Acórdão nº 1087/05.5TBALR-K.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05-05-2016

Data de Julgamento05 Maio 2016
Número Acordão1087/05.5TBALR-K.E1
Ano2016
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora




Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I – RELATÓRIO
1. AA e BB, intentaram a presente acção declarativa contra a insolvente CC, Ld.ª, e contra DD e EE, peticionando seja declarada a nulidade dos negócios celebrados entre a 1ª ré, declarada insolvente, e os 2ºs réus por simulação relativa; ou subsidiariamente seja declarada a nulidade dos negócios celebrados entre a 1ª ré e os 2ºs réus por simulação absoluta; ou finalmente, caso também assim não se entenda, seja julgada procedente a impugnação pauliana, ficando os 2ºs réus obrigados à restituição dos bens na medida do interesse dos autores.

2. Não se conformando com a decisão proferida em 01-02-2016 que declarou a extinção da instância, por impossibilidade da lide, quanto aos dois primeiros pedidos formulados na petição inicial para declaração da nulidade do negócio celebrado entre a insolvente e os demais réus, os autores interpuseram recurso de apelação da mesma, invocando nas suas conclusões que:
«1. Antes de mais há que salientar que nos presentes autos em rigor, não se trata de resolução em benefício da massa insolvente mas de uma declaração de nulidade relativa (pedido principal) em benefício dos AA., não diretamente enquanto credores da sociedade CC, Lda., mas sim enquanto responsáveis hipotecários perante os 2ºs RR, tratando-se dum litígio que, em substância, opõe os autores aos 2ºs RR.
2. A posição da sentença recorrida que considera que decorre dos arts. 120º e seguintes do CIRE e mormente do artigo 123º, nº 1, que os credores não podem invocar em tribunal a nulidade de contratos celebrados por uma sociedade declarada insolvente, não tem na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Tal interpretação é desconforme com a unidade do sistema jurídico pois que decorre do regime geral da nulidade que a mesma é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal (art. 286º do Código Civil).
4. Tal interpretação é contrária ao artigo 20º, nº 1 da constituição, pois o direito à tutela jurisdicional efetiva aí consagrado postula “uma tutela sem lacunas e completa, conferida a quem quer que seja, contra quem quer que seja, para reagir contra o que quer que seja.”
5. A tutela judicial efetiva não é assegurada pela interpretação da decisão recorrida que sustenta que o interessado pode “requerer” a declaração de resolução ao administrador de insolvência, uma vez que a declaração de resolução não equivale a declaração de nulidade e, decisivamente, porque o administrador de insolvência “pode”, ou não, declarar tal resolução, ficando o interessado na declaração de nulidade, em tal caso, totalmente carecido de tutela judicial.
6. A ratio legis do art.º 123º, nº 1, do CIRE, é o de permitir a resolução abreviada e rápida pelo administrador dos atos aí previstos e não a de restringir o acesso ao direito e invocação de causa de pedir pertinentes à declaração de direitos que, aliás, sempre seria violadora do art.º 20º, nº 1, da Lei Fundamental.
7. A errada interpretação da sentença recorrida ao colocar “nas mãos” do administrador de insolvência a possibilidade de ser suscitada a questão da nulidade dum contrato, implica que o interessado, neste caso os autores, fique carecido de tutela judicial efetiva.
8. Razão pela qual, a interpretação feita pela sentença recorrida do regime do art. 123º, nº 1 do CIRE, viola o art. 20º, nº 1, da constituição da República Portuguesa.
9. Viola, ainda, o art. 123º, nº 1, do CIRE e o art. 286º do Código Civil.
Pelo que, deve ser dado provimento ao presente recurso e ser revogada a decisão recorrida devendo ser admitidas todas as causas de pedir e pedidos invocados na petição inicial».

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. Observados os vistos, cumpre decidir.

*****
II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[2], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
No caso em apreço, desde logo verificamos que os recorrentes se conformam com o segmento da decisão que considerou a Instância Central de Comércio incompetente para a presente causa quanto ao pedido subsidiário relativo à impugnação pauliana, determinando a sua desapensação e remessa dos autos à Instância Central Cível, pretendendo, porém, que ali sejam julgados também o pedido principal de declaração de nulidade do negócio, por simulação relativa, e o primeiro pedido subsidiário, de declaração de nulidade, por simulação absoluta.
Assim delimitado o respectivo objecto, temos que as questões submetidas a apreciação no presente recurso de apelação se reconduzem a saber se a interpretação feita pela sentença recorrida do regime do artigo 123.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[3], considerando que se trata de um regime especial para a resolução dos actos em benefício de todos os credores, ficando precludida a possibilidade de cada credor individualmente requerer a nulidade de tais negócios, quando o Administrador o não faça, é ilegal, violando o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa[4].
*****
III – Fundamentos
III.1. – De facto
É a seguinte a factualidade que resulta dos autos com interesse para a decisão do presente recurso:
1) Por contrato assinado em 14 de Maio de 2005 a R. prometeu vender aos AA. ou a quem estes entendessem, livre de ónus ou encargos, as fracções designadas pelas letras “A” e “D” do prédio identificado nos autos, tendo declarado já haver recebido o preço, do qual deu quitação.
2) Em 23 de Agosto de 2005 a R. não tinha pago ao Banco FF, SA, o valor necessário à extinção das hipotecas.
3) Por sentença proferida em 23 de Novembro de 2005, no processo n.º 1087/05.5TBALR, foi declarada a insolvência de CC, Ld.ª.
4) Por Acórdão deste Tribunal da Relação, de 6 de Novembro de 2008, foi julgada procedente a acção instaurada pelos ora AA para a execução específica do contrato-promessa referido em 1), declarando-se transmitida para estes o direito de propriedade das fracções “A” e “D” do prédio identificado nos autos, e condenando-se a massa insolvente no pagamento aos recorrentes da quantia de €51.023,5, relativa ao montante do valor do débito garantido correspondente às referidas fracções, acrescida de juros de mora legais desde a citação.
5) A presente acção foi instaurada em 12 de Janeiro de 2007, invocando os AA em fundamento dos pedidos formulados, que são credores da 1.ª R à celebração do contrato-prometido e ao eventual valor de expurgação da hipoteca das fracções objecto de tal contrato, aduzindo que com as cessões de crédito e as supostas “compras e vendas” celebradas pelos 2.ºs RR, a sua situação fica pior do que antes das mesmas porque enquanto antes respondiam seis fracções, agora, pela mesma suposta “dívida” respondem apenas duas, as destinadas aos AA.
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III.2. – O mérito do recurso
Pretendem os Recorrentes que nos presentes autos em rigor, não se trata de resolução em benefício da massa insolvente mas de uma declaração de nulidade relativa (pedido principal) em benefício dos AA., não directamente enquanto credores da sociedade CC, Lda., mas sim enquanto responsáveis hipotecários perante os 2ºs RR, tratando-se dum litígio que, em substância, opõe os autores aos 2ºs RR.
Por isso, a posição da sentença recorrida que considera que decorre dos artigos 120.º e seguintes do CIRE e mormente do artigo 123.º, n.º 1, que os credores não podem invocar em tribunal a nulidade de contratos celebrados por uma sociedade declarada insolvente, não tem na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo desconforme com a unidade do sistema jurídico pois que decorre do regime geral da nulidade que a mesma é
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