentença condenatória, isto é a imposição de uma ordem judicial de actuação;
18º. Donde, para obter a entrega do arrendado, a autora terá de recorrer ao procedimento especial de despejo, como foi decidido, com força de caso julgado, pelo douto Acórdão da Relação do Porto de 8.11.2018;
19º. A execução para entrega de coisa imóvel arrendada apenas pode ter como título executivo uma sentença proferida em acção de despejo, quando o despejo tem lugar através do PED, o título executivo é constituído no âmbito desse procedimento especial;
20º. A acção de despejo é uma acção constitutiva porque tem por finalidade provocar uma alteração na ordem jurídica existente (a cessação imediata do arrendamento), pressupondo (i) um pedido de cessação do contrato de arrendamento; (ii) e que, ao tempo da entrada em juízo da petição inicial, se tenha já verificado o facto constitutivo da cessação do arrendamento (vg. a concreta violação contratual ou o termo do prazo);
21º. Ora, a acção que antecedeu a presente execução não é uma acção de despejo: a Autora não imputa à Ré a violação de qualquer obrigação, e não peticiona o despejo, o que, aliás, não podia pedir por o contrato se encontrar na sua própria versão, em vigor;
22º. Ergo, não constituindo a decisão exequenda uma sentença proferida em acção de despejo, inexiste título executivo para a presente acção executiva de entrega de imóvel arrendado;
23º. Dada a instrumentalidade do processo executivo face ao direito substantivo, a execução é determinada, tanto na causa de pedir como no pedido, pelo conteúdo do título executivo, ou seja, este determina o fim e os limites da acção executiva;
24º. Consequentemente, somente a demonstração da aquisição do direito a uma prestação permite a dedução de um pedido executivo;
25º. Ora, a sentença dada à execução não incorpora a aquisição do direito ao cumprimento da obrigação de entrega do locado, nos termos legalmente tabelados;
26º. Em suma, seja porque a sentença exequenda não é uma decisão proferida em acção de despejo, seja porque não contém nenhum segmento condenatório, verifica-se a falta de título executivo, o que determina a extinção da execução (arts. 729.º, al. a) e art. 849.º, n.º 1, al. f), ambos do...
Relator: Joaquim Correia Gomes:
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos; Filipe Caroço
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. Neste processo n.º 11245/19.0T8PRT-B do Juízo Execução do Porto, J1, da Comarca do Porto, em que são:Recorrente/Embargante: B…
Recorrida/Embargada: C…
foi proferida saneador-sentença em 09/jan./2020 onde se decidiu julgar improcedentes os embargos, determinando-se o prosseguimento da execução.
1.1. Mediante requerimento de 04/jul./2019 a executada tinha deduzido embargos à execução, sustentando que a entrega de coisa imóvel apenas pode ter como título executivo uma sentença proferida em ação de despejo, considerando que a decisão dada à execução não tem força executiva.
1.2. A exequente contestou em 25/out./2019, invocando que a presente execução é para entrega de coisa imóvel certa e tem por base uma sentença condenatória, pois muito embora tenha anteriormente qualificado a ação como de simples apreciação positiva, termina com o pedido de reconhecimento e declaração pelo Tribunal que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais existente termina em 31/dez./2017, tendo como consequência a entrega do locado, livre de pessoas e bens, pela R. à A. nesta data, pugnando pela improcedência dos embargos.
2. A embargante interpôs recurso em 18/fev./2020, pugnando no seguinte sentido:
a) Revogação da decisão que julgou improcedentes os embargos à execução e substituí-la por outra que declare extinta a acção executiva por falta de título executivo, com a consequente anulação de todos os actos praticados, nomeadamente a entrega do locado,
Se assim não se entender,
b) Declarar procedente a oposição à entrega do imóvel arrendado, ordenando-se a sua restituição à executada.
Para o efeito apresentou as conclusões, que passamos a transcrever:
1º. Nas acções de simples apreciação (positiva ou negativa) está ausente a ideia de violação efectiva de um direito; a actividade do Tribunal esgota-se na verificação judicial da existência ou inexistência de direito ou facto jurídico, cuja incerteza grave e objectiva, constitui o fundamento deste tipo de acções (art. 10.º, n.º 3, al. a), do CPC);
2º. Consequentemente, na acção de simples apreciação o autor não pode exigir ao réu qualquer prestação por não estar pressuposto nenhuma; diversamente, as acções de condenação pressupõem uma situação de lesão ou violação efectiva do direito, tendo por objecto exigir uma prestação que, sendo exigível, não foi cumprida;
3º. Daí que, ao contrário do que sucede nas acções de condenação, as sentenças proferidas em acções de simples apreciação não têm eficácia executiva;
4º. Juridicamente qualificada, a acção declarativa que antecede a presente execução é uma acção de simples apreciação positiva;
5º. Para além de a própria Autora (ora exequente) qualificá-la expressamente como tal (cfr. cabeçalho da petição inicial), a natureza de simples apreciação da acção declarativa foi reconhecida e declarada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.6.2018, qualificação que foi renovada pelo Acórdão do mesmo Tribunal de 8.11.2018, proferido no seguimento de arguição de nulidade;
6º. Diz-se expressis et apertis verbis no referido Acórdão da Relação do Porto de 27.6.2018: “Quando a autora instaurou a acção, o contrato de arrendamento, segundo a sua própria alegação (ou seja, pressupondo a transição para o NRAU) ainda não havia cessado. O que significa que, à data da instauração da acção, a permanência da ré no arrendado era lícita, não violando qualquer direito da autora. Não poderia, pois, a autora instaurar qualquer outro tipo de acção contra a ré que não uma acção de simples apreciação (cfr., art. 10.º, n.º 3, do CPC” (sic);
7º. Por sua vez, por Acórdão de 8.11.2018, o mesmo Tribunal da Relação do Porto deixou exarado que: “Como se vê, o dispositivo da sentença não contém qualquer condenação da ré a entregar o arrendado. Apenas se declara e se reconhece que o contrato de arrendamento cessou em 31.12.17 e que tal cessação tem como consequência (legal) a entrega do arrendado. Se, naquela data, a ré não tiver entregue voluntariamente o arrendado, a autora só poderá obter essa entrega se instaurar o procedimento especial de despejo previsto nos arts. 15.º e seguintes do NRAU” (sic);
8º. Firmado, com trânsito em julgado, que a sentença exequenda, proferida em acção de simples apreciação, não contém (nem podia conter) na sua parte dispositiva a condenação da Ré (ora executada) a entregar o arrendado, daí segue-se a manifesta falta de título executivo na execução dos autos;
9º. Com efeito, nos termos da al. a), do n.º 1 do art. 703.º do CPC, apenas têm força executiva as sentenças condenatórias, isto é, as decisões pelas quais o Tribunal impõe um comando de cumprimento de uma obrigação ao réu;
10º. Sendo certo que em matéria de títulos executivos vigora o princípio da tipicidade; a enunciação do art. 703.º do CPC tem natureza taxativa, e, como tal, não é possível o alargamento do catálogo de títulos executivos por interpretação extensiva, e, menos ainda, por analogia;
11º. A sentença dada à execução não condena a Ré a proceder à entrega do locado; limita-se a declarar que a entrega é uma consequência (legal) do termo futuro do contrato;
12º. Ou seja, nesse segmento a sentença exequenda não tem valor dispositivo, nem podia tê-lo pela singela e decisiva razão de a acção não ter por causa de pedir a violação pela Ré da obrigação de entrega do locado;
13º. Na realidade, ao tempo da propositura da acção, o arrendamento era plenamente válido e eficaz, e, sendo-o, não podia a Autora imputar à Ré o incumprimento da obrigação de entrega do arrendado, nem pedir a sua condenação;
14º. É que o pedido de condenação judicial no cumprimento tem por causa de pedir a aquisição do direito a prestação exigível, supondo o incumprimento, e visa, como efeito prático, a possibilidade de cumprimento forçado da obrigação;
15º. As considerações vertidas na decisão recorrida em torno da figura da condenação implícita têm a natureza de obiter dictum (e, portanto sem alcance vinculativo), uma vez que, nos seus próprios dizeres, se fundou no entendimento (erróneo) de que a sentença exequenda contém uma condenação judicial expressa da Ré no cumprimento coactivo da obrigação de entrega do locado;
16º. Sem prejuízo, considerando que, à luz do pedido e da causa de pedir da acção declarativa, a sentença exequenda não podia condenar a Ré (como, efectivamente, não condenou) no cumprimento da obrigação de entrega, por maioria de razão seria inadmissível uma pronúncia condenatória implícita;
17º. A simples declaração judicial da data em que opera o termo do contrato de arrendamento não pode ser executada, porquanto a lei exige que a execução tenha por base uma sentença condenatória, isto é a imposição de uma ordem judicial de actuação;
18º. Donde, para obter a entrega do arrendado, a autora terá de recorrer ao procedimento especial de despejo, como foi decidido, com força de caso julgado, pelo douto Acórdão da Relação do Porto de 8.11.2018;
19º. A execução para entrega de coisa imóvel arrendada apenas pode ter como título executivo uma sentença proferida em acção de despejo, quando o despejo tem lugar através do PED, o título executivo é constituído no âmbito desse procedimento especial;
20º. A acção de despejo é uma acção constitutiva porque tem por finalidade provocar uma alteração na ordem jurídica existente (a cessação imediata do arrendamento), pressupondo (i) um pedido de cessação do contrato de arrendamento; (ii) e que, ao tempo da entrada em juízo da petição inicial, se tenha já verificado o facto constitutivo da cessação do arrendamento (vg. a concreta violação contratual ou o termo do prazo);
21º. Ora, a acção que antecedeu a presente execução não é uma acção de despejo: a Autora não imputa à Ré a violação de qualquer obrigação, e não peticiona o despejo, o que, aliás, não podia pedir por o contrato se encontrar na sua própria versão, em vigor;
22º. Ergo, não constituindo a decisão exequenda uma sentença proferida em acção de despejo, inexiste título executivo para a presente acção executiva de entrega de imóvel arrendado;
23º. Dada a instrumentalidade do processo executivo face ao direito substantivo, a execução é determinada, tanto na causa de pedir como no pedido, pelo conteúdo do título executivo, ou seja, este determina o fim e os limites da acção executiva;
24º. Consequentemente, somente a demonstração da aquisição do direito a uma prestação permite a dedução de um pedido executivo;
25º. Ora, a sentença dada à execução não incorpora a aquisição do direito ao cumprimento da obrigação de entrega do locado, nos termos legalmente tabelados;
26º. Em suma, seja porque a sentença exequenda não é uma decisão proferida em acção de despejo, seja porque não contém nenhum segmento condenatório, verifica-se a falta de título executivo, o que determina a extinção da execução (arts. 729.º, al. a) e art. 849.º, n.º 1, al. f), ambos do...
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