Acórdão nº 1101/14.8T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 15-01-2019
Data de Julgamento | 15 Janeiro 2019 |
Número Acordão | 1101/14.8T8LRA.C1 |
Ano | 2019 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. M (…) instaurou a presente acção declarativa comum contra A (…) e R (…) pedindo a condenação dos Réus a reconhecerem que é meeira no património comum do casal dissolvido por divórcio, composto pelo prédio urbano constituído por casa de rés-do-chão para habitação e logradouros, inscrito na matriz predial urbana, no ano de 1967, da freguesia de X... e Y..., sob o art.º 11... e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de W... sob o n.º 22... [a)] e que aquele património comum do casal, dissolvido por divórcio em 12.12.1983 entre A. e A (…) nunca foi objecto de qualquer partilha [b)], bem como, depois de invocar a usucapião como forma de aquisição do prédio em causa [“c)”], a absterem-se da prática de actos que obstem ou perturbem a posse e o direito da A. sobre o referido prédio urbano [d)] e a verem declarados nulos e de nenhum efeito todos e quaisquer actos, escrituras, registos, averbamentos ou diligências que porventura tenham tido por objecto o prédio acima descrito [e)] e, por último, que seja ordenado o cancelamento de todos os registos efectuados sobre o mencionado prédio com base em quaisquer escrituras, testamentos, documentos particulares, bem como os registos posteriores junto das Conservatórias de Registo Predial [f)][1].
Alegou, em síntese: em 27.11.1955, contraiu casamento, em primeiras e únicas núpcias de ambos, no regime de comunhão geral de bens, com A (…); aquela união dissolveu-se por divórcio por mútuo consentimento em 15.12.1983; do património comum do casal fazia parte o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de X... e Y... sob o art.º 11... e descrito sob o n.º 22... na CRP de W..., construído em terreno doado verbalmente pelos pais do falecido A..., a este e à A., já no estado de casados entre si, para aí erguerem a sua casa de habitação; as obras foram realizadas e custeadas inteiramente pela A. e o então falecido marido, que concluíram a moradia no ano de 1956 e efectuaram depois obras de conservação e melhoramento; o dissolvido casal nunca procedeu nem formalizou a partilha daquele bem comum; após o falecimento daquele seu ex-marido (em 19.9.2006), a A. continuou e continua a habitar o dito prédio urbano, o qual sempre constituiu o lar conjugal; a A. durante mais de 20, 30, 40, 50 anos está na posse do prédio, inicialmente na condição de proprietária/casada e após a morte de A..., como única e exclusiva dona, habitando-o, nela tomando refeições, dormindo, recebendo visitas e convivendo com pessoas de família, semeando, cultivando e colhendo os produtos nos logradouros adjacentes daquela habitação e zelando pela conservação e manutenção do prédio, o que fez e faz à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, ininterruptamente e na convicção de exercer um direito próprio; quaisquer pretensos registos daquele prédio em nome dos Réus são necessariamente nulos e sem nenhum efeito, tanto mais que o património comum do casal de que faz parte a casa de habitação nunca foi objecto, até ao presente, de qualquer acto válido, nomeadamente de partilha; há pouco tempo os Réus começaram a tentar perturbar a posse da A., intimidando-a; irá requerer a partilha do património comum pertencente ao casal dissolvido.
Os Réus contestaram, alegando, em resumo[2]: a petição inicial (p. i.) é manifestamente inepta por incompatibilidade dos pedidos e contradição entre a causa de pedir e os pedidos; é falso que do casamento da A. com o referido A (…) existissem bens comuns do casal, sendo que isso mesmo resulta da acta de divórcio cujo processo correu termos sob o n.º 112/83 do 1º juízo/2ª secção/tribunal recorrido; após a dissolução do casamento a A. deixou de residir com o ex-marido e quando voltou a residir na casa do A (…), fê-lo derivado a desavenças com a sua família, e porque não tinha para onde ir; o ex-marido da A. enquanto esteve doente sempre foi tratado pelo seu filho, nora e seus netos, aqui Réus; a A. bem sabe que nenhum direito tem sobre o alegado prédio urbano, o qual é propriedade dos Réus; a A. permaneceu e permanece no prédio urbano, propriedade agora dos Réus, por benevolência daquele A (…)e actualmente dos Réus, os quais, atendendo à idade da A. e enquanto sua avó, o foram permitindo; os Réus são os únicos proprietários do prédio urbano em causa nos autos, conforme é do conhecimento da A. e se comprova pelo registo predial, prédio que adquiriram como legado, em partes iguais, por testamento outorgado no dia 12.5.2005, no Cartório Notarial da Z..., pelo falecido A (…)[3]; todas as obras realizadas no imóvel foram feitas unicamente pelo falecido A (…) e pelos Réus, na pessoa de seu pai, por volta do ano de 2007; ainda que algum direito houvesse por parte da A., atenta o seu comportamento e posição assumidos, sempre a mesma litigaria manifestamente com abuso de direito, porquanto a A. em sede de acção de divórcio assume e afirma perante o Tribunal não existirem bens comuns do casamento entre si e o falecido A (…), e desde 2006 e até à data da propositura da acção nunca reclamou a propriedade de qualquer imóvel, não tendo os Réus conhecimento de que o tenha feito anteriormente; face aos factos referidos, a A. nunca poderia agora vir alegar que a conduta dos Réus constitui o fundamento dos pedidos em causa nos presentes autos, assumindo uma posição manifestamente contraditória, sob pena de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”; a conduta processual da A. sempre integraria assim um ostensivo abuso dos pretensos direitos invocados, na modalidade de supressio e desequilíbrio do exercício, pois decorrido tal período de tempo e face aos factos referidos, nunca seria admissível a conduta processual em análise; desde sempre os Réus por si e pelos seus antecessores estiveram na posse do aludido prédio, construído de novo pelo A (…) em terreno doado pelos pais deste - pagam as contribuições devidas pelo imóvel, bem como praticam actos efectivos de posse, nomeadamente conservando o prédio urbano e semeando, cultivando e colhendo os frutos do logradouro, nele habitando fazendo obras de manutenção e beneficiação, vigiando-o, nele recebendo visitas, confeccionando as suas refeições, pernoitando e todos os demais actos próprios dos proprietários, fazendo-o de forma ininterrupta e até à presente data, à vista de toda a gente, com conhecimento da generalidade das pessoas, designadamente dos proprietários dos prédios vizinhos, dos moradores das povoações mais próximas e da aqui A., sem oposição de quem quer que seja, actos materiais por eles levados a cabo no exercício do seu direito de propriedade sobre tal prédio. Concluíram pedindo que sejam julgadas procedentes as excepções invocadas e os Réus absolvidos da instância ou, caso assim não se entenda, que seja a acção julgada improcedente, por não provada, e os Réus absolvidos dos pedidos.
A A. respondeu concluindo pela improcedência da matéria de excepção e como na p. i. - referiu, além do mais, que os Réus, gozando apenas de uma presunção de registo, vêm agora alegar actos constitutivos/forma de aquisição, bem como actos de posse, em plena contradição com a realidade e com os factos mencionados por estes em sede de contestação, inicialmente apresentada e que não podem nesta data aproveitar os Réus do facto de na conferência de divórcio de mútuo consentimento as partes terem declarado a inexistência de bens comuns, pois estas são meras declarações de partes, sem carácter vinculativo e sem qualquer valor de reconhecimento de direitos - e pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má fé, em multa e no pagamento à A. de uma indemnização de valor nunca inferior a € 3 000.
A Mm.ª Juíza a quo, ouvidas as partes - depois de considerar que a matéria de facto relativamente à qual há acordo das partes nos articulados permitia conhecer, desde já, do mérito da causa - proferiu decisão de mérito, a 13.6.2018, julgando a acção procedente, pelo que veio a: a) Reconhecer que a A. é meeira no património comum do casal dissolvido por divórcio, composto pelo prédio urbano constituído por casa de rés-do-chão para habitação e logradouros, sito na ... n.º 00..., ... Y..., W..., inscrito na matriz predial urbana, no ano de 1967, da freguesia de X... e Y..., sob o art.º 11... e descrito na Conservatória do Registo Predial de W... sob o n.º 22...; b) Reconhecer que aquele património comum do casal, dissolvido por divórcio em 12.12.1983, entre A. e A (…) nunca foi objecto de qualquer partilha; c) Reconhecer que esse imóvel foi adquirido por usucapião a favor dos ex-cônjuges antes da dissolução do casamento por divórcio; d) Condenar os Réus a absterem-se da prática de actos que obstem ou perturbem a posse e o direito da A. sobre o referido prédio urbano; e) Declarar nulos e sem nenhum efeito todos e quaisquer actos, escrituras, registos, averbamentos ou diligências que porventura tenham tido por objecto o prédio acima descrito; f) Ordenar o cancelamento de todos os registos efectuados sobre o prédio identificado supra com base em quaisquer escrituras, testamentos, documentos particulares, bem como os registos posteriores junto da Conservatória do Registo Predial.
Inconformados, os Réus apelaram formulando as seguintes conclusões:
(…)
Violou, assim, a sentença recorrida os art.ºs 2101º, n.º 2 e 334º do CC, deve ser revogada por outra que absolva os Réus dos pedidos formulados pela A..
A A. respondeu e concluiu que a) deve o requerimento de interposição de recurso ser liminarmente indeferido, por extemporâneo; b) ou, se assim não se entender, deve ser negado provimento ao recurso e manter-se na íntegra a decisão recorrida.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa conhecer e/ou reapreciar, principalmente, a relevância da actuação da A. em sede da acção de divórcio (em 1983),...
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