Acórdão nº 1090/12.9GBAMT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 11-10-2017
Judgment Date | 11 October 2017 |
Case Outcome | PROVIDO EM PARTE |
Procedure Type | RECURSO PENAL |
Acordao Number | 1090/12.9GBAMT.P1.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – RELATÓRIO
1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, nº 1090/12.9GBAMT, do Tribunal da Comarca do Porto Este, Amarante- Instância Local- Secção Criminal- J1, foi proferida sentença que:
a) condenou o arguido, AA, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 1, do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.
b) Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado pela assistente BB, por si e em representação da sua filha menor, CC, e, em consequência, condenou a ré “EE, S.A.”, a pagar à demandante as seguintes quantias:
- € 2 300 de pagamento das despesas de funeral;
- € 70 000 pelo dano morte;
- € 10 000 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido DD;
- € 15 000 pelos danos não patrimoniais sofridos pela filha CC;
- € 15 000 pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante BB;
- € 48 960 a título de alimentos à filha CC - € 200 por mês, vezes 12 meses por ano, vezes 20 anos, vezes 2% correspondente à desvalorização da moeda;
- € 95 472 a título de alimentos à demandante BB - € 200 por mês; vezes 12 meses por ano, vezes 39 anos, vezes 2% correspondente à desvalorização da moeda;
- € 131 040 a título de danos patrimoniais à filha CC - € 400, vezes 12 meses por ano, vezes 39 anos, vezes 30%.
Ou seja, o valor total de € 387.772, a que deduzindo 20%, o valor total da indemnização devida pela demandada às demandantes ascende ao montante de € 310 218 (trezentos e dez mil, duzentos e dezoito euros), absolvendo do restante pedido.
A esta quantia acrescem juros de mora, à taxa de 8% até efectivo e integral pagamento.»
2. Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a demandada EE, S.A., restrito à parte cível, para o Tribunal da Relação do Porto.
3. As demandantes civis BB, por si e em representação de sua filha menor, CC, responderam, pugnando, pela improcedência do recurso interposto pela demandada EE, S.A. e, igualmente inconformadas com o decidido, interpuseram recurso subordinado.
4. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 25 de Janeiro de 2017, negou provimento ao recurso interposto pela demandada seguradora, EE, S.A., e concedeu parcial provimento ao recurso subordinado interposto pelas demandantes BB e CC, «fixando os montantes indemnizatórios que a demandada seguradora fica condenada a pagar àquelas, para além dos montantes já fixados na sentença recorrida e não impugnados (2.300,00 euros de despesas de funeral; 70.000,00 euros pela perda da vida; 95.472,00 euros de alimentos para a demandante BB), em 20.000,00 euros pelos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio DD, 30.000,00 euros pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante menor, CC, 30.000,00 euros pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante BB e 200.000,00 (60.000.00 euros+140.000,00 euros) a título de danos patrimoniais à demandante CC, tudo acrescido de juros à taxa fixada na sentença recorrida, a contar da data da notificação do pedido das demandantes à demandada seguradora quanto ao montante de 2.300,00 euros, e da data da sentença recorrida, quanto às demais quantias».
5. De novo inconformada, a demandada civil EE, S.A, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, encerrando a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
« 1. As questões que o presente recurso pretende ver discutidas são a da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, no caso concreto, pela ocorrência do acidente dos presentes autos, imputando ao condutor do veículo seguro a totalidade da responsabilidade pela produção do acidente (100%), quando antes havia sido fixada uma divisão de responsabilidades em 80% - 20%, e bem assim os montantes indemnizatórios fixados atribuídos a título de dano patrimonial/ alimentos à filha do falecido e dano não patrimonial sofrido pela vítima.
2. A ora Recorrente, salvo o devido respeito, não pode estar de acordo com o decidido pelo douto Acórdão no que diz respeito à responsabilidade do acidente e aos montantes arbitrados a título de indemnização, entendendo haver, para os efeitos do disposto no art. 671º, 674.º n.º 1 alínea a) do N.C.P.C. aplicável exi vi do art. 4º do CPP, violação da lei substantiva, assim como erro de aplicação e determinação da norma aplicável.
3. Imputou agora ao condutor do veículo seguro 100% da responsabilidade pela produção do acidente de viação, entendimento esse com o qual a ora Recorrente não concorda absolutamente !
4. A verdade é que, da matéria dada como provada supra referida, extrai-se a culpa, ainda que parcial, do falecido.
5. Nos acidentes de viação, o que importa essencialmente determinar, mais do que a violação formal de uma regra de trânsito, é o processo causal da verificação do acidente, ou seja, a conduta concreta de cada um dos intervenientes e a influência dela na sua produção.
6. Perante a matéria dada como provada, entendeu a Veneranda Relação que “o facto consistente na imobilização do HX ocupando parcialmente com a parte de trás, em alguns centímetro, a via de trânsito, nas condições demonstradas não pode, em abstracto e em geral ser considerado apto e apropriado à produção do sinistro, com as consequências danos dele resultantes” .
7. De facto, o Tribunal da Relação, nos termos das regras da livre apreciação da prova, deveria ter concluído no sentido alcançado pelo Tribunal de primeira instância, nomeadamente que o lesado contribuiu para a ocorrência do acidente, nomeadamente em 20%, porquanto tinha a sua viatura imobilizada ocupando parcialmente com a parte de trás a via de trânsito onde circulava o condutor do veículo seguro na Recorrente, em violação dos artigos 3.º n.º 2, 50º e 88.º do Código da Estrada, porquanto a carrinha do lesado não tinha reflectores, não se encontrava devidamente assinalada com as luzes avisadores de perigo (vulgo quatro piscas).
8. Perante este quadro, evidencia-se a violação grosseira por parte do falecido, de normas estradais que a mais elementar consciência cívica não pode deixar de observar, sob pena de se criarem riscos eminentes para a vida e integridade física de quem tem o direito a circular em segurança nas estradas.
9. Perante o quadro factual e normativo apurado, salvo o devido respeito, a Recorrente tem dificuldade em compreender a atribuição total ao condutor do veículo seguro na Recorrente da responsabilidade do acidente, por se revelar por demais manifesta a culpa do falecido.
10. Não se coloca em crise que o condutor do veículo seguro contribuiu para a produção do acidente, mas não poderá deixar de ser tido em conta que caso o lesado não tivesse deixado o veículo imobilizado ocupando parcialmente a faixa de rodagem o acidente não teria ocorrido.
11. Com efeito, não é possível afirmar genericamente que é previsível que um veículo se encontre imobilizado na faixa de rodagem e, portanto, que, no caso concreto, o condutor teria evitado o acidente.
12. É que vem provado que o veículo do falecido se encontrava na faixa de rodagem, o condutor do veículo seguro segurado, seguindo na sua faixa de rodagem, embateu na respectiva parte traseira, sem luzes acesas e sem qualquer sinalização da sua presença na estrada.
13. Deste quadro não resulta de forma alguma que fosse exigível ao condutor segurado na ré que devesse prever que se ia deparar com a obstrução da via, de forma a adequar a velocidade à eventualidade de ter de parar, como exige o citado artigo 24º do Código da Estrada.
14. Assiste aos condutores o direito de confiar em que os demais cumpram as regras definidas para o trânsito rodoviário. O condutor do veículo segurado na ré podia legitimamente contar com o cumprimento da obrigação de sinalização de qualquer veículo que se encontrasse imobilizado a ocupar parcialmente a faixa de rodagem, imposta pelo nº 2 do artigo 88º do Código das Estrada.
15. Ao decidir nos termos constantes do douto Acórdão a em recurso o Tribunal violou o disposto nos artºs. 483.º, 487.º, 494°; 496° no.3; 562°; 564° nºs. 1 e 2 e 566°, todos do Código Civil.
16. Ao decidir nesta matéria, nos termos constantes do Acórdão em recurso o Tribunal violou o disposto nos arts. 3.º n.º 2, 50.º n.º 1 a) e 88.º do Código da Estrada, dos quais fez uma errada interpretação e/ou aplicação.
17. Concluindo-se, assim, que a conduta do lesado foi concausal do acidente.
18. Sem dúvida que foi a conduta do falecido quem desencadeou a dinâmica do acidente, ao deixar o seu veículo imobilizado sem qualquer sinalização, ocupando parcialmente a via de trânsito por onde circulava o condutor do veículo seguro na Recorrente, violando os dispostos nos artigos 3.º n.º 2, 50.º n.º 1 a) e 88.º do Código da Estrada.
19. Resulta do exposto que, ao contrário do concluído pela Veneranda Relação houve contribuição da vítima na eclosão deste embate, podendo e devendo ter agido de outro modo.
20. Na produção do acidente é, pois, o falecido parcialmente responsável conjuntamente com o condutor do veículo, em menor grau do que este, pelo que, para o efeito de repartição de culpas (art.º 570.º, n.º 1, do C. C.), deverá atribuir-se 20 % de responsabilidade ao falecido e 20 % ao condutor do veículo seguro.
21. Violou o douto Acórdão recorrido, a boa aplicação dos nos artigos 3.º n.º 2, 50.º n.º 1 a) e 88.º do Código da Estrada e os artigos 483º e 570.º do Código Civil.
22. Não se conforma a Recorrente com os montantes arbitrados na douta sentença a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, que segundo o entendimento da ora Recorrente são flagrantemente excessivos.
23. Entendeu a douta sentença recorrida fixar a título de indemnização pelos danos não patrimoniais (danos morais) sofridos pelo falecido DD no montante de € 20.000,00.
24. Os danos não patrimoniais próprios da...
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