Acórdão nº 1071/18.9T8TMR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-12-2021
Data de Julgamento | 16 Dezembro 2021 |
Case Outcome | NEGADA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 1071/18.9T8TMR.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. RELATÓRIO
Recorrente: AA
Recorrida: BB
1. BB intentou contra AA acção declarativa com processo comum, para investigação de paternidade, ao abrigo do disposto no artigo 1869.º do CC, pedindo que seja declarado que a autora é filha do réu.
Para tanto, invocou, em síntese, que nasceu em 4.05.1972, a sua mãe faleceu em 21.10.2015 e apenas antes da sua morte esta lhe confirmou que o réu era o seu pai.
2. Regularmente citado, o réu contestou invocando a caducidade do direito da autora, por desde Setembro de 2014 a mesma saber que o réu seria o seu pai, e impugnou o demais alegado.
3. Julgada a causa foi proferida sentença que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de propor a acção e, em consequência, absolveu o réu AA do pedido formulado por BB, tendo a sentença o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, o tribunal julga verificada a excepção de caducidade do direito de propor a acção e, em consequência, absolve o réu AA do pedido formulado por BB”.
4. Inconformada com o assim decidido, interpôs a autora recurso de apelação da sentença.
5. Em 17.06.2021, proferiu o Tribunal da Relação de Évora um Acórdão de cujo dispositivo consta:
“Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, revogando a sentença recorrida, declara-se que BB é filha de AA”.
6. Por sua vez inconformado, vem o réu interpor recurso de revista.
Conclui assim as suas alegações:
“1. Numa acção proposta ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 3 do art. 1817º do CC, o conceito de conhecimento não se reconduz a um quadro de saber algo ou de ter a convicção segura de algo, ao contrário do que supuseram as instâncias;
2. O acórdão recorrido padece de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal da Relação decidiu sem considerar a existência do email de 9/2/2015, junto aos autos no decurso da inquirição da testemunha CC, na sessão de audiência final de 8/10/2020;
3. O acórdão recorrido padece de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal da Relação decidiu sem tomar as diligências necessárias para assegurar que fosse incorporado nos autos o email acima referido;
4. A alteração da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação acabou por não dar como provado qualquer facto integrador da fattispecie normativa de que a Autora pretendia prevalecer-se, gerando, por inerência, um non liquet quanto ao momento por referência ao qual deveria começar a contar-se o prazo legal para a propositura da acção;
5. Embora tal circunstância pudesse determinar a baixa dos autos, é de entender, no caso vertente, que, considerando o teor de ambas as decisões proferidas, constam dos autos elementos precisos quanto à realidade factual que subjaz a esta acção;
6. Nessa medida, sem beliscar a sua vocação de Tribunal de revista, o Supremo Tribunal de Justiça está em condições de assumir os factos demonstrados em juízo e de os submeter ao adequado enquadramento jurídico;
7. Nessa operação, será de concluir que não estão provados os factos constitutivos do direito feito valer pela Autora, o que conduzirá à improcedência da acção, absolvendo-se o Recorrente do pedido;
8. Independentemente disso, estão provados os factos integradores da caducidade do direito de acção, o que determinará a procedência desta excepção, absolvendo-se o Recorrente do pedido;
9. Ainda que assim não fosse, seria de concluir, face à factualidade demonstrada em juízo, que a Autora agiu em abuso de direito, já que, pelo menos desde 2014, era conhecedora de matéria que possibilitava e justificava a propositura da acção e, não obstante, protelou sem justificação tal iniciativa processual, o que configura excepção peremptória que conduzirá a que o Recorrente seja absolvido do pedido;
10. Apesar da orientação firmada no acórdão uniformizador de 17/9/2020, a melhor doutrina é a de que, numa acção desta natureza, é encargo do investigante alegar e demonstrar que o conhecimento superveniente a que alude a alínea c) do nº 3 do art. 1817º do CC ocorreu há não mais de 3 anos relativamente ao momento da entrada da acção, sendo de requerer o julgamento ampliado da revista, nos termos previstos no artigo 686º do CPC;
11. Mostra-se violado o disposto na alínea c) do nº 3 do art. 1817º do CC, ocorrendo ainda, a dois títulos, a nulidade de omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615 do CPC”.
7. Por seu turno, a autora apresenta contra-alegações insistindo, a final, em que:
“(…) apenas tendo a Recorrida obtido a confirmação de que o Recorrido era o seu pai em Outubro de 2015, e tendo a acção sido intentada em 03/07/2018, deverá o Acórdão recorrido ser mantido, com a consequente condenação do Recorrente no pedido”.
8. Em proferiu o Exmo. Desembargador Relator um despacho em que pode ler-se:
“Por tempestivo, deduzido por quem tem legitimidade e por a decisão ser impugnável por essa via, admito o recurso interposto por AA.
É de revista, sobe nos próprios autos e tem efeito suspensivo (art.º 671º nº 1 e nº 3 “a contrario”, art.º 675º nº 1 e art.º 676º nº 1 , todos do CPC)”.
12. Já depois deste despacho, veio o recorrente apresentar requerimento, em que contesta certas afirmações da recorrida na sua resposta às alegações de recurso.
*
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se
1.ª) o Acórdão recorrido incorreu em nulidade por omissão de pronúncia;
2.ª) a acção de investigação de paternidade deve ser julgada procedente; e
3.ª) se a autora incorreu em abuso do direito.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:
1) Em 21-10-2015 faleceu DD;
2) O réu procriou a autora;
3) [1]
4) [2]
5) Esta acção foi intentada em 03-07-2018;
6-a) A Autora apenas teve a convicção segura de que o Réu era seu pai em Setembro de 2015, quando sua mãe lho confirmou[3].
E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:
1) A autora nasceu em XX/XX/1972 em ..., ..., ... e é filha de DD;
2) O réu manteve relações de cópula com DD durante pelo menos três anos antes de Maio de 1972;
3) Nesse período DD não teve relações de cópula com outro homem;
4) [4]
5) Em 6-10-2014, a autora disse ao réu que a mãe lhe tinha dito que este era o seu pai.
O DIREITO
1. Da (alegada) nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia
Relevam para esta questão, em particular, as conclusões 2, 3 e 11, em que o recorrente sustenta que:
- “O acórdão recorrido padece de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal da Relação decidiu sem considerar a existência do email de 9/2/2015, junto aos autos no decurso da inquirição da testemunha CC, na sessão de audiência final de 8/10/2020”;
- “O acórdão recorrido padece de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal da Relação decidiu sem tomar as diligências necessárias para assegurar que fosse incorporado nos autos o email acima referido”;
- “(…) ocorrendo [ ], a dois títulos, a nulidade de omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615 do CPC”.
Antecipa-se, desde já, que a alegação do recorrente não pode proceder em qualquer das suas linhas.
A norma em causa – o artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC – tem o seguinte teor:
“É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A norma é clara no sentido...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO