Acórdão nº 1115/16.9PJPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 30-05-2018

Data de Julgamento30 Maio 2018
Número Acordão1115/16.9PJPRT.P1
Ano2018
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
RECURSO PENAL n.º 1115/16.9PJPRT.P1
Secção Criminal
Conferência

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
a) No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Singular n.º 1115/16.9PJPRT, do Juízo Local Criminal do Porto-J2, da Comarca do Porto, por sentença proferida a 26 de Janeiro de 2018, foi a arguida B…, com os demais sinais dos autos, absolvida da prática do crime de detenção de estupefacientes para consumo, previsto e punível pelo art. 40º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, que lhe estava imputado.
b) Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
1ª Nos presentes autos foi a arguida absolvida da prática de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40º, n.ºs 1 e 2 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência a Tabela I - C anexa aquele diploma, de que fora acusada;
2ª A sentença que absolveu a arguida considerou como provado que esta detinha droga e que a destinava ao seu consumo pessoal durante um período inferior a 10 dias;
3ª Ao considerar tal factualidade a Senhora Juiz entendeu não haver qualquer responsabilidade criminal da arguida e ordenou a extracção de certidão para apuramento da sua responsabilidade contra-ordenacional nos termos do estipulado na Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro;
4ª Contudo, salvo melhor opinião, entendemos que a factualidade dada por provada é passível de enquadrar a prática do crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artº 40º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, crime pelo qual havia sido acusada.
5ª E tal deve-se ao facto de a quantidade de droga apreendida à arguida exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
6ª Com efeito, existindo nos autos um exame pericial à droga detida pela arguida, exame efectuado pelo Laboratório de Polícia Científica, e do qual consta expressamente o respectivo princípio activo e o grau de pureza das referida droga, impõe-se que seja aplicado ao caso o plasmado na Portaria 94/96, de 26 de Março.
7ª Assim, dado por provado que a arguida detinha para seu consumo exclusivo 23,676 gramas (peso líquido) de cannabis (resina), com uma THC (grau de pureza) de 8,4%, há que concluir que a arguida detinha produto estupefaciente que excedia, largamente, a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
8ª Na verdade, de acordo com a alínea a) na nota n.º 3 à Tabela anexa à Portaria 94/96, de 26 de Março, o valor diário de 0,5 de cannabis corresponde a uma concentração média de 10%;
9ª Pelo que, tendo sido dado por provado que a arguida detinha cannabis (resina) com o peso líquido de 23,676 gramas que corresponde um grau de pureza de 8,4%, então a conclusão lógica a extrair é a de que a arguida detinha produto estupefaciente em quantidade suficiente para o consumo médio individual durante o período de 39 dias, conforme o mencionou o exame pericial do LPC, constante de fls. 36 dos autos.
10ª Assim, não pode ser aplicado ao caso o disposto no art. 2º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, porquanto tal normativo só tem aplicação às situações em que a droga detida não excede o suficiente para o consumo médio individual durante 10 dias.
11ª Do exposto, há que concluir que a arguida deveria ter sido condenada pelo crime de consumo de estupefacientes, p. e p, pelo art. 40º, n.º 2, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, conforme o determinado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2008, de 25 de Junho.
12ª Ao absolver a arguida de todo e qualquer crime e concretamente do crime do art. 40º, nº. 2 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o normativo previsto no pelo art. 40º, n.º 2, do Dec. Lei nº 15/93, e na Portaria nº 94/96 de 26 de Março e bem assim o previsto no artº 2º da Lei nº 30/2000 de 29 de Novembro, devendo ser revogada e substituída por outra que contemple a condenação da arguida pela prática de tal ilícito.
c) Admitido o recurso, por despacho de fls. 155, respondeu a arguida pugnando, pela sua improcedência e manutenção do decidido, não se transcrevendo as conclusões já que estas são a reprodução pura e simples – com pequenas divergências de pormenor, v.g. no ponto XII onde se aditou a frase “em audiência de julgamento” – da motivação da convicção do Tribunal que consta de fls. 133, último parágrafo, ao antepenúltimo parágrafo de fls. 138, e de fls. 139 a 141.
d) Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da existência da nulidade prevista no art. 379º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal – excesso de pronúncia – por virtude de ter sido questionado o valor de prova pericial sem ter sido devidamente fundamentada a divergência, concluindo pelo reenvio do processo à 1ª instância ou, a entender-se de modo diverso, pelo provimento do recurso.
e) Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não houve resposta.
f) Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica,[1] que as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Assim, no caso sub judicio, a questão suscitada é a da errónea subsunção dos factos ao direito.
*
2. A fundamentação de facto da decisão recorrida, no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição)
A) Factos Provados
1. No dia 23 de Setembro de 2016, cerca das 22h30, a arguida B… encontrava-se no Largo …, no Porto, e tinha na sua posse, junto do soutien que vestia vários pedaços de canabis (resina), com o peso líquido de 23,676g, e com um grau de pureza de 8,4% (THC), o que corresponde, segundo a perita responsável pela perícia ao estupefaciente e que teve em conta como dose média individual diária o valor de 0,05g, a 39 doses.
2. Ora, a arguida detinha 23,676g de canabis-resina, com 8,4% de princípio activo, pelo que tal quantidade corresponde a (23,676 x 8,4%) ou seja a aproximadamente 1,988 gramas de princípio activo e a (1,988:0,5= 3,976), ou seja menos de 5g (10 dias X 0,5), o que não excede a quantidade para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
3. O produto estupefaciente que a arguida detinha destinava-se ao seu consumo próprio e exclusivo e não excede a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
4. A arguida detinha o produto estupefaciente acima descrito, destinando-o ao seu consumo, por período inferior a 10 dias, sabendo quais eram as suas características, natureza e efeitos estupefacientes e que a sua posse, detenção e consumo são proibidos por lei.
5. A arguida agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
6. Nada consta no certificado de registo criminal da arguida.
7. A arguida é solteira e tem um filho de 4 anos de idade, a seu cargo.
8. A arguida tem um companheiro, empregado de copa, e que aufere mensalmente cerca de €550,00.
9. A arguida encontra-se desempregada, beneficiando do RSI no valor mensal de €200,00.
10. A arguida e o seu agregado familiar vivem em casa arrendada, cuja renda se cifra em €200,00.
11. A arguida completou o 9º ano de escolaridade.
12. A arguida beneficia do auxílio material do seu pai.
13. A arguida admitiu factos relevantes.
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B) Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados nos autos ou em audiência, nem outros, não escritos, contrários ou incompatíveis com os provados, nomeadamente que:
a) A quantidade de canábis resina que a arguida detinha, excedia a necessária para o seu consumo médio individual durante o período de dez dias.
*
C) Motivação
O decidido fundamenta-se na análise crítica e comparativa da prova produzida, a saber:
A arguida admitiu ser seu o estupefaciente apreendido e nas circunstâncias em que o foi, bem como admitiu destinar o estupefaciente ao seu consumo próprio e exclusivo.
Referiu que não adquiriu o estupefaciente a pessoa da sua confiança.
Mais disse que, por dia, fuma cerca de 5/6 “charros”, pelo que o estupefaciente que detinha era por si consumido num período inferior a 10 dias.
O declarado pela arguida foi ainda conjugado com o auto de apreensão de fls. 4, o teste rápido de fls. 5, o exame pericial de fls. 36, bem como o CRC da arguida.
Ora, in casu o LPC efectuou o exame a que se refere o art. 10º n.º 1 da Portaria n.º 94/96, tendo fixado o grau de pureza do estupefaciente, canábis resina, com o peso líquido de 23,676g, e com um grau de pureza de 8,4% (THC), o que corresponde, segundo a perita responsável pela perícia, Dr.ª C…, a 39 doses. Com efeito, em esclarecimentos, disse a perita que não atendeu ao facto de na tabela anexa à Portaria n.º 94/96, de 26/Mar, no que respeita à canabis (resina), ser indicado o valor de 0,5 g, o qual tem por subjacente a “dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Canabis e como referência uma concentração média de 10% de ∆9THC, conforme encontra-se anotado nessa mesma tabela.
A Portaria n.º 94/96, de 26/Mar., que de acordo com o seu preâmbulo, teve o propósito de viabilizar a realização da perícia médico-legal e do exame médico referidos nos art. 52.º e 43.º do Decreto-Lei n.º 15/93, estabelece segundo o seu art. 9.º que “Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte
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