Acórdão nº 1118/05.9BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 19-06-2024

Data de Julgamento19 Junho 2024
Número Acordão1118/05.9BELRA
Ano2024
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

S… - S… Automóveis, SA., inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial contra as liquidações de IVA e juros compensatórios, relativas aos períodos mensais dos exercícios de 2001, 2002 e 2003, no valor total de € 407.802,36, emitidas pelo Subdirector-Geral dos Impostos, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo terminando as suas alegações de recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«A) – Salvo o devido respeito que a douta sentença recorrida nos merece, a recorrente não concorda, contudo, com a correção à sua dedução do IVA dos anos de 2001, 2002 e 2003, com fundamento no n º 30 do artigo 9º do CIVA.

B) – Com efeito, no período compreendido entre os anos de 2001 até 2004, a atividade do comércio automóvel manteve-se inalterada no objeto social da recorrente embora nos referidos exercícios a utilização dos edifícios da Estrada d… e do A…, em Leiria, tenham estado afetos a uma atividade isenta.

C) - Ora, o enquadramento fiscal das empresas, nas quais se inclui a recorrente, nomeadamente em sede de IVA, deve ser analisado de forma dinâmica e em função da sua própria história.

D) – Acresce que a utilização do edifício da Estrada d.., em Tomar e do A…, em Leiria, a partir de 2005 passou a estar sujeita a IVA, pelo que a recorrente deixou de estar impedida de manter o direito eduzir o IVA que tinha suportado em 2001, 2002 e 2003, na respetiva construção e ou reparação.

E) – Neste contexto, não pode o enquadramento em sede de IVA ser circunscrito a um determinado período sob pena de o resultado de tal enquadramento se tornar em si mesmo contraditório com a realidade concreta do contribuinte, neste caso da recorrente.

F) – Além disso, prevendo a lei um período de cinco ou vinte anos para que o ativo imobilizado esteja afeto a uma atividade sujeita, não faz sentido que o direito à dedução seja exclusivamente aceite e validado em função da atividade exercida no ano da aquisição do imobilizado.

G) – Por último, a razão de ser do método do cálculo do direito à dedução do IVA consagrado nos artigos 23º e 24º é independente e não está relacionada com a obrigação de regularização do IVA previsto no artigo 25º do CIVA, cuja razão de ser deste é impor um período mínimo ou de cinco ou de 20 anos, durante os quais o ativo imobilizado tem de estar afeto a uma atividade sujeita para efeitos do direito à dedução da totalidade do IVA suportado com esse imobilizado.

H) – De tudo o exposto resulta serem ilegais as liquidações pelo que tem a recorrente direito a juros indemnizatórios a calcular sobre a quantia de € 343.197,25, desde 19 de dezembro de 2013 até integral reembolso.

I) - Deste modo, a douta sentença recorrida fez errada aplicação do n º 30 do artigo 9º e do artigo 25º, ambos do CIVA.

Termos em que, com aplicação da multa pelo mínimo legal, deve ser admitida a junção dos cento e trinta e sete documentos, vindo a final o presente recurso ser julgado provado e procedente e em consequência ser anulada a douta decisão recorrida, anulando-se a totalidade das liquidações adicionais de IVA relativas a 2001, 2002 e 2003 sendo ainda reconhecido o direito a juros indemnizatórios a calcular sobre a quantia de € 343.197,25, desde 19 de dezembro de 2013 até integral reembolso.»


Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida não contra-alegou.


O Supremo Tribunal Administrativo declarou-se hierarquicamente incompetente para conhecer do Recurso, indicando como Tribunal competente este Tribunal Central Administrativo.


A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Antes de mais, importa apreciar da admissibilidade dos documentos juntos pela recorrente com a alegação de recurso.

Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa ainda apreciar e decidir se a sentença recorrida:

i) efectuou errada apreciação dos factos ao aferir o direito à dedução do IVA em causa apenas pela concreta actividade exercida pela recorrente nos exercícios em que ocorreu o direito à dedução, sem ter em conta que mais tarde passaram a estar sujeita a IVA;

ii) Incorreu em erro de julgamento de direito na interpretação do artigo 9.º, n.º 30 e artigo 25.º ambos do CIVA e quanto à legalidade das correcções efectuadas pela AT segundo o método da afectação real ao julgar que a recorrente estava impedida de deduzir no ano da aquisição dos imóveis, o IVA suportado na construção e aquisição dos imóveis.


*

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A. A Impugnante, “S… – S… Automóveis, S.A.”, foi constituída em 03.01.1974, como sociedade por quotas, tendo por objecto social “a compra e venda de automóveis motorizados e respectivos acessórios e assistência”, a que corresponde o CAE 50100 – cfr. relatório de inspecção tributária (RIT), a fls. 19 a 72 do PAT apenso, que se dá por integralmente reproduzido;

B. O objecto social da Impugnante nunca foi alterado – cfr. RIT e depoimento das testemunhas, P… e A…;

C. Com base na ordem de serviço n.º 25440, de 18.09.2003, da Direcção de Finanças de Santarém, os Serviços Inspecção Tributária iniciaram, em 13.10.2004, uma acção de inspecção interna, em sede de IVA, relativamente à análise de um pedido de reembolso efectuado no período de 2003.06, que terminou a 10.12.2004 – cfr. RIT, a fls. 50 a 72 do PAT apenso;

D. Em 14.12.2004, foi elaborado o RIT, no qual se conclui, na parte relevante, o seguinte:

“1.2.1 Correcções Técnicas

1- Em sede de IVA

Conforme se descreve no capítulo III deste relatório são propostas em sede de IVA a efectuar no exercício de 2003, em consequência de deduções indevidas de IVA (artº 20º, nº 1, al. a) do CIVA) por aplicação do método da afectação real, e falta de regularização de IVA por aplicação da percentagem de dedução também conhecido pelo método “pro rata”, métodos previstos respectivamente, no n.º 2 e n.º 1 do artº 23º do CIVA, bem como, das regularizações de bens do activo imobilizado nos termos do artº 24º do CIVA (…).

(…) É proposta também, no final do ponto 3.1.1.1 uma correcção ao enquadramento da actividade principal do sujeito passivo nomeadamente para o CAE 70200 referente à actividade de “arrendamentos de bens imobiliários” com reporte a 01/01/2001.

Por outro lado, e de acordo com o descrito no ponto 3.1.1.2 propõe -se uma correcção ao enquadramento em sede de IVA para a actividade do sujeito passivo nomeadamente a obrigatoriedade de efectuar a dedução de imposto segundo a afectação real nos termos do artº 23º nº 2 e nº 3 do CIVA, de parte da actividade.

(…) III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES TÉCNICAS MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

3.1- ANO de 2003

3.1.1- Em sede de IVA (…)

3.1.1.1 Enquadramento da actividade do sujeito passivo

(…) Até ao ano de 2000, a sociedade desenvolveu normalmente a sua actividade de compra e venda de automóveis conforme era o seu objecto social, porém, em 2001 a situação inverteu-se, deixando a empresa de exercer de forma normal a actividade que até aí vinha desenvolvendo.

De facto, já no relatório de Gestão referente ao exercício de 2000, é feita referência ao desinvestimento ocorrido nesse ano, referindo-se que foi retirado do “(…) seu património todo o imobilizado que não fazia parte do negócio de compra e venda da empresa, principalmente as lojas e o equipamento de transporte que nele existiam”. Prevendo-se, à data, que em 2001 se daria início à construção de novas instalações para a concessão de Tomar, num investimento previsto de 200.000 contos. Conclui-se, ainda, no referido relatório, que “(…) em síntese, 2000 foi um ano de viragem para a empresa, passando a integrar o Grupo L…, re-orientando em 2001 a sua actividade para a gestão de activos imobiliários ” (sublinhado nosso).

Também é referido nesse relatório, referente ao exercício de 2000, que “(…) no cumprimento da estratégia definida para a empresa, toda a actividade comercial da S… ligada ao comércio de veículos e acessórios automóveis, foi transferida para a L, concentrando esta empresa toda a actividade comercial ligada à marca P”.

Sendo ainda referido, quanto às perspectivas futuras, que o “(…) objectivo é preparar a empresa para a gestão imobiliário de todo o património existente nas empresas detidas pela holding, pelo que todos os activos que estiverem directamente ligados à comercialização automóvel serão desafectados da empresa durante o exercício de 2001” (sublinhado nosso). De acordo com o objectivo traçado, já será esta empresa a fazer os investimentos de construção e gestão das novas instalações da L, S.A., usadas por esta última no exercício da sua actividade, em Leiria e Tomar, num volume de investimento previsto de 700.000cts.

Ora, de facto, em 01/11/2000 a S, S.A., procedeu a um contrato de cedência de posição contratual que detinha relativamente à P… (desde 1995) para a empresa L, S.A., produzindo efeitos a partir de 01/01/2001.

Em simultâneo, foi estabelecido em adenda um protocolo entre a S, S.A. e a L, S.A., que visa estabelecer as contrapartidas pela cessão efectuada, e que estabelece o montante de 23.000.000$00 ano, com carência de um ano, pelo que só produziria efeitos a partir de 2002. Ficou também estabelecido neste protocolo, que a utilização das instalações de concessão automóvel, propriedade da...

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