Acórdão Nº 108/16 de Tribunal Constitucional, 24-02-2016

Número Acordão108/16
Número do processo1004/13
Data24 Fevereiro 2016
Classe processualRecurso

ACÓRDÃO Nº 108/2016

Processo n.º 1004/13

3.ª Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, vieram A.; A1. S.A.; B., Lda. e C., Lda. interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

2. No âmbito de procedimento cautelar, instaurado pelas aqui recorrentes, com fundamento na introdução de medicamento genérico em violação de patente, por parte da aqui recorrida, o Tribunal da Propriedade Intelectual proferiu decisão, absolvendo a requerida da instância, por preterição de Tribunal Arbitral necessário, nos termos do artigo 2.º, da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, conjugado com os artigos 288.º, n.º 1, alínea e); 494.º, alínea e) e 495.º, todos do Código de Processo Civil.

Inconformadas, as aqui recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Por acórdão de 7 de agosto de 2013, foi julgada improcedente a apelação.

É desta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que as recorrentes interpõem recurso de constitucionalidade.

3. No Tribunal Constitucional, foi proferida decisão sumária de não conhecimento parcial do objeto do recurso, tendo o processo prosseguido para alegações, apenas relativamente ao critério normativo, extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011 de 12 de dezembro, correspondente à interpretação de que as providências cautelares, no âmbito de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, relacionadas com medicamentos genéricos, ficam sujeitas a arbitragem necessária, ficando excluído o recurso direto ao tribunal judicial.

4. As recorrentes apresentaram alegações, concluindo nos termos seguintes:

“a) A questão da inconstitucionalidade foi já suscitada no requerimento inicial de Providência Cautelar e nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

b) Assim, entende-se que os normativos legais art.ºs 2 e 3.º da Lei n.º 62/2011 de 12 de dezembro, se interpretados no sentido do titular de direito de propriedade industrial apenas poder recorrer à Arbitragem Necessária, precludindo definitivamente o recurso direto ao Tribunal Judicial, mesmo no que se refere a Providência Cautelar, são inconstitucionais.

c) A fundamentação para este entendimento estriba-se na violação dos seguintes princípios fundamentais de direito:

- violação do direito de acesso aos tribunais;

- violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva,

- violação do direito ao efeito útil da decisão final;

- princípio da igualdade (custas da arbitragem versus processo judicial);

- princípio proporcionalidade e princípio da proibição do excesso (limitação da vigência de um direito de patente a trinta dias);

- princípio necessidade e adequação (limitação da vigência de um direito de patente a trinta dias);

- direito ao recurso da decisão da providência cautelar (como incluído no direito de acesso à justiça).

d) Na verdade, às Recorrentes, mantendo-se o entendimento que tem feito vencimento nas instâncias anteriores, não existe na Lei vigente em Portugal um mecanismo que possa tutelar provisoriamente a pretensão das mesmas.

e) Mais, em trinta dias, não são os elementos compostos pelo nome de um requerente de uma Autorização de introdução no Mercado (AIM), a data do pedido, a substância activa, dosagem e forma farmacêutica que podem permitir aos titulares de direitos de propriedade industrial, quando estes direitos sejam relativos a patentes de processo, saber se o seu direito está ou não a ser infringido.

f) Este conhecimento do processo utilizado no Medicamento Genérico está legalmente vedado, nos termos do art.º 188.º, n.º 3 do Estatuto do Medicamento, na redação introduzida pela Lei n.º 62/2011, sem prejuízo do apelo à abertura possibilitada pelo Acórdão deste Alto Dicastério que declarou a inconstitucionalidade do n.º 5 do art.º 188.º do DL 176/2006 (redação dada pela Lei n.º 62/2011). No entanto, não serão em trinta dias que se analisará com a devida ponderação se há ou não infração.

g) Mais, o ónus da prova, na ação aqui em causa, conforme relação material controvertida resultante da configuração feita pelas Recorrentes, recai sobre estas, na medida em que a patente invocada pelas mesmas é uma patente de processo de substância já conhecida.

h) É a própria lei processual civil quem penaliza os Requerentes de providências cautelares infundadas condenando-os no pagamento de todos os prejuízos: art.º 374.º, n.º 1 do NCPC.

i) Não pode assim colher a argumentação da sentença ou do Acórdão, quando referem que as Recorrentes poderiam ter reagido nos trinta dias.

j) Com imperiosa relevância, para a questão em apreço, remete-se para o Douto Parecer do Prof. Dr. Dário Moura Vicente, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, bem como para o supra citado excerto do Parecer da Associação Portuguesa de Arbitragem (APA), dos quais resulta claramente o entendimento segundo o qual os art.ºs 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011 são inconstitucionais se interpretados no sentido de não ser possível o recurso à via judicial, no âmbito dos litígios aqui em causa.

k) A vigência no tempo de um direito de patente é manifestamente superior a um prazo de trinta dias, tendo a duração de vinte anos [art.º 99.º do Código da Propriedade Industrial (CPI) ou art.º 63.º da Convenção da Patente Europeia (CPE)], não se podendo permitir, como doutamente destaca o Prof. Dário Moura Vicente, uma nova forma de caducidade dum direito de propriedade industrial.

l) Esta lei n.º 62/2011, que institui a arbitragem necessária, refere, no art.º 3.º, n.º 8 que tudo o que aí não se encontrar expressamente previsto fica sujeito ao regime geral da arbitragem voluntária (consagrado na Lei n.º 63/2011, que entrou em vigor no dia 14 de Março de 2012), sendo certo que a lei de arbitragem voluntária não consagra qualquer mecanismo de reação imediata perante a ameaça ou efetiva violação de direitos de propriedade industrial.

m) A entender-se serem apenas os Tribunais arbitrais os competentes então as providências cautelares ou ordens preliminares só podem ser ordenadas após a sua constituição, sendo que a nova LAV não resolve o problema da morosidade da própria constituição do Tribunal Arbitral (morosidade que vem sendo reconhecida pelos Tribunais Judiciais como uma problemática insolucionável).

n) Num procedimento cautelar, perante Tribunal Judicial, o prazo de oposição de um Requerido é de dez dias (art.º 303.º, n.º 2, ex vi art.º 384.º, n.º 2, ambos do CPC) e no prazo de dois meses deve ser proferida a Decisão (art.º 382.º, n.º 2 do CPC).

o) Tendo em conta a publicação no sítio virtual do INFARMED, o prazo de trinta dias para a Titular de direito de propriedade industrial iniciar arbitragem, o prazo de trinta dias para a requerida indicar o seu, o prazo para indicação do árbitro presidente, com outras vicissitudes que a vivência judiciária tem relevado (como a necessidade de intervenção do Exmo. Senhor Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa), decorrerão três meses sem que o Tribunal Arbitral esteja constituído.

p) Daí que a nova lei da arbitragem voluntária não tenha superado as limitações referidas, até porque não poderia superar um facto incontornável: não existindo convenção arbitral entre as partes que intervirão no litígio (e não é previsível que exista já que não há relações obrigacionais entre as mesmas e operam no mercado como concorrentes), não existe previamente um Tribunal Arbitral Constituído ou um “Tribunal de Emergência”, ao qual se pudesse apelar, num primeiro momento, para decidir qualquer questão urgente.

q) Só o Estado oferece esta resposta, precisamente porque o Tribunal pré-existe ao conflito e está preparado para dar resposta a tais situações, o que no caso da arbitragem necessária não institucionalizada não acontece.

r) A Lei n.º 62/2011, ao impor a arbitragem necessária, não permite, conforme supra explanado o recurso atempado aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.

s) Assim, não tendo o Estado...

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