Acórdão nº 11/19.2YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça, 04-07-2019
Data de Julgamento | 04 Julho 2019 |
Case Outcome | IMPROCEDENTE |
Classe processual | RECURSO DE CONTENCIOSO |
Número Acordão | 11/19.2YFLSB |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA, Juíza ..., apresentou recurso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 29/1/2019, que lhe manteve, após reclamação, a classificação de serviço de «Suficiente», formulando as seguintes conclusões:
«1.ª Na decisão ora recorrida, o Conselho Plenário do CSM limitou-se a, com a adição de umas quantas observações meramente valorativas e conclusivas, confirmar por completo a decisão do Conselho Permanente que, por sua vez, reproduzira e adaptara como seu fundamento, o relatório do Inspetor,
2.ª Desatendendo todas as questões que haviam sido oportunamente suscitadas na reclamação oportunamente apresentada dessa decisão do Conselho Permanente.
3.ª A verdade, porém, é que - ao invés do ora de novo e erroneamente decidido - as diligências de prova oportunamente requeridas pela ora recorrente se revestiam de manifesto interesse para a dilucidação da verdade dos factos,
4.ª Não sendo de todo legítimo desatender a arguição dessa gritante violação do direito da defesa e do princípio do contraditório com o pretexto de que os factos imputados à recorrente seriam injustificáveis e, logo, não se justificava realizar as diligências requeridas pela defesa.
5.ª Os "argumentos" explanados na decisão recorrida acerca dos factos relativos ao contexto pessoal e familiar da recorrente, à qualidade das sentenças, bem como à não realizada prova documental e testemunhal - e assentes na pretensa "desnecessidade" ou irrelevância da mesma prova - são absolutamente inadmissíveis e inaceitáveis à luz dos direitos da defesa, consagrada no art° 32°, n° 10 da CRP e aplicáveis a todos os processos sancionatórios ou classificativos.
6.ª A vertente normativa, consagrada na decisão recorrida, do art° 17°, n°s 8 e 9 do Regulamento da Inspeção (no sentido da natureza facultativa da produção da prova requerida pela inspecionada em sede do contraditório) é inconstitucional por violadora do princípio do contraditório.
7.ª O mesmo se diga das interpretações normativas do n° 10 do mesmo art° 17° do Regulamento, segundo o qual o inspetor apenas aprecia se quiser os factos invocados pelo inspecionado.
8.ª A interpretação normativa do n° 5 do art° 12° do dito Regulamento segundo o qual o contexto pessoal do Juiz - mesmo que totalmente dramático e altamente incapacitante ou até impeditivo do exercício da sua atividade - não seria de considerar relativamente a determinados factos imputados à recorrente, é igualmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade (art° 13° da CRP).
9.ª Inconstitucional é ainda a vertente normativa do art° 12°, n° 3, al. c) e d) do Regulamento das Inspeções que permite ignorar, como se ignorou, o estado de saúde da recorrente na apreciação do método de trabalho e dos prazos de decisão, por violação dos princípios da igualdade e da culpa.
10.ª A vertente normativa que concebe a figura do Juiz Presidente da Comarca como uma espécie de figura hierarquicamente superior, com projeções a nível da inspeção e da nota a atribuir, bem como poderes decisivos na fixação de objetivos, posteriormente homologada pelo CSM, nos termos do art°s 12°, n° 3, al. h) do Regulamento é inconstitucional por violação do princípio da independência dos Juízes (art°s 203° e 216° da CRP).
11.ª É inaceitável que o CSM se arrogue a natureza de órgão administrativo para sustentar a teoria de que teria que aplicar normas patentemente inconstitucionais ou de seguir vertentes normativas que o são igualmente,
12.ª Mas depois pretender que dos seus atos cabe não pleno recurso contencioso de anulação e para os Tribunais Administrativos, mas sim um recurso praticamente restrito às questões ... e para uma Secção especial do STJ.
13.ª A vertente normativa do sempre invocado art° 168°, n° 1 da Lei n° 21/85, de 30/7 - que impõe tal recurso para o STJ - viola quer o princípio constitucional de atribuição de competências à jurisdição administrativa, quer o direito ao recurso.
14.ª Por outro lado, nas circunstâncias que ficaram descritas e pelas razões de facto - que o CSM precisamente não permitiu que fossem totalmente esclarecidas e apuradas (exatamente ao não permitir as diligências de prova requeridas pela recorrente!) - os alegados atrasos nos depósitos e que se prendem com fatores diversos, desde as situações de saúde até aos problemas informáticos, passando pela completa transformação da normalidade da sua vida, não são aptos a, só por si, conduzir a uma descida de nota.
15.ª Não existem factos que permitam concluir pela apontada baixa de qualidade das sentenças proferidas,
16.ª E é absolutamente extraordinário que o CSM se esquive a analisar o tipo de relacionamento verificado com a Juíza Presidente (e aliás citada, depreciativamente, no relatório) e as condutas daquele relacionamento com a fixação de objetivos à frente de funcionários e a desconsideração, perante estes, da recorrente, sob o pretexto de que "a mesma Sr.ª Juíza Presidente não está a ser avaliada neste processo"!?
17.ª O CSM arroga-se, sem qualquer suporte fáctico - e depois de ter impossibilitado a recorrente de fazer prova do que alegara relativamente a tal matéria - especular que não seria possível os problemas informáticos e logísticos subsistirem durante tanto tempo e de forma tão persistente.
18.ª E é assim que, reduzindo praticamente o fundamento da classificação de Suficiente ao número elevado de sentenças com atraso no depósito, mas sem ter permitido que se comprovassem as circunstâncias que realmente tal explicaram, permite-se concluir que "não houve uma prestação digna de realce",
19.ª Mas sempre sem indicar, e indicar de forma fundamentada (e não meramente valorativa e conclusiva), qual era o comportamento que, em função dos critérios do bonus pater familias colocado na situação da recorrente, era afinal o exigível. Ao invés,
20.ª E sob a infeliz mas habitual invocação de problemas também os cidadãos que acorrem à Justiça têm, o CSM produz uma declaração que é tão injusta quanto violadora dos atinentes critérios legais.
21.ª A decisão recorrida é assim multiplamente violadora da lei e aplicadora de vertentes normativas claramente violadoras da Constituição, carece de bastante fundamento de facto.»
Termina pedindo «que o presente recurso seja julgado procedente e consequentemente seja declarada a nulidade ou pelo menos anulada a decisão recorrida e ordenada a produção pelo CSM de nova decisão classificativa (que só pode ser, pelo menos, de Bom) que tenha em atenção todos os pressupostos de facto e ... que ora absoluta e erradamente desconsiderou».
2. O Conselho Superior da Magistratura respondeu, tendo concluído pela improcedência do recurso contencioso.
3. A recorrente apresentou alegações em que concluiu:
1. Na decisão ora recorrida, o Conselho Plenário do CSM limitou-se a, com a adição de umas quantas observações meramente valorativas e conclusivas, confirmar por completo a decisão do Conselho Permanente que, por sua vez, reproduzira e adaptara como seu fundamento, o relatório do Inspetor,
2. Desatendendo todas as questões que haviam sido oportunamente suscitadas na reclamação oportunamente apresentada dessa decisão do Conselho Permanente.
3. A verdade, porém, é que – ao invés do ora de novo e erroneamente decidido – as diligências de prova oportunamente requeridas pela ora recorrente se revestiam de manifesto interesse para a dilucidação da verdade dos factos,
4. Não sendo de todo legítimo desatender a arguição dessa gritante violação do direito da defesa e do princípio do contraditório com o pretexto de que os factos imputados à recorrente seriam «injustificáveis» e, logo, não se justificava realizar as diligências requeridas pela defesa.
5. Os «argumentos» explanados na decisão recorrida acerca dos factos relativos ao contexto pessoal e familiar da recorrente, à qualidade das sentenças, bem como à não realizada prova documental e testemunhal – e assentes na pretensa «desnecessidade» ou irrelevância da mesma prova – são absolutamente inadmissíveis e inaceitáveis à luz dos direitos da defesa, consagrada no art.º 32.º, n.º 10 da CRP e aplicáveis a todos os processos sancionatórios ou classificativos.
6. A vertente normativa, consagrada na decisão recorrida, do art.º 17.º, n.ºs 8 e 9 do Regulamento da Inspeção (no sentido da natureza facultativa da produção da prova requerida pela inspecionada em sede do contraditório) é inconstitucional por violadora dos princípios do contraditório e dos direitos da defesa de quem enfrenta um procedimento com eventuais consequências negativas ou lesivas.
7. O mesmo se diga das interpretações normativas do n.º 10 do mesmo art.º 17.º do Regulamento, segundo o qual o inspetor apenas aprecia se quiser os factos invocados pelo inspecionado.
8. A interpretação normativa do n.º 5 do art.º 12.º do dito Regulamento segundo o qual o contexto pessoal do Juiz – mesmo que totalmente dramático e altamente incapacitante ou até impeditivo do exercício da sua atividade – não seria de considerar relativamente a determinados factos imputados à recorrente, é igualmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP).
9. Inconstitucional é ainda a vertente normativa do art.º 12.º, n.º 3, al. c) e d) do Regulamento as Inspeções que permite ignorar, como se ignorou, o estado de saúde da recorrente na apreciação do método de trabalho e dos prazos de decisão, por violação dos princípios da igualdade e da culpa.
10. A vertente normativa que concebe a figura do Juiz Presidente da Comarca como uma espécie de figura hierarquicamente superior, com projeções a nível da inspeção e da nota a atribuir, bem como com poderes decisivos na fixação de objetivos, posteriormente homologados pelo CSM, nos termos do art.ºs 12.º, n.º 3, al. h) do Regulamento é inconstitucional por violação do princípio da independência dos Juízes...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO