Acórdão nº 112/12.8TBOFR.C2 de Tribunal da Relação de Coimbra, 09-10-2018

Data de Julgamento09 Outubro 2018
Número Acordão112/12.8TBOFR.C2
Ano2018
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Nos autos de inventário para partilha de bens da herança de Aurora G (…) e marido R (…) instaurados em 28.3.2012, no Tribunal da Comarca de Oliveira de Frades, em que são interessados M (…) (requerente) casada com A (…) no regime da comunhão de adquiridos e C (…) (cabeça-de-casal) casado segundo o regime da comunhão geral de bens Cf. o documento de fls. 190. com R (…), o cabeça-de-casal interpôs recurso da sentença homologatória da partilha, proferida a 19.4.2018, impugnando ainda as decisões interlocutórias proferidas em 16.10.2015 e 31.01.2017, com as seguintes conclusões:
1ª - Em 29.6.2009, pelo inventariado R (…) foi feito um testamento em que legou os bens imóveis a ambos os filhos, ou seja, foi feita uma disposição que teve por objecto coisa certa e determinada do património comum.
2ª - Em 15.7.2013 o Tribunal a quo vem declarar a nulidade das disposições em espécie constantes do referido testamento.
3ª - A 31.7.2013, perante a decisão acima citada, o Recorrente apresentou um requerimento onde requereu que o valor dos bens relacionados sob as verbas n.ºs 5 a 16 da Relação de Bens fosse considerado, oportunamente, valor do legado aos Interessados C (…) e M (…)conforme decisão de 15.7.2013.
4ª - Por despacho de 17.9.2015 foi designado o dia de 02.10.2015 para proceder ao sorteio dos lotes dos bens não licitados.
5ª - Tendo-se apercebido o Recorrente que, apesar de ter requerido a 31.7.2013 o valor pecuniário dos bens objecto do legado, o Tribunal a quo nada tinha feito nesse sentido, veio apresentar requerimento a 28.9.2015 requerendo, mais uma vez, que lhe fosse reconhecido o seu direito de legatário a exigir o valor em dinheiro do legado que lhe foi efectuado de acordo com o art.º 1685º, n.º 2 do Código Civil (CC), renovando, desta forma, o que já antes havia requerido em 31.7.2013. Tal pedido foi indeferido pela decisão de que ora se recorre.
6ª - Tal pedido foi indeferido através do despacho de 16.10.2015 Rectificou-se a data., fls. 212, o que levou a que o Recorrente recorresse dessa decisão interlocutória para este Tribunal da Relação.
7ª - A 18.3.2016 este Tribunal da Relação decidiu não conhecer do objecto do recurso dado o despacho determinativo da forma da partilha só poder ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha.
8ª - No seguimento das considerações feitas naquele Acórdão o Tribunal a quo proferiu o despacho de 16.5.2016 no qual ordenou que se elaborasse o mapa de partilha «de acordo com a forma constante de fls. 187 a 189 e resultado do sorteio constante da acta de fls. 206 a 207».
9ª - Elaborado o mapa de partilha o Recorrente vem reclamar do mesmo a 17.11.2016, na medida em que não foi dado cumprimento às previsões do requerimento do cabeça-de-casal (fls. 187 a 189), que o Mm.º Juiz ordenou servissem de forma da partilha.
10ª - A 31.01.2017, a fls. 292, o Tribunal a quo decidiu das reclamações apresentadas pelo Cabeça-de-Casal e pela Requerente M (…) improcedendo a reclamação daquele e procedendo a reclamação desta.
Neste seguimento ordenou a rectificação do mapa da partilha de acordo com a reclamação da Requerente M (…).
11ª - A 06.3.2018 foi elaborado o mapa da partilha de fls. 298 a 300 e a 17.4.2018 foi homologado por sentença a partilha, segundo o mapa de de fls. 298 a 300.
12ª - Esta Relação no seu acórdão de 18.3.2016 deixou claro ao Tribunal a quo que o direito a exigir o respectivo valor em dinheiro dos legados considerados nulos, em conformidade com o disposto no art.º 1685º, n.º 2 do CC, era uma questão “definitivamente arrumada” a nível dos presentes autos, uma vez que já tinha sido decidida por força do despacho de fls. 117 a 129, de 15.7.2013, já transitado.
13ª - O Tribunal a quo, no despacho de indeferimento da reclamação ao mapa da partilha, de que ora se recorre, entendeu que os imóveis objectos de legado devem ser relacionados como bens normais pertencentes à herança e que o Cabeça-de-Casal não tem direito a exigir o dinheiro do legado efectuado, de acordo com o despacho de fls. 212.
14ª - Por sua vez a sentença da partilha homologou o mapa da partilha sem que no mesmo o valor de cada um dos imóveis fosse imputado ao legado em valor feito pelo Inventariado R(…) a cada um dos Interessados nos termos constantes do testamento por si realizado em 29.6.2009, e cujas disposições em espécie foram declaradas nulas.
15ª - Na decisão interlocutória de fls. 212, que indeferiu o requerido pelo Recorrente a fls. 198 e 199, o Tribunal a quo partia (e parece agora partir, já que remete para aquele despacho) do pressuposto errado que Recorrente/Interessado/Cabeça-de-Casal apenas a 28.9.2015 requereu que lhe fosse reconhecido o seu direito de legatário a exigir o valor em dinheiro do legado que lhe foi efectuado de acordo com o art.º 1685º, n.º 2 do CC, o que não corresponde à verdade.
16ª - Logo após declaração de nulidade das disposições em espécie constante do testamento do inventariado, o Recorrente apresentou requerimento (a 31.7.2013), onde requereu expressamente que lhe fosse reconhecido aquele direito, sendo que o requerimento de 28.9.2015 apenas reiterou o que já anteriormente tinha vindo a ser requerido.
17ª - Ao contrário do que vem dito na decisão recorrida o interessado não mudou de pretensão, aliás firmou a mesma logo após a declaração de nulidade das disposições em espécie previstas no testamento.
18ª - De qualquer forma, era também obrigação do Tribunal, visto que já havia um requerimento nesse sentido, questionar a parte se mantinha ou não interesse no requerido, visto que o Tribunal a quo não se havia ainda pronunciado sobre o requerimento de 31.7.2013.
19ª - Segundo o Tribunal a quo naquele despacho de fls. 212, para o qual remete, para que o interessado e cabeça-de-casal C (…) receba o valor em dinheiro desses bens sempre poderá, após o sorteio e depois de satisfeito/composto o quinhão da interessada M (…), «vender os bens que no mesmo lhe couberam, se assim o entender, tanto mais que, inexistindo dinheiro vivo no acervo hereditário, a única forma de o cabeça-de-casal se pagar em dinheiro será alienando bens da herança.».
20ª - Não consegue o Recorrente acompanhar o raciocínio/iter cognitivo do Tribunal a quo. Tendo sido declarados nulos os legados em espécie (valendo, todavia, como legados em valor) não tem sentido falar-se, sequer, da venda dos bens legados. Além disso, não são os bens incluídos no legado que se declarou nulo que necessariamente estão adstritos a solver a dívida que os legados em valor traduzem.
21ª - Aquela decisão de fls. 212 esvazia por completo o direito que é reconhecido aos legatários de exigirem o valor da coisa determinada, tendo como consequência prática a nulidade total, e não apenas quanto à forma, da deixa testamentária, violando manifestamente o disposto no n.º 2 do art.º 1685º do CC.
22ª - Contudo, o Tribunal a quo parece ter tido consciência dessa violação quando, no seu despacho determinativo do modo como devia ser organizada a partilha (de 16.5.2016), ordena que a mesma se realize de acordo com a forma constante de fls. 187 a 189.
23ª - Acontece que, não tendo o mapa sido elaborado dessa forma, e tendo novamente a possibilidade de se pronunciar após a reclamação ao mapa apresentada pelo cabeça-de-casal, o Tribunal a quo recupera, sem que nada fizesse crer, a tese do despacho de fls. 212.
24ª - E, por sua vez, homologa por sentença a partilha segundo o mapa da partilha de fls. 298 a 300, elaborado com base naquela tese, em violação manifesta do disposto no n.º 2 do artigo 1685º do CC.
Remata pugnando pela revogação do despacho de indeferimento da reclamação apresentada pelo Recorrente [de 31/01/2017, fls. 292] e da sentença homologatória das partilhas [de 17/4/2018], alvos do presente recurso, e reconhecendo ao Recorrente o direito a exigir o valor em dinheiro do legado que lhe foi efectuado pelo inventariado M (…) Pureza não respondeu à alegação de recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar, sobretudo, da (i)legalidade dos despachos de 16.10.2015 e 31.01.2017 (questão identificada com o direito do legatário exigir o valor em dinheiro da coisa certa e determinada objecto de disposição testamentária até efectuar a partilha), e subsequente tramitação deles dependente, incluindo a sentença homologatória.
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II. 1. Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente relatório e a seguinte factualidade:
a) Os inventariados A (…) e R (…) casados no regime de comunhão geral de bens, faleceram, respectivamente, em 23.4.2007 e 12.02.2012.
b) Em 29.6.2009, R (…), no Cartório Notarial de …, realizou Testamento, no qual declarou: //Que, sendo viúvo lega por conta da sua quota disponível ao seu filho C (…), a casa de habitação inscrita na matriz sob o artigo urbano … e o urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de …. //Mais acrescenta que efectua os seguintes legados em substituição da legítima: //Ao seu filho C (…), os artigos rústicos inscritos na matriz sob o artigo …; artigo rústico …; artigo rústico …; artigo rústico …; artigo rústico … e o aviário que se encontra omisso na matriz, sendo que todos se situam na freguesia de …; //À sua filha M (…), os artigos rústicos …, …, …, …, … e o urbano inscrito na matriz sob o artigo …, todos da freguesia de ….» (cf. o documento de fls. 40).
c) Por decisão proferida nos autos em 15.7.2013, o Tribunal a quo determinou o seguinte (cf. fls. 126 a 128):
«2. Da nulidade dos legados realizados pelo Inventariado
Invoca a reclamante a nulidade dos legados constantes de testamento referido no facto n.º 2, uma vez que os bens legados integravam o património do extinto casal formado pelos aqui Inventariados e, cumulativamente, ainda que sem determinação de parte ou direito, da herança ilíquida e indivisa
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