Acórdão nº 10737/08.0TBVNG.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça, 20-02-2014
Data de Julgamento | 20 Fevereiro 2014 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 10737/08.0TBVNG.P1.S2 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :
1- AA – ..., Ld.ª intentou,em 2008-11-15 contra
BB, Ld.ª ,CC, Ld.ª e DD, SA,,
acção de condenação, com processo ordinário, pedindo
- a) Serem as rés condenadas a pagar, solidariamente, à autora o valor global de €128.979,50 bem como juros de mora à taxa legal, sobre essa quantia, a partir da citação até efectivo e integral pagamento;
-b) Serem as rés, solidariamente, condenados a proceder à substituição da guilhotina por uma nova, no prazo máximo de 60 dias a contar da decisão;
-c) Serem as rés condenadas a pagar, solidariamente, à autora o valor diário de 2.479,59, desde o levantamento da actual máquina até à data da entrega da nova;
Subsidiariamente,
-d) Serem as rés condenadas a reparar, no prazo máximo de 30 dias a contar da decisão, com a substituição do chassis/corpo da máquina, condenando, igualmente, as rés a indemnizarem, solidariamente, a autora em valor diário nunca inferior a €2.479,59, conforme o cálculo explanado nos artigos 36.º a 57.º, da P.I., desde a data do inicio da reparação até à datada entrega da guilhotina;
-e) Serem as rés condenadas, solidariamente, no pagamento à autora de uma sanção pecuniária compulsória no valor de quinhentos, por cada dia, completo ou não, de desrespeito pela realização integral das obrigações que lhes venham a ser impostas.
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2 - Para tanto e em síntese alegou que contactou a 1.ª ré, BB para aquisição de duas máquinas para o exercício da sua actividade. A 2.ª ré, CC, era quem procedia à importação das máquinas da Turquia. A autora contratou com as duas rés a aquisição das duas máquinas, mas aquando da descarga da máquina nas instalações da autora verificou-se que a máquina guilhotina tinha sofrido danos ocorridos no transporte. Em consequência a máquina guilhotina tem problemas de alinhamento, não funcionando em perfeitas condições, por tal razão, a dita máquina guilhotina durante um determinado período esteve paralisada, o que provocou prejuízos à autora.
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3- Devidamente citadas para a causa, as Rés contestaram:
A 1.ª ré, BB, contestou, defendendo-se por excepção de ilegitimidade, sustentando que os danos ocorreram durante o transporte, e assim nada poderá ser imputado a si (vendedora). De igual modo, defendeu-se por excepção de caducidade, nos termos do artigo 916.º n.º 2 e 917.º do C.Civil, pois que a autora já era conhecedora dos danos aquando da recepção da máquina. No mais, defendeu-se impugnando motivadamente a versão factual trazida pela autora.
A 2.ª ré, CC, contestou, defendendo-se por excepção da sua ilegitimidade, alegando que não foi quem vendeu as máquinas à autora. Que foi contactada pela 1.ª ré para proceder à aquisição das máquinas. De igual modo sustenta que existe contrato de seguro pelo qual transferiu a responsabilidade civil para a 3.ª ré, companhia de seguros, pelo que é parte ilegítima.
Mais se defendeu por excepção de caducidade, nos termos do artigo 916.º n.º 2 e 917.º do C.Civil, pois que a autora já era conhecedora dos danos aquando da recepção da máquina.
Por fim, defendeu-se impugnando motivadamente a versão factual trazida pela autora.
A 3.ª ré, Companhia de Seguros DD, alegou que foi efectuada reparação da dita máquina, tendo pago as quantias (da reparação) que lhe foram peticionadas. No mais, impugnou os factos alegados pela autora.
A autora replicou pugnando pela improcedência da defesa apresentada pelas rés.
Deduziu ainda a autora incidente de intervenção de terceiros, da transportadora das máquinas, sustentando que tudo foi e é decorrente da conduta da transportadora.
Julgou-se procedente o incidente de intervenção principal provocada de EE (Portugal) – Agentes de Navegação, SA e, consequentemente, citou-se a chamada.
A chamada veio contestar alegando a incompetência (absoluta) material do tribunal. No mais alegou que sempre interveio em nome e por conta e ordem do armador, ou seja, em sua representação e em cumprimento dos deveres para si resultantes do contrato de agência, pelo que não pode responder pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso de qualquer obrigação decorrente do contrato de transporte marítimo. Alegou ainda a caducidade do direito da autora, nos termos da legislação da Convenção Internacional para Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga (transporte marítimo). Diz ainda que a indemnização a pagar nunca poderia exceder o peticionado pela autora. E por fim impugnou os factos articulados pela autora.
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4-Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se julgou
-o tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido quanto à chamada.
- as 1.ª e 2.ª rés partes legítimas e relegou-se o conhecimento da excepção da caducidade para sede de sentença final.
Depois seleccionou-se a matéria de facto e foi elaborada a base instrutória, sem reclamação das partes.
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5- Após realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença na qual se julgou acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveram-se as rés dos pedidos.
6-Inconformada com tal decisão, dela veio a autora recorrer de apelação tendo, por acórdão proferido a fls. 501 a 522, sido julgada parcialmente procedente tal apelação, revogando-se, em parte, a decisão recorrida e consequentemente, condenaram-se as rés BB, Ld.ª e CC, Ld.ª, solidariamente a
-no prazo de 60 dias, procederem à substituição da máquina vendida e defeituosa por outra de igual marca, modelo e características.
-a indemnizarem a apelante à razão de €2.479,59, por cada dia que decorrer entre a data de levantamento da máquina defeituosa e a entrega de uma máquina nova.
-a pagarem à apelante, a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais já causados a quantia total de €123.979,50, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e até integral pagamento.
Absolveram-se as 1.ª e 2.ª rés do demais peticionado e confirmou-se a absolvição da 3.ª ré de todo o pedido.
As 1.ª e 2.ª rés recorreram de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, onde por acórdão proferido a fls.697 a 706 dos autos se decidiu anular o acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos a este tribunal para aqui se proceder à sua reforma, conhecendo-se da questão da caducidade da acção arguida pelas rés nas suas contestações.
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7- A Relação em 2013-02-02 julgando parcialmente procedente a apelação interposta revogou, em parte, a decisão recorrida.
Em consequência, condenou-se as rés BB, Ld.ª e CC, Ld.ª, solidariamente a
-no prazo de 60 dias, procederem à substituição da máquina vendida e defeituosa por outra de igual marca, modelo e características.
-a indemnizarem a apelante à razão de €2.479,59, por cada dia que decorrer entre a data de levantamento da máquina defeituosa e a entrega de uma máquina nova.
-a pagarem à apelante, a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais já causados a quantia total de €123.979,50, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e até integral pagamento.
Julgou-se improcedente a excepção da caducidade do direito de accionar por parte da autora arguidas pelas 1.ª e 2.ª rés.
Absolveu-se as 1.ª e 2.ª rés do demais peticionado e confirma-se a absolvição da 3.ª ré de todo o pedido.
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8. É desta decisão que foi interposta revista pelas RR. que encerram as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
Recorrente BB, Ld.ª
I - O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que revoga a sentença absolutória da Ré em primeira instância, viola os artigos 471° do Código Comercial, artigos 798°, 799°, 913° e 914° do Código Civil;
II - A relação jurídico-contratual estabelecida entre a Autora e a 1ª Ré consubstancia um contrato de compra e venda - artigos 874° e 879° do Código Civil e 13°, n°2, e 2º, 2ª parte, do Código Comercial.
III - O art. 471° do Código Comercial submete a compra e venda comercial a um regime de prazo curto para as reclamações do comprador contra as qualidades da coisa, acautelando a necessidade de segurança das transacções, indispensável à vida mercantil.
IV- O contrato em causa é uma compra e venda comercial e não civil, a Autora (compradora) e a Ré (vendedora) são sociedades comerciais, logo comerciantes, e o negócio é um acto do comércio.
V - O art. 2º do Código Comercial estatui: "Serão considerados actos do comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e além deles todos os contratos e obrigações dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar".
VI- Em função da sua natureza comercial - art. 13°, 1º e 2º, do C. Comercial, aplicam-se, desde logo, os artigos 463° e art. 471° do mesmo diploma, estatuindo este último preceito: "As condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamou contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamou dentro de 8 dias".
VII- Este normativo estabelece um regime de denúncia dos defeitos da coisa objecto do contrato, diverso do previsto no Código Civil - artigos 916, n°2, e 925°, n°2 - sendo claramente mais restritivo o regime de denúncia do Código Comercial.
VIII- Ferrer Correia, indica como fundamento para a disparidade - "...Ao impor ao comprador o ónus de analisar a mercadoria e de denunciar ao vendedor, no acto da entrega, qualquer diferença em relação à amostra ou à qualidade tidas em vista ao contratar sob pena de o contrato ser havido como perfeito, pretende a lei fundamentalmente tornar certa, num prazo muito curto, a compra e venda mercantil..."; Este regime, nitidamente diverso do estabelecido na lei civil para as vendas do mesmo tipo - cfr. Artigo 916° do Código Civil - tem na base a ideia de que a rescisão de um contrato "pode causar ao comércio...
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