ACÓRDÃO Nº 111/2015
Processo n.º 61/2014
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente o Clube de Futebol União de Coimbra e são recorridos A. e Outros, B. e C., foi interposto recurso, em 23 de dezembro de 2013 (fls. 350 a 355), ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido pela 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em 10 de dezembro de 2013 (fls. 337 a 342), que confirmou o despacho reclamado que, sem conhecer do seu objeto julgou findo, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo Clube de Futebol União de Coimbra da sentença que decretou a sua insolvência.
2. Embora o recorrente tenha invocado a inconstitucionalidade de várias normas, a relatora proferiu despacho de não conhecimento das questões relativas às normas retiradas dos artigos 14.º, n.º 1, 40.º, n.º 3, e 42.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, que foi aprovado inicialmente pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março («CIRE»), o qual, não tendo sido reclamado, transitou em julgado, e determinou a notificação do recorrente para apresentar alegações escritas relativamente às questões identificadas nos §§ 1 e 5 do recurso de constitucionalidade (fl. 373), ou seja, em relação (i) à inconstitucionalidade da norma retirada do artigo 17.º do CIRE, quando interpretado “no sentido de a remissão plasmada em tal norma legal para o Código de Processo Civil englobar igualmente a matéria dos recursos e seus requisitos de admissibilidade (maxime critérios de valor e sucumbência!), atentas as diferenças específicas face aos demais processos cíveis bem como a consagração especial, específica e já restritiva dos efeitos do recurso de douta sentença de insolvência”; e (ii) à inconstitucionalidade da norma constante do artigo 15.º do CIRE, quando interpretada “no sentido de prolação da douta sentença sem fixação do valor e com fixação processual do ativo, quando determinado a posteriori face à douta sentença, não constituir nulidade insanável e de conhecimento oficioso e poder ser atendível para efeitos de inadmissibilidade do recurso a apresentar por pessoa coletiva, contra quem a insolvência tenha sido requerida e no qual a mesma lute pela sua sobrevivência, por nenhuma relação existir entre tal quantitativo e os interesses em jogo e a preservar”.
3. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:
“A. Com o presente recurso não pretende a recorrente colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de "manifestação de posição contrária", assente numa discordância de opinião e com suporte legal no art. 20° CRP;
B. É inconstitucional, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva, proporcionalidade, proibição do excesso e ofensa mínima da restrição de direitos fundamentais, a dimensão normativa e entendimento do art. 17° CIRE no sentido de a remissão plasmada em tal norma legal para o CPC englobar igualmente a matéria dos recursos e seus requisitos de admissibilidade (maxime critérios do valor e sucumbência!), atentas as diferenças específicas face aos demais processos cíveis bem como a consagração especial, específica e já restritiva dos efeitos do recurso de douta sentença de insolvência;
C. O critério do valor (limite da alçada do Tribunal de comarca) não pode configurar condição objetiva de recorribilidade, uma vez que, para além de absolutamente inócuo para aquilatar de tal realidade (inexiste qualquer correspetividade entre o valor do ativo de uma pessoa coletiva insolvenda e o significado do valor, entendido como ”a utilidade económica imediata do pedido"!), ainda se mostra o art. 17° CIRE omisso face a tal questão concreta (basta notar que o art. 14° CIRE apenas proíbe um terceiro grau de recurso!) e os direitos, expectativas e interesses dos demais intervenientes processuais se mostraram já devida e suficientemente salvaguardados com os efeitos limitados conferidos ao recurso de douta sentença de insolvência, nos termos do n.º 3 do arts. 40° e 42° CIRE;
D. Tal critério do valor não encontra correspondência em nenhum dos artigos do CPC, sendo portanto inovatório e especifico para tal realidade, pelo que constituindo uma realidade processualmente diversa do que se mostrava pensado no CPC, não se podendo ter por aplicável um argumento que se mostra enraizado nos critérios de determinação do valor processual expressamente plasmados em tal codificação quando do ponto de vista processual a recorrente tem legitimidade e, na falta de impedimento legal expresso, não poderá ser aplicada qualquer analogia dissemelhante e restritiva de direitos fundamentais!
E. Se tivesse sido intenção do legislador (o qual nos termos do n.º 3 art. 9° CC acaba por consagrar as soluções mais acertadas e sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados), condicionar o recurso à verificação dos requisitos legalmente plasmados no CPC, então teria tido o cuidado de colocar expressamente tais ressalvas, o que não fez, resultando assim que a recorribilidade será livre e sem amarras, ressaltando claramente da letra da lei que o recurso pelo devedor se não mostra condicionado a qualquer pressuposto, muito menos assente em manifesto accountl value shopping!
F. Não se vislumbra réstia de igual tratamento conferido aos efeitos dos recursos no âmbito do CPC, face àqueles que são conferidos no CIRE (arts. 40° n.º. 3, 42° n.ºs 1, 2 e 3, 43° e 158° n.º 2), em que não se suspende o processo, a própria revogação da sentença de insolvência não afeta os atos praticados pelos órgãos de insolvência e pode ter lugar a realização de atos urgentes (a contender com o perecimento ou depreciação de bens), estando-se assim perante uma concordância prática e harmoniosa composição de todos os direitos em jogo que não permitirá defender irrecorribilidade de sentença de insolvência com base exclusiva no critério do valor!
G. Não se percebe como justificar o cercear de direitos constitucionalmente tutelados (como seja o direito de acesso a tutela jurisdicional efetiva!) quando nenhum dano decorre de tal exercício, uma vez que o processo não se suspende, os atos indispensáveis são praticados e até à liquidação e partilha há um sem número de diligências a levar a cabo e que podem ser feitas, sendo que, ademais, o n.º. 1 do art. 14° CIRE em lado algum permite concluir no sentido de o critério do valor e limite da alçada do Tribunal de comarca, configurar condição objetiva de recorribilidade, uma vez que é tal norma omissa face a tal questão concreta e os direitos, expectativas e interesses dos demais intervenientes processuais se mostrarem já devida e suficientemente salvaguardados com os efeitos limitados conferidos ao recurso de douta sentença de insolvência, nos termos do n.º. 3 do arts. 40° e 42° de tal diploma;
H. Terá o princípio da...