Acórdão nº 11/10.8GASJP.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 27-05-2015

Data de Julgamento27 Maio 2015
Número Acordão11/10.8GASJP.C1
Ano2015
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1. No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal singular registado sob o n.º 11/10.8GASJP, a correr termos na Instância Local de Moimenta da Beira, Secção de Competência Genérica, Juiz 1, da Comarca de Viseu, realizado o julgamento, foi proferida a sentença de fls. 286 a 295 com o seguinte dispositivo:

«Por todo o exposto:

a) Absolvo o arguido A... da prática em autoria material do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º nº 1 do Código Penal, que lhe era imputado.

b) Julgo improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo ofendido C... e, em consequência, absolvo o arguido/demandado A... .

c) Condeno o arguido B... pela prática em autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º nº 1 do Código Penal, pena de 120 (cento e vinte dias) dias de multa à razão diária de €6 (seis euros), no montante global de €720 (setecentos e vinte euros).

**

Mais se condena o arguido B... no pagamento das custas processuais criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

Custas cíveis do pedido de indemnização civil pelo decaimento, sem prejuízo da isenção a que houver lugar.

Remeta, após trânsito em julgado, boletins ao registo criminal.

Notifique e deposite.»

2. Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido B... , retirando da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«• A sentença recorrida errou ao julgar como provada, a matéria fáctica vertida no n.º 1 e consequente os decorrentes nºs 2 e 3 dos “Factos provados”;

• Tal decisão viola o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, por notoriamente errada aplicação das regras da lógica e dos ensinamentos que se colhem da experiência comum a que ele deve obedecer;

• O único elemento de prova existente nos autos – o depoimento da ofendida – quer no seu todo, gravado no ficheiro n.º 20141105102106_17477138_2871959, quer mais especificamente os segmentos gravados no mesmo ficheiro, de 05:37 a 05:42, 03:36 a 04:50, 15:54 a 16:20, 16:40 a 17:28, 19:27 a 19:40 e 20:04 a 20:40, impõe a conclusão que a versão por ele narrada é muito pouco verosímil, daí resultando que a matéria constante do n.º 1 deve ser dada como não provada, em última análise ao abrigo do princípio “in dubio pro reo” e absolvendo-se, em consequência o arguido:

Quando assim se não entenda:

• A sentença recorrida está viciada de nulidade de insuficiência de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal, já que tal insuficiência é equiparada à falta de fundamentação.

Assim, por tudo o alegado e pelo mais que Vossas Excelências não deixarão de suprir, deve julgar-se procedente este recurso, alterando-se a decisão de facto proferida na 1ª instância dando como não provados os nºs 1 a 3, absolvendo-se, em consequência o arguido, ou, quando assim não se entenda, deve julgar-se procedente a nulidade arguida, anulando-se aquela decisão para que ela seja sanada, como é de inteira

JUSTIÇA»

3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado([1]).
4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
5. No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP([2]), não houve resposta.

6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

*

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. A sentença recorrida

1.1. Na sentença proferida na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

«1. No dia 12 de Fevereiro de 2010, pelas 2h e 10 m., no Largo da Devesa, na cidade de São João da Pesqueira, após uma altercação no interior do bar “ ... ”, o arguido B... agrediu a ofendida D..., dando-lhe um soco na cara, do lado esquerdo.

2. Como consequência direta e necessária de tal conduta, resultou para a ofendida D... lesões, em concreto equimose de cor violácea pálida, atingindo o terço eterno da pálpebra superior e inferior esquerda, que lhe determinaram 8 dias de doença sem incapacidade para o trabalho.

3. O arguido B... agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

4. Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais registados.

5. O arguido B... é comerciante, explora um café do qual retira mensalmente a quantia de €200 a €300; é casado, a esposa é lojista e aufere o ordenado mínimo nacional; tem duas filhas de 13 anos; reside em casa arrendada e paga €200 mensais de renda; paga ainda os empréstimos mensais de €500 e €418 do trespasse do café que explora; tem o 9º ano de escolaridade.»

1.2. Quanto a factos não provados consta da sentença recorrida (transcrição):

«6. Por causa da mesma contenda existente no sobredito bar “ ... ”, no mesmo dia 12 de Fevereiro de 2010, pelas 2horas e 30 minutos, na Avenida Marquês de Soveral, em S. João da Pesqueira, o arguido A... agrediu o ofendido C... , dando-lhe diversas pancadas no corpo.

7. Em virtude da conduta do arguido A... , tenha resultado para o ofendido C... que lhe determinou oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho.

(Do pedido de indemnização civil)

8. Ao ser violentamente atingido pelo arguido A... , o ofendido C... sofreu fortes dores.

9. A capacidade motora e física do ofendido C... ficaram diminuídas e durante um espaço de tempo de cerca de uma semana o ofendido sentia dores no corpo sempre que efetuava qualquer gesto, movimento brusco ou esforço.

10. O ofendido C... sofreu a mágoa de se ver ilegitima e injustificadamente agredido pelo arguido A... .

11. Sentindo-se vexado, humilhado e desrespeitado como homem e cidadão de bem.»

1.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

«A convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova documental junta aos autos e na produzida em audiência de julgamento, analisada e conjugada criticamente à luz das regras da experiência comum, valorada segundo o critério da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal.

Como se explanou supra, o arguido A... foi, a requerimento seu, julgado na ausência; já o arguido B... , no exercício de um direito constitucionalmente reconhecido, não quis prestar depoimento.

Assim, tomou o Tribunal em consideração o depoimento assertivo e claro da ofendida D... que explicou que no dia 12 de Fevereiro de 2010, noite de carnaval, se encontrava com um grupo de amigos no café “ ... ”, quando se iniciou uma altercação entre aquele que naquela altura era o seu namorado, o ofendido C... , e o arguido A... .

Asseverou ainda que na sequência dessa altercação sairam todos cá para fora do bar e que, já cá fora, quando se encontrava sozinha, por os seus amigos terem voltado ao interior do Bar para irem buscar os seus pertences, sem que nada o fizesse prever, o arguido B... aproximou-se de si e deu-lhe um murro na cara, tendo ela fugido a chorar.

Afirmou ainda que não conhecia o arguido B... de qualquer parte e que não tinha qualquer inimizade com o mesmo, presumindo que este a tenha agredido para com isso provocar as demais pessoas do seu grupo.

Explicou ainda que depois de ter sido agredida fugiu, tendo ido ao encontro do seu grupo de amigos e estes a levaram a casa.

Ora, o depoimento da ofendida foi um depoimento que o Tribunal reputou de plenamente sincero e assertivo, tendo relatado os factos de forma coerente, sujeitando-se ao contraditório, respondendo a todas as questões formuladas e não evidenciando qualquer vontade de prejudicar nenhum dos arguidos mas relatando os factos tal como os viveu, de tal forma que logrou amplamente merecer o convencimento do Tribunal.

Foi, assim, com base no depoimento da ofendida que o Tribunal julgou provado que, nas circunstâncias descritas na acusação pública, a ofendida foi agredida com um murro pelo arguido B... , salientando-se que não tenho a ofendida D... qualquer relação com o arguido B... não tinha também qualquer intenção de o prejudicar, certo que não imputaria ao arguido B... a prática dos factos em causa se não tivesse sido ele efetivamente a pratica-los.

No mais, convencendo-se como se convenceu o Tribunal que o arguido B... agrediu a ofendida D... com um murro na face, dúvida não há de que o arguido B... o fez de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de molestar o corpo da ofendida, bem sabendo que as sua conduta era proibida e punida por lei, já que é do conhecimento comum da população que agredir outra pessoa é um ato criminalmente ilícito.

Que em consequência directa e necessária das referidas agressões, a ofendida equimose de cor violácea pálida, atingindo o terço eterno da pálpebra superior e inferior esquerda, que lhe determinaram 8 dias de doença sem incapacidade para o trabalho, resulta do teor do exame pericial junto a fls. 8 do processo apenso aos presentes autos.

Por outro lado, julgou-se não provado que, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido A... agrediu o ofendido C... , dando-lhe diversas pancadas no corpo, por não ter sido produzida prova bastante.

Com efeito, neste ponto é de salientar que apesar de a ofendida D... ter explicado que nos dias seguintes ao episódio em causa, o ofendido C... lhe disse que naquele dia 12 de Fevereiro à noite voltaram a existir confrontos, agora entre ele próprio e o arguido A... , tendo-lhe este comunicado ter sido agredido pelo arguido A... , tal não é suficiente para o Tribunal assentar a sua convicção.

É que, apesar de tal depoimento poder ser valorado à luz do disposto no artigo 129º, nº 1 do CPP, última parte, uma vez...

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