Acórdão nº 1070/20.0T8BJA.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 30-11-2022
| Data de Julgamento | 30 Novembro 2022 |
| Case Outcome | CONCEDIDA |
| Classe processual | REVISTA |
| Número Acordão | 1070/20.0T8BJA.E1.S1 |
| Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível
I – RELATÓRIO
AA, residente na Rua Vereador ..., em ..., instaurou contra BB, residente na Rua ..., em ..., ação declarativa com processo comum.
Alegou, em resumo, que é proprietário da fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao 2º andar direito, destinado a habitação, sita na Rua ..., ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob e nº ...05..., inscrito na matriz sob o nº ...43 da freguesia ... (...), a qual foi sua casa de morada de família até 12/6/2012, altura em que aí passaram a habitar, com permissão sua, a Ré, com quem viveu em união de facto e uma filha de ambos, justificando-se tal permissão com vista ao bem-estar da sua filha, motivo que deixou de existir, em Março de 2018, altura em que a sua filha passou a residir habitualmente consigo, permanecendo a Ré na fração contra a sua vontade apesar das interpelações para abandonar o imóvel.
Conclui pedindo a condenação da Ré a restituir-lhe o imóvel, bem como a pagar-lhe a quantia de € 25,00 diários por cada dia de atraso na desocupação do imóvel.
Contestou a Ré defendendo, em resumo, que é comproprietária da fração em partes iguais com o A., a qual foi adquirida por ambos e registada (apenas) a favor do A. por facilidades de recurso ao crédito e com vista a evitar a oneração da fração com eventuais penhoras motivadas por compromissos assumidos e incumpridos pelo seu ex-marido, com a promessa do A. de formalizar a contitularidade da Ré, depois de ultrapassados tais contingências financeiras e logo que o tivessem por oportuno, que a reiterada prática de atos materiais de posse na convicção de ser comproprietária da fração justifica a aquisição por usucapião e que, em qualquer caso, o A. age com abuso de direito por deduzir pretensão contrária à compropriedade “querida,afirmadaeconfessada” na constância da união de facto com a A.
Concluiu pela improcedência da ação e, em reconvenção, pediu o reconhecimento da aquisição, por usucapião, do direito de compropriedade sobre a fração ou, subsidiariamente, se declare transferido para a Ré o mesmo direito.
A A. respondeu à matéria da reconvenção por forma a concluir pela sua improcedência.
Admitido o pedido reconvencional, foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão o julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“A)Julgoaaçãototalmenteprocedentee,emconsequência,
i.ReconheçooAutorAAdonoelegítimoproprietárioda fraçãoautónomadesignadapelaletra“F”,correspondenteaosegundoandardireito,doprédio urbanositonaRua ..., ...,freguesia...,concelho ...,descrito naConservatória do Registo Predial ...sob o n.º ...09einscritonamatrizsob o artigo ...43;
ii.CondenoaRéBBarestituiraoAutoroimóvel identificadoemi)devolutoelivredepessoasebens.
iii.CondenoaRéBBapagaraoAutorumasanção pecuniáriacompulsórianomontantediáriode€25,00(vinteecincoeuros),porcadadiadeatraso nadesocupaçãodoimóvelidentificadoemi).
B)Julgoareconvençãototalmenteimprocedentee,emconsequência,absolvooAutorAAdetodosospedidosreconvencionaisdeduzidospelaRéBB.”.
A Ré interpôs recurso de apelação, tendo a Relação de Évora, em acórdão, decidido julgar improcedente o recurso e, dessa forma, confirmar a sentença recorrida.
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De novo inconformada, vem a Ré BB, interpor recurso de revista (o qual entendeu ser “admissível por duas ordens de razões: a) porque os fundamentos da decisão de primeira instância e os da Relação são essencialmente diferentes (nº 3 do art. 671º do C.P.C.); b) porque está em causa questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (a), 1, 672º); estão em causa interesses de particular relevância social (b), 1, 671º); há contradição entre o acórdão da Relação e acórdão(s) do Supremo (c), 1, 671º).”).
Ou seja, a Ré – embora o não diga com a clareza que seria desejável – parece vir interpor recurso de revista normal “ao abrigo do nº 1 e 3 (este a contrario)” do artº 671º do C.P.C. (que cita), pois considera não haver dupla conforme e, outrossim (embora igualmente assim o não designando), interpõe (subsidiariamente, portanto) recurso de revista excepcional, com sustento no disposto nas diversas alíneas do artº 671º, nº2 do CPC – revista excepcional esta que tem como pressuposto a existência da dupla conforme.
*
Foi proferida decisão singular, na qual se decidiu: 1. Não admitir a revista normal ou comum, dada a verificação da situação de dupla conforme; 2. Determinar que, portunamente, os presentes autos sejam remetidos à Formação, para a verificação dos arrogados pressupostos que justifiquem, ou não, a pretendida revista excepcional.
A Formação entendeu admitir a revista excepcional.
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A Ré apresentou alegações na revista, as quais remata com as seguintes
CONCLUSÕES (quanto ao mérito da revista – ou, como diz, quanto aos seus fundamentos):
h) Fixada que está a matéria de facto, dela decorre que se configura um contrato de mandato sem representação por via do qual o autor-recorrido se vinculou a transferir para a ré-recorrente a propriedade do imóvel, na proporção de metade, sendo que o mandatário – o autor-reconvindo - recusou e recusa o cumprimento voluntário da obrigação que assumiu.
i) Vale no nosso sistema jurídico - no nosso edifício civilizacional, dir-se-ia até - o princípio estruturante pacta sunt servanda, com consagração positiva em diversíssimas disposições legais, mormente no art. 406º do Código Civil, com o correlativo da liberdade contratual e o corolário da boa fé.
j) Porque vivemos numa sociedade organizada e civilizada, que proíbe e reprime o recurso à auto-tutela, tutela que é exercida pela hetero-tutela estadual, por via dos tribunais, mal se entenderia que, permitindo-se a auto-vinculação com emergência de obrigações e direitos, a lei – que é a civilização vinculante – não previsse e não consagrasse os meios de tornar efetivas os direitos e obrigações tal qual voluntariamente assumidos pelos contraentes.
l) É seguramente em vista também dessas razões que a generalidade da doutrina jurídica e muita da jurisprudência dos tribunais superiores tem defendido e adotado a tesede que o artigo 830º do Código Civil deve aplicar-se, direta ou indiretamente (por analogia) a todas as obrigações de prestação de facto fungível constituídas por contrato ou pela lei, ou seja, da suscetibilidade de execução específica do contrato de mandato sem representação.
m) Assim é mormente com o acórdão do STJ de 21/02/2022, in proc. 21074/18.2T8PRT.P1.S1.
n) A regra é, com efeito, a do cumprimento específico, que, no caso, ainda é possível (o prédio mantém-se na titularidade formal exclusiva do mandatário); trata-se de obrigação e bem no comércio jurídico; a obrigação é infungível: o bem a transferir é aquele bem, que não qualquer outro.
o) Seria um contra-senso que a lei criasse um efeito, uma obrigação (a obrigação de transferir para o mandatário os direitos adquiridos em execução do mandato) e depois deixasse ao critério do obrigado a possibilidade de optar pelo incumprimento (ainda que sujeitando-se a indemnização pecuniária) - nem seria caso de abuso de direito, que pressupõe, em qualquer caso, um direito ainda que exercido desviadamente: seria caso de não-direito.
p) A inserção sistemática do art. 830º do C.C. aponta no sentido de que a regra dos contratos é a da sua suscetibilidade de execução judicial específica, justificando-se a excecionalidade daquela norma dada a particular natureza do contrato-promessa a cujo incumprimento a lei alia, em princípio, efeitos indemnizatórios atinentes ou correlacionados a sinal.
q) Como consagrou o acórdão do STJ de 20/01/2022, in proc. 21074/18.2T8PRT.P1.S1, o artigo 830º do Código Civil deve aplicar-se, direta ou indiretamente (por analogia) a todas as obrigações de prestação de facto fungível constituídas por contrato ou pela lei.
r) À luz da doutrina que emana dos Acórdãos do STJ de 29/06/2010, in proc. 476/99P1.S1, e de 2/03/2011, in proc. 823/06.7TBLLE.E1.S1, e no caso de não se concluir pela execução nos termos referidos nas alíneas precedentes (ou seja, subsidiariamente), o tribunal deveria – deverá – convolar a condenação do autor-reconvindo para a condenação na obrigação pessoal de transmitir para a ré-reconvinte, por força do preceituado no nº 1 do art. 1181º do C.C., a quota parte do prédio urbano em causa.
s) Tratar-se-ia de um minus admissível e de adoção vinculada e oficiosa, tal como emana daqueles acórdãos.
t) Procedente que seja o presente recurso – nos termos principais ou subsidiários apontados – obviamente que deixará de ter sentido a aplicação à recorrente de qualquer sanção pecuniária compulsória – sanção que teria sentido aplicar-se ao recorrido mas que exorbita do âmbito do presente recurso.
u) São termos estes em que o recurso deve ser julgado procedente, com a consequente revogação do douto acórdão recorrido.”.
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Contra alegou o Recorrido – Autor/reconvindo – , sustentando que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo‐se o Acórdão recorrido.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Nada obsta à apreciação do mérito da revista.
Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).
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Considerando que o objecto do recurso (o “thema...
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