Acórdão nº 11/06.2PHLRS.S3 de Supremo Tribunal de Justiça, 17-06-2015

Data de Julgamento17 Junho 2015
Case OutcomePROVIDO EM PARTE
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão11/06.2PHLRS.S3
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam em conferência na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, acima identificados, o tribunal coletivo da 2.ª Unidade da Secção Criminal da Instância Central de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juiz 6, foi, por acórdão de 3 de novembro de 2014, realizado o cúmulo jurídico, superveniente, de penas aplicadas, e transitadas, nestes autos e nos processos n.os 394/06.4PEAMD, 491/03.8TASJM, 306/05.2TAPNI, 1121/03.3TACBR, 265/06.4JDLSB, 1428/05.5PBVIS, 612/05.6PASTS, 661/07.0TBSNT, 2718/04.0TAGDM, 1343/07.8TACBR e 3748/05.0TASNT, ao arguido AA, sendo condenado na pena única de 16 anos de prisão.
2. Inconformado com o decidido, interpôs recurso do acórdão condenatório para este Supremo Tribunal, concluindo a motivação nos seguintes termos[1]:

«1 - O pressuposto essencial para a efetuação do cúmulo jurídico de penas é a prática de diversas infrações pelo mesmo arguido antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.

2 - Deve-se ter em conta que o cúmulo jurídico das penas se traduz num benefício para o arguido face ao sistema da acumulação material de penas (cf. art.º 77°, n° 2 do código penal, tal beneficio só se justifica, no nosso entendimento, quando o arguido já foi objeto da solene advertência em que se traduzem as sentenças criminais.

3 - O novo acórdão limitou-se a inserir os factos dados como provados em cada um dos processos pelos quais o arguido havia sido condenado.

4 - O julgamento do concurso de crimes constitui um novo julgamento, destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes singulares, pois agora se aprecia a globalidade da conduta do agente.

5 - O juízo global exige uma fundamentação própria, quer em termos de direito, quer em termos de factualidade.

6 - A sentença de um concurso de crimes terá de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, não só em termos de citação dos tipos penais cometidos, como também de descrição dos próprios factos efectivamente praticados, na sua singularidade circunstancial.

7 - O acórdão do concurso deverá ser uma decisão autónoma, e por isso ela tem de conter todos os elementos da sentença;

8 - Não existe uma fundamentação própria de modo a apurar-se a natureza da atividade criminosa do recorrente ou o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do condenado.

9 - Sempre se dirá que, face aos elementos vertidos no douto acórdão e pela análise da natureza dos crimes a atividade do recorrente deverá ser caracterizada ou fruto de uma pluriocasionalidade.

10 - A privação da liberdade - núcleo fundamental da dignidade humana, e causadora, mais tarde ou mais cedo, de indução da exclusão, de incremento da marginalidade, de promoção da criminalidade e de aumento da reincidência. In prison... nothing works.

11 - O sistema penal consagra um regime de pena conjunta (Gesamtstrafe),referida à imagem global dos crimes imputados e da personalidade do agente.

12 - A política criminal visa fundamentalmente, a prevenção especial de integração positiva do agente na sociedade, tendo em conta, a interiorização do desvalor da sua conduta, face às normas violadas e que entretanto foram já parcialmente expiadas

13 - O arguido já cumpriu mais de 9 anos de reclusão, sem que tenha beneficiado de qualquer flexibilização do Direito Penitenciário (nomeadamente saídas precárias, RAVI, RAVE, etc.), que o arguido reclama e se penitencia (sublinhado nosso).

14 - A ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade é feita dando relevo à avaliação da personalidade unitária do agente e à análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente - exigências de prevenção especial de socialização.

15 - A medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita.

16 - A moldura penal abstrata do concurso de crimes tem como limite mínimo a maior das penas parcelares e como limite máximo, a OOa de todas as penas, sem poder ultrapassar 25 anos de prisão.

17 - Tendo em conta a conduta global do arguido, o tempo de reclusão já sofrido (9 anos) a autocritica do desvalor das suas condutas, a interiorização da necessidade de conduzir-se de forma socialmente aceite e o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, ao que acresce o facto do recluso actualmente ter retomado os seus estudos universitários, entendemos que a pena justa e adequada deverá ser fixada, próxima dos 12 anos de prisão, por se achar esta mais benéfica ao interesse do recluso e mais de acordo com a ressocialização do arguido ora recorrente.

18 - Ao ter entendido de outra forma, por não ter feito um exame crítico" violou a decisão recorrida os artigos, 50.º, 53.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.º, estes do CP e artigo 32.º da CRP;

19 - Violando-se assim uma interpretação teleológica e axiológica e normativa, em que se formam os verdadeiros princípios da unidade do sistema jurídico (principio; norma; dogmática e rea1idade jurídica)

20 - Revogando-se a decisão recorrida nos termos supra, far-se-á justiça.»

A final pede a revogação do acórdão e a substituição «por outro que se coadune com a pretensão exposta».
3. Na resposta à motivação do recurso, o Ministério Público na 1.ª instância conclui que «o acórdão recorrido não (…) merece qualquer censura, pois bem ajuizou da prova produzida em audiência, fazendo correcta qualificação dos factos e aplicando correctamente a pena, dando cumprimento ao disposto nos artºs. 40.º e 71.º e ss, todos do Código Penal, no artº 32.º da CRP e nos artºs. 374.º e 472.º do C.P.Penal».
4. Neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, depois de destacar que estão em causa a apreciação da nulidade da decisão por falta de fundamentação e a medida concreta da pena unitária aplicada, que tem por excessiva, considera, quanto à primeira questão, que, «não obstante se deva reconhecer que este [acórdão recorrido] foi, sem dúvida, demasiadamente parco de palavras quer quanto à enumeração dos factos provados no âmbito dos processos considerados, isto no que diz respeito ao exercício a que foi chamado e que, como é sabido, é este de enunciar esses factos na perspectiva do ilícito global, quer quanto às razões pelas quais optou pela pena concreta fixada, em detrimento de outra no quadro da moldura abstracta aplicável, estamos ainda assim em crer que se mostram respeitados de forma suficiente os requisitos estabelecidos pelo n.º 2 do art. 374.º do CPP» e, por isso, apelando ainda ao «decidido no Aresto deste STJ de 5-05-2011, Processo n.º 12/09.9PJJVFX.S1 […], não se pode confundir a falta de fundamentação da sentença, geradora da sua nulidade, com a eventual deficiência da fundamentação, caso em que se está perante mera irregularidade, suprível pelo tribunal de recurso», emite parecer pela improcedência da pretensão do recorrente, nesta parte.
Sobre a questão de fundo, pronuncia-se pela procedência parcial do recurso, sendo «de reduzir a pena única do concurso de crimes, operado pela 1.ª Instância, para a medida acima proposta: próxima dos 14 anos de prisão», medida que fundamenta, além do mais, na circunstância de «não pode[r] ignorar-se o facto de, por acórdão de 29-01-2014, transitado em julgado, proferido, em recurso, por este Supremo Tribunal precisamente no âmbito destes autos, e exarado a fls. 1759 e segs. [6.º Volume], ter sido aplicada ao arguido, em cúmulo jurídico, uma pena unitária de 14 anos de prisão». Nessa decorrência, «tendo em conta por um lado que a moldura penal do concurso de crimes tem como limite mínimo 7 anos de prisão [pena parcelar mais elevada], e como limite máximo 25 anos de prisão [por força do disposto no n.º 2 do art. 77.º do CP, uma vez que seria muitíssimo superior o somatório de todas as penas parcelares], e por outro a efectiva dimensão das 4 novas penas agora a englobar [de 1 ano, 1 ano, 1 ano e 8 meses e 2 anos, todas de prisão, e pela prática de crimes idênticos], no contexto das demais 42 penas de prisão aplicadas, propenderíamos pela fixação de uma pena única que, operando a uma “sanção síntese”, não fizesse repercutir aquelas quatro novas penas parcelares em medida superior a 4 meses de prisão», acrescentando que «não repugnaria mesmo a possibilidade de ser ponderada a fixação da mesma pena, 14 anos de prisão, isto tendo em conta que, tal como ali, também aqui se nos afigura que os factos posteriormente conhecidos não têm praticamente incidência na apreciação global da conduta e da personalidade unitária do arguido, tal como apreciados naquela decisão cumulatória anterior e muito recente, transitada em julgado, motivo pelo qual, como ali se decidiu, nada impede que “a pena do concurso, na reformulação do cúmulo, se quede pela fixada anteriormente naquela decisão”», e, assim, «na ponderação da ilicitude global do crime unificado e sua conexão com a personalidade e grau de culpa do arguido, e sem descurar igualmente, bem entendido, as exigências de prevenção geral [face à frequência e perturbação social sempre decorrentes deste tipo de criminalidade], e prevenção especial negativa [obstar a que o recorrente continue a delinquir], afigura-se-nos ser de fixar a pena única em medida que, partindo pelo menos da fixada no cúmulo anterior já realizados no processo, proporíamos entre os sobreditos 14 anos, já fixados anteriormente, e os 14 anos e 4 meses de prisão, medida esta, a nosso ver, adequada à culpa e potenciadora da reintegração social do arguido.»
5. Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente nada disse.
6. Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o recurso é apreciado...

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