Acórdão nº 10979/19.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-11-2023

Data de Julgamento16 Novembro 2023
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA E ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Classe processualREVISTA
Número Acordão10979/19.3T8LSB.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: Travessiazul, Mediação Imobiliária, Lda.

Recorrida: Cofac — Cooperativa de Formação e Animação Cultural C.R.L.,

I. — RELATÓRIO

1. Travessiazul, Mediação Imobiliária, Lda., instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Cofac — Cooperativa de Formação e Animação Cultural C.R.L., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:

a) a quantia de € 262.500,00, acrescida de IVA, e acrescida de juros de mora, à taxa fixada para os créditos de que são titulares empresas comerciais, vencidos desde 19/11/2015 e 30/03/2016, sobre metade do valor total respectivamente, no montante de € 69.960,93, e vincendos até integral e efectivo pagamento;

subsidiariamente,

b) a quantia de € 262.500,00, acrescida de IVA, e acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral e efectivo pagamento.

2. A Ré contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção, e requerendo a condenação da Autora como litigante de má fé.

3. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré Cofac - Cooperativa de Formação e Animação Cultural C.R.L de todos os pedidos contra si formulados pela Travessiazul, Mediação Imobiliária, Lda.

4. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.

5. O Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

6. Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista.

7. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

F.1) Introdução

I. O presente recurso tem por objecto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos autos em 10/11/2022, que julgou o recurso de apelação improcedente e confirmou a sentença proferida em 1.ª instância em 11/11/2021, absolvendo a Ré do pedido.

II. A Recorrente instaurou os presentes autos com vista à condenação da Recorrida no pagamento de remuneração, fundando-se no facto de ter angariado a S... e determinado a vontade desta em adquirir o Imóvel à Recorrida, nos termos de contrato de mediação imobiliária para venda do Imóvel, ao abrigo do disposto no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8/2.

III. A Recorrida, em sede de contestação, apresentou uma tese falaciosa, eivada de má fé porque assente em falsidades, com o fito de inculcar que a actuação da Recorrente, no cumprimento do referido contrato, não constituiu causa adequada da realização da venda do Imóvel.

IV. O Tribunal recorrido julgou não verificado o nexo causal do qual depende do direito da Recorrente a remuneração, nos termos dos artigos 2.º e 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8/2.

V. O Acórdão recorrido incorre em manifesta violação do dever de fundamentação da decisão de reapreciação da matéria de facto impugnada em sede de apelação, com a consequente nulidade, nos termos dos artigos 607.º n.º 4 e 615.º n.º 1, alínea b), do CPC (aplicável ex vi do artigo 666.º n.º 1 do mesmo código);

VI. Ademais, a decisão recorrida labora num patente erro de julgamento no que diz respeito submissão dos factos dados como provados em 1.ª instância ao disposto nos artigos 2.º e 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8/2, que estabelecem o nexo causal para aqui relevante.

VII. Não pode a Recorrente conformar-se com a decisão recorrida, porquanto a mesma evidencia um total alheamento do Tribunal a quo quanto à matería de facto assente e quanto ao entendimento, pacificamente firmado pela jurisprudência, a respeito da verificação do nexo causal acima referido – alheamento que, além do mais, é evidenciado pelo teor do voto de vencido que integra o aresto em questão, no qual se afirma ser inequívoca a existência daquele nexo causal.

F.2) Da admissibilidade da revista

VIII. O valor da causa, bem como o valor da sucumbência da Recorrente no âmbito da apelação que antecede o presente recurso, são superiores ao valor da alçada do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que se encontram preenchidos os requisitos gerais de recurso previstos no artigo 629.º n.º 1 do CPC.

IX. Acresce que o Acórdão recorrido veio apreciar o mérito da causa, julgando-a improcedente, pelo que se verifica o requisito específico de recorribilidade presente no artigo 671.º n.º 1 do CPC.

X. Por fim, o Acórdão recorrido foi lavrado com um voto de vencido, pelo que não se verifica a dupla conforme, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671.º n.º 3 do CPC.

F.3) Da nulidade por falta de fundamentação

XI. O artigo 607.º do CPC – aplicável ex vi do artigo 663.º n.º 2 do CPC – estabelece regras específicas para a fundamentação das sentenças, destinando-se a concretizar o dever de fundamentação previsto no artigo 154.º do CPC e consagrado no artigo 205.º da CRP.

XII. O dever de fundamentação, com o conteúdo resultante do artigo 607.º do CPC, é, a um tempo, garantia contra abuso de autoridade e decisões puramente arbitrárias e pressuposto necessário do exercício do contraditório pela parte interessada, que só é possível com base num conhecimento exaustivo dos motivos (de facto e de Direito) em que assenta a decisão.

XIII. O artigo 607.º n.º 4 do CPC impõe, a respeito do dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que o julgador motive as suas conclusões com base numa apreciação crítica dos meios de prova relevantes

XIV. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, pacificamente, que a fundamentação da decisão, proferida em 2.ª instância, de reapreciação da matéria de facto de sentença recorrida deve exarar uma análise efectiva e concreta da prova produzida, especificando os meios de prova relevantes, de modo a estabelecer as premissas para uma convicção própria e autónoma a respeito do objecto do recurso.

XV. A mesma jurisprudência tem entendido que o dever de fundamentação em causa não se poderá considerar cumprido por uma decisão que se limita a tecer considerandos genéricos acerca dos meios de prova para concluir, sem mais, pelo indeferimento da apelação, na parte da impugnação da decisão de 1.ª instancia sobre matéria de facto.

XVI. Vertendo ao caso concreto, constata-se a decisão constante do Acórdão recorrido sobre os pedidos de alteração e aditamento de factos provados, formulados nas conclusões IX, XIII, XVI, XIX, XX, XXV, XXIX e XXXII do recurso de apelação, assenta num conjunto de considerandos vagos, genéricos e puramente conclusivos.

XVII. Assim, o Tribunal a quo indefere, sistematicamente, cada um desses pedidos, afirmando que os mesmos não são suportados pela “prova produzida” e pela “prova efectuada”, mas sem nunca especificar a que meios de prova se refere e sem, muito menos, realizar uma apreciação crítica desses putativos meios de prova.

XVIII. Conclui-se, que a decisão recorrida traduz uma violação do dever de fundamentação previsto no artigo 607.º n.º 4 do CPC (aplicável ex vi do artigo 663.º n.º 2 do mesmo código), donde resulta a respectiva nulidade, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea b), do CPC (aplicável ex vi do artigo 666.º n.º 1 do mesmo código), a qual desde já se invoca para todos os efeitos.

F.4) Da verificação do nexo causal

XIX. Em sede de apelação, o Recorrente tomou por base a matéria de facto assente e a jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, para assim demonstrar a verificação, em concreto, de um patente nexo causal entre a sua conduta em execução do contrato de mediação imobiliária em referência e a venda do Imóvel à S..., com a consequente constituição de um direito a remuneração, nos termos do disposto nos artigos 2.º n.º 1 e 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8/2.

XX. O Acórdão recorrido, contudo, desatendeu por completo aos fundamentos concretamente invocados na apelação, traduzindo-se numa decisão profundamente iníqua e motivada com base em suposições e considerações genéricas e desligadas dos factos dados como provados em 1.ª instância.

XXI. A manifesta improcedência do Acórdão recorrido, em especial na parte em que julga não verificado um nexo causal relevante entre a conduta da Recorrente e a venda do Imóvel, de resto evidenciada pelo teor do voto de vencido que, justamente, afirma que é inequívoca a existência do referido nexo causal.

XXII. Importa, por isso, que este douto Tribunal reaprecie os fundamentos da apelação, em sede de revista.

XXIII. De acordo com o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 15/2013, de 8/2, o mediador tem a seu cargo uma obrigação de meios, no sentido de procurar um sujeito interessado na realização do negócio visado pelo seu cliente, a qual só se considera, porém, cumprida se / quando esse negócio for celebrado entre o terceiro angariado e o seu cliente.

XXIV. A contraprestação sinalagmática, a cargo do cliente do mediador, consiste no pagamento de uma remuneração, dependendo a sua constituição, essencialmente, da verificação de um nexo causal entre a actuação do mediador, em execução da referida obrigação de meios, e a celebração do negócio pretendido, nos termos do artigo 19.º n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8/2.

XXV. O Tribunal a quo reconhece pacificamente que foi celebrado um contrato de mediação imobiliária entre a Recorrente e a Recorrida e que a Recorrente executou a obrigação de meios a que estava adstrita.

XXVI. O Tribunal a quo, contudo, considera não verificado o nexo causal entre a referida actuação da Recorrente e a realização do negócio de venda do Imóvel à S..., laborando, nesse ponto, num manifesto erro de julgamento, decorrente de uma errada aplicação do disposto nos artigos 2.º n.º 1 e 19.º n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8/2.

XXVII. O enquadramento jurídico do direito da Recorrente deve tomar por base o seguinte acervo de conclusões extraídas dos factos provados:

a) Foi a Recorrente que, mediante a sua atividade de promoção do Imóvel, o levou ao conhecimento da S... em Outubro de 2014 (v. facto provado n.º 15);

b) Após uma primeira apresentação do Imóvel à S..., e na sequência do interesse manifestado a esta, a Recorrente forneceu à S... todos os documentos e informações...

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