Acórdão nº 1104/13.5TASTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08-09-2015
Data de Julgamento | 08 Setembro 2015 |
Número Acordão | 1104/13.5TASTR.E1 |
Ano | 2015 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
10
Processo n.º 1104/13.5TASTR.E1
Reg. N.º 773
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1ª subsecção criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - Relatório
1 - No âmbito dos autos de Instrução n.º 1104/13.5TASTR, do Tribunal Judicial da Comarca de S, Instância Central - Instrução Criminal - Juiz 1, foi proferido despacho que decidiu, indeferir o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade de abertura desta fase processual, porquanto os factos alegados no RAI - requerimento de abertura de instrução - não integram a prática do alegado crime de "Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução", previsto e punido pelo "artigo 360° do Código Penal", pelos dez denunciados melhor identificados a fls. 191 e 192, que apenas, o assistente, LMRGJ imputa a cada um deles.
2 - O assistente, inconformado, interpôs recurso dessa decisão instrutória que não pronunciou os mencionados arguidos.
Conluie da seguinte forma:
“1- O requerimento de abertura de instrução cumpriu todos os requisitos legais.
2- No art. 52° do requerimento de abertura de instrução, o assistente indicou a disposição legal aplicável, como exige a alínea c) do n.º 3 do art. 283º CPP.
3- Se a qualificação jurídica dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução é outra no entendimento do Tribunal a quo, deve aplicar-se o n.º' 5 do art. 303º CPP e não rejeitar o requerimento.
4- O requerimento de abertura de instrução contém toda a factualidade necessária a elaboração de um despacho de pronúncia.
5- O assistente narrou rodos os factos que fundamentam a aplicação de uma pena aos arguidos.
6- O assistente confirma o vertido no art. 46° do RAI.
7- Tal não põe em causa o cumprimento dos requisitos legais exigidos para a elaboração do RAI.
8- O Acórdão Uniforme de Jurisprudência n.º 7 /2005, de 12/05 não tem aplicação in casu, pois que todos os factos e disposições legais foram alegados no RAI.
9- Existe doutrina que considera que o assistente ou arguido devem ser convidados a perfeiçoar o RAI, faltando alguém ou alguns dos seus requisitos, com excepção da falta de narração dos factos nesse requerimento.
10- O recorrente entende que a interpretação do Tribunal a quo é inconstitucional, por violação do principio da legalidade previsto no artigo 219º da C.R.P. ínsito nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283, do CPP, ex vi art. 287º n.º 2 CPP, segundo a qual o assistente não indica as disposições legais aplicáveis quando indica o artigo do crime em causa.
11- O despacho recorrido violou 283°, n.º 3 alínea c) l n.º 5, do art. 303º e o 287° n.º 2, todos do C.P.P. e ainda o artigo 219° da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos de direito, dando-se provimento ao recurso, deve revogar-se o despacho recorrido por outro que declare aberta a instrução.
Assim se fará Justiça! ”
3 - O recurso foi admitido. Após cumprido o art. 411º n.º 6, do C.P.P., o MºPº apresentou a sua resposta, onde, conclui:
“1 - O requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação alternativa ao arquivamento ou à acusação decididos pelo Ministério Público;
2 - Donde, deve o requerimento para abertura de instrução conter todos os elementos de uma acusação, mormente os factos que consubstanciam o ilícito que se pretende imputar ao arguido/denunciado e, de forma inequívoca, indicar as disposições legais aplicáveis, em ordem a delimitar o objecto do processo;
3 - O RAI apresentado pelo assistente nos presentes autos contém expressões genéricas e imprecisões factuais que impedem a delimitação dos factos que são imputados aos denunciados, inviabilizam a selecção do tipo de crime no qual serão subsumíveis e não permitem que se anteveja a moldura penal aplicável, impedindo globalmente a delimitação do objecto do processo;
4 - O assistente, referindo que mentiram na qualidade de testemunhas e assistentes, imputa aos denunciados a prática do crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360º do Código Penal, sem identificar com rigor a qualidade em que cada um deles prestou depoimento/declarações (como testemunhas ou como assistentes), sendo certo que, enquanto assistentes, as alegadas falsas declarações nunca serão Passiveis de integrar o aludido crime mas eventualmente o crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art.º359º n.º 1 do Código Penal;
5 - Perante a insuficiência e imprecisão dos factos descritos no RAI, uma alteração de factos a este respeito operada na decisão instrutória implicaria a imputação aos arguidos de crime diverso e, nessa medida, configuraria uma alteração substancial dos factos, acarretando a nulidade da decisão instrutória;
6 - A omissão ou a insuficiência da narrativa dos factos no requerimento de abertura de instrução traduzem-se em casos de inadmissibilidade legal da instrução, por falta de objecto, nos termos do disposto no art. 287º n.º 3 do Código de Processo Penal;
7 - O RAI é equiparado a uma acusação, sendo insusceptível de convite ao aperfeiçoamento;
8 - Destarte, bem andou o Mmo. Juiz de Instrução ao rejeitar liminarmente o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, não merecendo, por isso, qualquer censura o despacho recorrido.
Pelo exposto, negando provimento ao recurso, far-se-á JUSTIÇA! ”
4 - A Digna Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal de recurso, emitiu douto parecer concluindo:
“Analisados os fundamentos do recurso, nada nos resta acrescentar à correcta e muito bem fundamentada argumentação oferecida pela digna magistrada do Ministério Público junto do tribunal de 1ª instância na resposta ao recurso interposto que acompanhamos e, integralmente, subscrevemos.
E, sem necessidade de outros considerandos, por despiciendos, emitimos parecer no sentido de que o recurso interposto deve ser julgado improcedente.”.
5 - Foi cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do C.P.P. O assistente apresentou resposta ao parecer do MP, concluindo nos mesmos termos da suas conclusões da motivação de recurso
6 - Foram colhidos os vistos legais.
7 - Cumpre decidir
II - Fundamentação
2.1 - O teor do despacho recorrido, na parte que interessa, é o seguinte:
“ (…) Vem o assistente requerer a abertura da instrução contra os dez denunciados melhor identificados a fls. 191 e 192, imputando a cada um deles a prática em autoria material de um crime de "Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução", previsto e punido pelo "artigo 360° do Código Penal".
Cumpre pois saber se o requerimento de abertura de instrução contém de forma clara os factos necessários para que os putativos arguidos possam ser responsabilizados pela prática deste crime ou de qualquer outro e se dá uma qualificação jurídica concreta aos factos que permita aos arguidos saber qual o crime pelo qual respondem e qual a moldura penal a que se sujeitam.
*
Resulta do teor do artigo 287°, n.º 2, do CPP que o requerimento de abertura da instrução deduzido pelo assistente deve conter as menções previstas no artigo 283°, n.º 3, als. b) e c) do mesmo código. (…).
Conforme tem vindo a ser unanimemente afirmado pela doutrina e jurisprudência, esta exigência corresponde à materialização de um imperativo constitucional, sendo uma decorrência da estrutura acusatória do processo prevista no artigo 32°, n.º 5, da Constituição da República portuguesa.
(…)
Daqui se extrai a relevância desta peça processual no âmbito da fase, equiparada portanto à acusação do M'P".
(…)
Naturalmente que, tal como numa acusação, a enunciação dos factos deve ser clara, precisa e unívoca, não sendo admitidas formulações alternativas nem ao nível dos factos essenciais do crime, nem ao nível do direito. Por outras palavras, nenhuma acusação (e por conseguinte nenhum requerimento de abertura de instrução do assistente) pode dizer "o arguido ou agiu da forma x ou da forma y e portando deve ser condenado (ou pronunciado) pelo crime a ou pelo crime b".
De facto, quando confrontado com uma acusação ou com um requerimento de abertura de instrução de assistente, um arguido deve poder olhar para essa peça processual e saber:
- quais os factos que em concreto lhe são imputados, em especial de entre os essenciais para o preenchimento do tipo de crime;
- qual o crime ou crimes concretos que lhe são imputados e qual a sua moldura penal abstracta.
No caso concreto, o assistente imputa aos denunciados a prática do crime de "Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução", previsto e punido pelo artigo 360° do Código Penal.
Começamos desde logo por notar que este crime tem duas formas distintas com molduras penais diversas e que o assistente não distingue.
De facto, o n.º 1, do citado artigo prevê uma forma "simples" deste ilícito, consubstanciada apenas na prestação de depoimento (no que aqui releva) falso como testemunha, punível com pena de prisão de seis meses a três anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.
1 Neste sentido, entre muitos outros, cfr. Ac. da Rel. do Porto de 14-07-2010, proe. n° 579/08.9GDVFRA.Pl; Ac. da Rel. do Porto de 20-01-2010, proe. n." 361/08.3PAPVZ.P 1; Ac. da Rel. de Évora de 19-03-2013,...
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